Índice de Capítulo

    Hiro acordou de repente. Tinha a boca seca e a respiração rápida.

    Levantou-se e acendeu a luz.

    Estava sozinho naquele quarto enorme. Olhou para o relógio do seu celular. Apesar da sensação de ter dormido durante horas, ainda eram 8 da noite. Ele deve ter cochilado por uns vinte minutos, apenas.

    Levantou-se, meio tonto, e foi até a cozinha.

    Não encontrou ninguém no caminho.

    Notou a garrafa de uísque sobre a mesa e uma taça com vinho pela metade.

    No chão,  havia algumas manchas de vinho no tapete.

    Ele deu de ombros e continuou andando.

    Abriu a geladeira. Viu algumas garrafas de cerveja e uma única garrafa de vinho; no canto inferior, algumas fatias de pizza ainda na caixa. Também havia algumas frutas. Um pudim de chocolate ainda inteiro estava na prateleira do meio.

    Mas nenhuma água.

    Hiro ficou indignado.

    — Como assim não tem água? As pessoas nessa casa não bebem água, não?

    — Às vezes — respondeu uma voz, rindo, em tom de brincadeira.

    Ela era muito branca. Seus cabelos, quase da mesma cor, reluziam semi transparentes num brilho azulado.

    Hiro deu um pulo para trás, com os cabelos em pé.

    — U-um fantasma! Apareceu uma menina fantasma!

    — Que rude! — reclamou Lua. — Eu não sou um fantasma. Pelo menos não no sentido literal. — Levou a mão ao queixo, pensativa, depois deu de ombros, achando a questão de pouca importância.

    — Ela é só um cubo de gelo que aprendeu a falar e andar — disse Clara, enquanto passava por eles. A súcubo foi até a mesa, pegou a garrafa de uísque e se afastou em silêncio.

    — E você é só uma garota do job espiritual! — retrucou a elemental, com uma veia saltando na testa. — Por que não abre um Only Fãs do Inferno e faz a alegria das almas condenadas, hein?

    — A relação entre garotas-monstro parece meio delicada — falou Hiro.

    Lua deu de ombros.

    — A relação entre garotas é sempre delicada; monstros ou não. Ah, e você estava procurando água, não estava? Encontrar isso por aqui é raridade, mas eu posso te ajudar!

    Um brilho branco cintilou entre os dedos de Lua, e então um cubo de gelo surgiu em sua mão.

    Ela se levantou, foi até a mesa e jogou o cubo dentro de um copo.

    — Prontinho. Agora é só esperar derreter! — disse, orgulhosa de si mesma. — Se bem que comigo por perto, vai demorar bastante… melhor você usar o micro-ondas.

    Hiro deu de ombros e estalou a língua.

    — Acho que vou pegar uma cerveja mesmo. Se eu ficar bêbado e começar a encher o saco de todo mundo, a culpa é de vocês por não terem água na geladeira!

    Ele sentou-se no sofá.

    Sentiu um vento frio tocando sua pele, do tipo que se sente quando se está bem debaixo do ar-condicionado, e um arrepio subindo pela espinha fez seu corpo tremer.

    Mesmo assim, bebeu um gole do líquido dourado.

    — Tô começando a desconfiar que as pessoas nesta casa têm problemas com álcool. Eu deveria ligar para os alcoólicos anônimos?

    — Não ia adiantar muito. Seres sobrenaturais quase sempre bebem muito. Acho que o álcool ajuda a manter toda a tempestade interna contida.

    — Meu tio Kazu falava algo parecido. Dizia que o sakê ajudava a manter a mente tranquila. Coitado. Morreu de cirrose.

    — Interessante. — Lua se levantou do sofá. — Acho que vou fazer um drink com sorvete e vinho! Quer?

    — Opa! Quero!

    Nesse momento, Lua percebeu uma presença se aproximando. Era sombria, mas ao mesmo tempo um tanto espirituosa. Não parecia hostil, mas indiferente. O tipo de indiferença que pode produzir crueldades.

    E lá estava a garotinha sobre o peitoril da janela, com seu par de asas brancas abertas nas costas. Devia ter 9 anos, aproximadamente. Seus cabelos eram como fios de ouro que desciam em cascata; e seus olhos eram dourados e brilhantes.

    — Um anjo! — disse Lua, aterrorizada.

    — Eca! — retrucou a garotinha. — Errou feio!

    A elemental correu em direção à menina. Tinha os dedos reluzindo a cor do gelo. Estava pronta para atacar, pois, como bem sabia, quando se tratava de anjos, atacar primeiro e perguntar depois era a melhor estratégia.

    Mas tentáculos feitos de sombra se moveram e a seguraram no ar. E então Lua foi arremessada com violência, para longe. Ela bateu contra a parede com um baque seco, rachando o gesso antes de cair no chão, cuspindo sangue.

    — Ora, mas que falta de educação! Sua mãe não te educou? Quer morrer, menina de neve? Como ousa atacar uma representante do Inferno dessa forma? Eu deveria te condenar a um milênio de torturas e dores sem fim!

    — Inferno? — retrucou Lua, se levantando. — Que piada! Acha que eu não reconheço um anjo quando vejo um?

    — Que idiota! Não ensinam nada às crianças da Terra? Humpf! Vou fingir que nem ouvi essas besteiras só porque estou de bom humor hoje. Onde está o senhor humano?

    — Do que está falando? Humano?

    Mas Angélica simplesmente a ignorou. Se concentrou em sentir os aromas que deslizavam no ar, até identificar o cheiro de Renato.

    — Achei!

    Ela recolheu as asas e pulou pra dentro da sala. E, seguindo o rastro do aroma, caminhou em direção ao corredor.

    — Onde pensa que está indo? — Lua novamente correu até ela.

    Mas o tentáculo de sombra agarrou-a e se enrolou em seu pescoço. Estava apertando.

    Angélica nem olhava para ela. Matá-la-ia facilmente sem nem precisar encarar seus olhos.

    Mas algo aconteceu.

    Lua segurou o tentáculo com as duas mãos e ele começou a congelar. E então, com um golpe de sua mão, o tentáculo se quebrou em vários pedaços.

    Lua conseguiu se livrar do aperto, mas isso despertou a raiva de Angélica.

    A princesa infernal jogou todos os seus tentáculos para atacar a elemental de uma vez.

    Lua, com um movimento rápido, produziu uma barreira de gelo, como um muro que se ergueu entre ela e a princesa demoníaca.

    Mas a barreira se quebrou, facilmente, em vários pedaços, assim que os tentáculos de sombra tocaram nela.

    E a garota elemental mais uma vez foi arremessada para longe.

    — Não tava nos meus planos, mas se ficar me atrapalhando, eu vou te destruir aqui mesmo! — disse Angélica. — Não tenho tempo a perder!

    — Não! Não precisa matar ela! — Hiro se pôs entre as duas.

    — E por que não? Ela me atrapalhou! E ainda me chamou de anjo! Ela precisa morrer!

    — B-bom… — Hiro olhou para aquela garotinha. Era mesmo uma criança, apesar de todos os poderes assustadores. E ele sabia de algo que nenhuma criança poderia ignorar — P-porque ela tem sorvete! Por que, ao invés de matar ela, você não toma sorvete? Sorvete ou homicídio, qual dos dois é mais divertido, hein?

    — Bom… pensando por esse lado… mas é bom ser um sorvete gostoso! Saiba que estou acostumada com o melhor sorvete de toda a Criação! Não é qualquer sobremesazinha congelada que vai me impressionar!

    Acontece que essas palavras mexeram com o orgulho da elemental do gelo.

    — Não menospreze meu sorvete! — disse Lua, limpando o sangue que escorria do nariz. — Eu mesma o fabrico!

    Mas, após dar a primeira colherada naquela sobremesa sabor chocolate, Angélica fez uma profunda expressão de pena. Parecia olhar para a mais pobre das criaturas.

    — Então é isso que você toma e chama de sorvete? Pobrezinha! Não me admira que seja tão amarga e violenta! Eu também seria se não tomasse sorvete de qualidade. — Enxugou uma lágrima de um dos olhos. — Como eu poderia matar alguém tão miserável? Coitada… vou ter pesadelos com tamanha pobreza!

    — O que disse?! — rosnou Lua, com dentes cerrados.

    Mas Hiro pôs a mão em seu ombro.

    — Deixa. Vamos ver o que ela quer.

    Após limpar, dos olhos, as lágrimas comovidas, Angélica simplesmente continuou seu caminho pelo corredor.

    Até que ficou de frente para a porta de um quarto específico.

    — Esse quarto… — Hiro engoliu em seco.

    — Sim! Ele está aqui! — respondeu Angélica, e foi metendo a mão na maçaneta, mas Hiro a interrompeu.

    — Espere!

    — Hã? O quê?

    — Por favor! Deixe que ele descanse! O Renato não está bem. Ele precisa de um tempo.

    — O que está dizendo? Não há tempo!

    — Não! Por favor… ele não está num bom momento.

    A porta se abriu.

    Renato saiu.

    — Tá tudo bem — disse ele. — Eu tô acordado.

    — Renato…

    — Você! Senhor humano! Precisamos ir!

    — Ir pra onde? Do que está falando?

    Angélica levou a mão ao rosto, indignada.

    — Por que ninguém me escuta?! Está tudo mundo surdo por aqui? Vamos para o Inferno! E precisamos ir agora!

    — Desculpe, mas…

    — Agora! Você vai vir comigo!

    — Mas… por quê isso agora?

    — Ué?! Por causa do Armagedom, oras! Muito em breve, o exército do Inferno vai marchar sobre a Terra e guerrear contra os anjos e contra aqueles outros. Não vai sobrar nada! A Terra inteira vai ser destruída no processo, incinerada das nuvens até o subsolo! E é por isso que eu vim até aqui para buscar meu bichinho de estimação antes. Entendeu agora? Então vamos!

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