Capítulo 60: Meu Nome É… (2/2)
A carruagem desacelerou e seguiu por mais cinco minutos após passar pelo portão de entrada da muralha, até finalmente parar.
Eles então ouviram leves batidas na porta, seguidas da voz de Shin Hansung avisando que haviam chegado.
— Devemos descer aqui, então.
Kim Hannah lhe lançou um sinal com os olhos e desceu da carruagem primeiro.
Seol estava prestes a segui-la, mas logo percebeu por que ela tinha feito aquele sinal. Yun Seora ainda segurava seu braço, esse era o motivo.
— Acho que vou indo. Obrigado pelos últimos três meses. Foi divertido.
Como ela poderia impedi-lo, já que ele estava tentando voltar para casa? Quando ele retirou o braço com cuidado, ela não tentou detê-lo. Mas… só até o pulso.
Bem quando a mão direita de Seol estava prestes a se soltar da dela, ela a segurou com delicadeza.
— Hãm…
— S-Senhorita Yun Seora?
— …Gostaria de te ver de novo.
Diferente de antes, ela deixou seu desejo ser ouvido em voz clara.
Na primeira vez em que a encontrou, seus olhos pareciam tão frios e distantes, e agora estavam tão molhados de emoção, Seol se sentiu um tanto perdido e hesitou.
— Sim, eu também.
Só então ela soltou seu braço. Ela não parou de olhar para ele nem por um instante, mesmo até o momento em que ele finalmente deixou a carruagem de vez. Seol fechou a porta atrás de si enquanto umedecia os lábios ressecados com a língua.
“Parece que estou abandonando uma criança…”
A carruagem partiu e se afastou. O olhar de Seol continuou preso na traseira do veículo enquanto ele se distanciava lentamente, antes de se virar para observar a paisagem de Scheherazade, a cidade mais próspera dentro do território controlado pela humanidade.
Kim Hannah acenava para ele do topo de uma escadaria de pedra. E Seol pôde ver, atrás dela, uma torre tão alta e ereta que parecia perfurar os céus acima.
Enquanto subia os degraus, Seol percebeu que a torre, ou o pináculo, era feita de um material de construção estranho que emitia um tom pálido que não parecia propriamente branco.
— Esse é o Templo da Luxúria. Entre os sete deuses, ela é quem comanda as habilidades de cura usadas pelos Sacerdotes.
Ao ouvir isso, Seol viu inúmeras pessoas entrando e saindo do saguão sustentado por enormes colunas. A maioria delas vestia o mesmo manto branco-gelado que Maria usava quando se preparava para a Cerimônia.
— Nesse caso, será que a Maria ainda está aqui?
— Acho que ela já foi embora, né? Bom, ela já terminou de se recuperar, e de qualquer forma não pode voltar para a Zona Neutra.
— Certo. Pra onde?
— Para o sul.
Kim Hannah passou direto pela entrada. Ao entrar, Seol foi recebido por longos corredores em ambos os lados e, à frente, um salão de reuniões levemente escurecido. Ele avistou uma mulher sentada atrás de um tipo de balcão antes do salão.
Aquela mulher levantou os olhos cansados e encarou Kim Hannah quando ela se aproximou.
— O que te traz aqui?
— Viemos usar o portal de transferência.
Kim Hannah apresentou uma folha de papel para a mulher.
— Um Nível 1… O local para onde ele vai retornar é a Área 1… Ah, é a primeira vez dele usando esse serviço?
— Ele saiu da Zona Neutra hoje.
— Aaah, é verdade, hoje é o dia… De qualquer forma, teremos que estabelecer um novo ponto de retorno, então. Por aqui!
A mulher leu o papel com os olhos semicerrados, antes de levantar de repente a mão bem alto. Um homem asiático de cabelos pretos apareceu de algum lugar além do corredor e se apressou até eles. A atendente perguntou ao recém-chegado:
— Você é da Área 1, certo?
— Sim.
Ao ouvir a pergunta enquanto recebia uma folha de papel, o homem asiático assentiu com a cabeça.
— Então me ajuda a calcular as coordenadas.
— Vejamos. Área 1, Seul, distrito de Seodaemun, subúrbio de Hongeun… Ah, isso não deve ser muito difícil.
O homem sorriu.
— Eu tenho um lugar no subúrbio de Eungam, sabia.
— Vou contar com você, então. Ah, e também…
A mulher encarou Seol diretamente.
— Você não estava pensando em voltar pra Terra desse jeito, né?
— Gostaríamos de usar o serviço de armazenamento.
Kim Hannah respondeu como se fosse algo rotineiro.
— Como você é Nível 1, é gratuito. Aqui. Por favor, use o quarto número 8. Sabe como funciona, certo?
— Já expliquei pra ele.
— Você é uma guia exemplar, então.
A mulher entregou uma pequena chave com uma plaquinha enquanto parecia visivelmente aliviada.
Seol recebeu a chave e seguiu pelo caminho à sua direita. O interior mais ao fundo era dividido em vários andares altos com paredes que emitiam um brilho âmbar. E ele viu muitas portas, cada uma facilmente ultrapassando dois metros de altura. Encontrou a porta com um ‘8’ prateado brilhando na frente e entrou no cômodo.
Os itens de Paraíso Perdido não podiam ser levados de volta à Terra, com algumas exceções. Isso significava que ele precisava guardar seus pertences antes de partir, e os templos eram o local mais seguro para isso. Embora a taxa de armazenamento fosse exorbitante, como os itens seriam protegidos por poder divino, a segurança era basicamente a melhor possível.
No entanto, só se podia usar esse serviço de graça no Nível 1 e 2. A partir do Nível 3, quando alguém passava a ser considerado de fato uma força de combate, seria necessário gastar algo chamado ‘pontos de conquista’ para usar tanto o portal de transferência quanto o serviço de armazenamento.
Ele apoiou suas duas lanças contra a parede e tirou as armaduras. Ainda tinha as roupas que usava na Terra, mas agora estavam todas esfarrapadas. Ainda bem que Kim Hannah, com seu senso aguçado para moda, havia trazido algumas roupas e roupas íntimas para ele usar.
“Esqueci de agradecer a ela.”
Seol terminou de se vestir e conferiu seus itens uma última vez. Precisou deixar para trás Elixires, bem como o Estigma Divino. Estava um pouco preocupado com a possibilidade de serem roubados, mas como um deus protegia pessoalmente o templo, achou melhor confiar na segurança do lugar por ora.
Terminou de organizar seus pertences e saiu da sala de armazenamento antes de trancar a porta. O ‘8’ prateado na porta então mudou de cor para dourado. Daquele ponto em diante, apenas Seol poderia abrir aquela porta. Mesmo que outra pessoa ficasse com a chave, ela não se abriria.
Enquanto caminhava pelo corredor, Seol caiu em pensamentos profundos.
Ele mal podia acreditar que estava voltando para a Terra assim, tão facilmente. Por quê? No sonho, ‘ele’ não conseguiu voltar para a Terra mesmo depois de um bom tempo após sair da Zona Neutra. A versão onírica dele sentia muita falta de casa no começo de sua vida aqui. Seria essa mais uma diferença entre Contratado e Convidado?
Seol não pôde evitar um leve sentimento de arrependimento. Talvez já tivesse aceitado o fato de que precisava deixar a Zona Neutra. Mas deixar para trás os laços criados através de suas interações era outro problema completamente diferente.
“O que será que as crianças estão fazendo agora?”
Será que assinaram os contratos direito? Provavelmente também queriam voltar para casa. Será que ele deveria ter esperado eles terminarem para irem juntos?
Pelo menos, deveria ter se despedido antes de sair. Só sinalizou com os olhos porque não queria atrapalhar, mas agora, sentia um pouco de arrependimento por isso.
Quando Seol voltou à recepção, o homem asiático já não estava mais lá. Só Kim Hannah e a atendente ainda o aguardavam.
A mulher acenou para que o jovem se aproximasse.
— Mostre o dorso da sua mão, por favor.
Quando Seol, em silêncio, apresentou a mão esquerda, ela colocou outra folha de papel com um diagrama complicado desenhado sobre a pele dele e pressionou firmemente.
— E com isso, suas coordenadas de retorno foram definidas. Sempre que usar o portal de transferência daqui em diante, você chegará ao endereço que nos forneceu. Se mudar de residência, precisa nos avisar imediatamente. Caso contrário, podemos acabar causando um caos desnecessário na Terra.
— Entendido.
Seol respondeu e devolveu a chave. Kim Hannah já havia explicado anteriormente que ele precisava fazer isso ao terminar de guardar seus itens. A mulher arregalou levemente os olhos antes de lhe entregar um bilhete com o número ‘8’ escrito.
— Hm… Tenho certeza de que você já ouviu as explicações, mas mesmo assim, não se esqueça de cuidar bem desse bilhete. E também, você sabe que, depois de recuperar seus pertences, precisa confirmar a cor do número na porta, certo?
— Sim. De dourado para prateado.
— Correto. Se a cor permanecer dourada, significa que você deixou algo para trás. A menos que deseje estender o período do serviço de armazenamento, as coisas vão ficar bem complicadas para os dois lados, então, por favor, verifique com cuidado.
A atendente soava um tanto ressentida com alguma coisa. Em seguida, entregou mais duas folhas de papel para Seol.
— Uma delas é usada quando quiser voltar para o Paraíso. Você realizou missões na Zona Neutra, então deve saber que, ao rasgá-la ao meio, um portal de transferência se abrirá para você. Pessoas que não possuam nenhum tipo de Selo não conseguirão ver o portal, nem sentir sua presença, mas mesmo assim, recomendo que encontre um lugar calmo, sem ninguém por perto.
— E a outra…?
— É a lista de itens que você pode trazer da Terra para cá. É sua primeira vez, então leia com atenção e se familiarize com os conteúdos.
Seol guardou com cuidado os dois papéis no bolso.
— Ufa, ufa, ufa, ufa! Tudo pronto! Agora, você só precisa assinar aqui…
A mulher empurrou mais uma folha, dessa vez, um documento, para que Seol assinasse, soando como se estivessem finalmente na reta final. Era um acordo de confidencialidade, proibindo Seol de revelar qualquer coisa, mesmo remotamente relacionada ao Paraíso Perdido, para outras pessoas na Terra.
Esse tipo de acordo também era amparado por poderes divinos, então no momento em que fosse assinado, o poder do deus garantiria que os termos seriam cumpridos, custasse o que custasse. Dava pra perceber o quanto prezavam pela manutenção do sigilo.
Ele já sabia disso pelo sonho. E Kim Hannah também havia explicado durante a viagem de carruagem, então Seol assinou o documento sem muita dificuldade. Para ser sincero, havia algumas coisas que o irritavam um pouco. Mas como esses procedimentos precisavam ser feitos por quem quisesse usar o portal de transferência pela primeira vez, ele não disse nada e aguentou firme.
— Muito bem. Por favor, vá até o salão de reuniões atrás de mim e use o portal lá dentro.
Finalmente, ele estava autorizado a partir.
— Você terminou bem mais rápido do que imaginei.
— Bom, não teve nada muito complicado, afinal.
— Certo, vamos.
Kim Hannah seguiu à frente.
— …
Pouco antes de entrar no salão, Seol lançou um último olhar para trás e suspirou suavemente. Mas, antes que pudesse entrar…
Tap, tap, tap, tap.
De repente, os ecos de passos apressados ressoaram, e…
— Espere por mim!
…uma voz familiar o chamou.
Seol se virou surpreso. Kim Hannah também pareceu bastante intrigada.
— Por que ela está aqui…?
Tinham acabado de vê-la partir na carruagem há pouco, então…
A mulher apoiando o corpo contra a parede próxima à entrada, ofegante, não era outra senão Yun Seora.
Ela pareceu aliviada ao perceber que Seol ainda não havia partido. Regularizou a respiração pesada, engoliu em seco e gritou uma pergunta.
— Seu nome!
— ?
— Por favor… me diga seu nome!
A expressão de Seol ficou bem mais séria.
— Seo…
Sua boca se abriu por reflexo, mas logo se fechou de novo. Seus lábios tremiam incontrolavelmente.
— Seol…
— Mas isso… não é seu sobrenome?
Ele estava prestes a dizer que se chamava Seol. Mas, de repente, seus olhos começaram a se arregalar cada vez mais.
Seu coração batia descontrolado. Sua visão ficou turva.
— C-Como você…
— Quando você entrou no segundo andar no Tutorial, houve um alerta. Eu ouvi seu nome naquela hora, mas acabei esquecendo… O alerta dizia: Senhor Seol… algo chegou ao segundo andar.
— Ah.
Então, no fim, alguém tinha ouvido o alerta.
— Sempre achei estranho. Seu nome claramente era composto por três palavras, mas você sempre se apresentava só como ‘Seol’…
— I-Isso é…
As palavras dela acertaram em cheio, e Seol começou a gaguejar.
— Seu nome… pode me dizer seu nome completo?
Seol fechou os olhos com força.
De forma inexplicável, os dias passados na Zona Neutra passaram por sua mente como um filme.
Pela manhã, tomava café com Yi Seol-Ah, Yi Sungjin e Yun Seora.
Depois, se encontrava com sua equipe no primeiro andar e discutiam o cronograma do dia e as táticas de combate.
Faziam o possível para completar diversas missões.
Quando completavam as missões com sucesso, iam até o lounge e conversavam tomando bebidas refrescantes.
Às vezes, encontrava Shin Sang-Ah e Hyun Sangmin e perguntava como estavam.
Depois voltava para seus aposentos, compartilhava os acontecimentos do dia com os colegas de quarto e dormia…
Não importava quantas vezes relembrasse, eram boas memórias.
Quando abriu os olhos, viu Yun Seora esperando em silêncio, agora com a respiração estabilizada.
— M-Meu nome é…
Sua garganta secou. Se seu coração batesse mais forte, poderia explodir no peito.
Já fazia uns três ou quatro anos desde a última vez que ele revelara seu nome completo de forma voluntária.
Uma sensação familiar de vertigem finalmente passou, permitindo que Seol respirasse fundo.
Seus lábios trêmulos se abriram e soltaram o ar.
— Meu nome é…
E, finalmente…
— …Jihu.
…Seol agora era Seol Jihu.
— Meu nome é Seol Jihu.
Ele olhou diretamente para Yun Seora e esboçou um leve sorriso.
Enquanto atravessava o salão de reuniões em direção ao portal…
— Tinha algum motivo pra hesitar em dizer seu nome completo?
Kim Hannah lhe perguntou.
— Agora que você tocou no assunto, também fiquei curiosa. Por que você sempre dizia que se chamava Seol? Esse é seu sobrenome, não é?
Seol Jihu continuou caminhando resolutamente por um tempo, antes de abrir a boca devagar.
— …Eu era Seol.
— Hm?
— Pelos últimos três, quatro anos… eu era Seol.
A expressão de Kim Hannah refletia sua confusão. E não era pra menos. Era uma história de quando ele ainda era viciado em apostas, afinal.
Sua família o deserdou.
Seu título foi mudando aos poucos de ‘filho’ para ‘idiota’, depois para ‘desgraçado’, e por fim ‘canalha mentiroso’. No fim, nem sequer o tratavam como ser humano.
A distância entre ele e seu amor também aumentou.
E até mesmo dela ouviu um ‘filho da puta’.
Quando percebeu, ninguém mais o chamava pelo nome.
E ele também deixou de dizer seu nome completo aos outros.
No máximo, lá no cassino, algumas pessoas o chamavam de Senhor Seol, Seol Hyung, coisas assim.
E, com o tempo, Seol começou a aceitar aquilo como sendo seu nome.
— Hm… Entendi. Então, por que resolveu dizer seu nome completo agora?
Seol Jihu parou de andar por um momento.
— Não sei.
Seu olhar se ergueu para o teto, incapaz de encontrar uma explicação convincente, por mais que tentasse.
— Não sei. É só que…
— Só que?
— Achei que agora eu posso… Não, talvez eu não tenha tanta certeza disso, mas…
Seol Jihu baixou o olhar de novo, lentamente.
— Pelo menos, achei que, se fosse com a Senhorita Yun Seora…
Ele passou a mão pelos cabelos compridos, prendendo-os para trás, e sorriu de canto.
— …eu conseguiria dizer meu nome sem sentir vergonha.
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