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    Capítulo 061 – ‎Sacrifique-se, como um herói!

    Antes mesmo de escutar a resposta de Ayel, o Bruxo Negro já entoava um cântico solene e lento numa língua esquecida1. A mão esquerda do arcano estava com a palma virada para cima e a mão direita com a palma virada para baixo, elas giravam horizontalmente, criando um ponto no meio que parecia estar sendo energizado pela mana de todos os seres vivos presentes.

    — Verbas meas rebatant in lineis quae hunc mundum delineant2

    Conforme a voz do Bruxo Negro prosseguia em seu discurso, ela parecia ecoar como se ele estivesse em um ambiente fechado e vazio, não um campo tal qual todos estavam.

    — Recitatio mea contemplet energium terrae quae vitam mihi dedit3

    Todos observavam atentos, uma massa muito poderosa de energia concentrava-se entre as mãos do senhor de Nox Arcana, tamanha concentração que o mesmo carregava consigo, como não avançavam em direção ao homem morto no centro, o mesmo também não atacava de volta, a orbe parecia apenas responder investidas, não buscar alguma iniciativa naquele combate.

    — Manus meae gesticulent sacrum soli4

    Amelie compreendia um pouco da língua antiga, ao perceber que o feitiço estava próximo do final, preparou-se para correr, arqueando as costas e flexionando seus joelhos. Todos os outros visualizaram ela se preparar e entenderam que o poder massivo logo seria conjurado, então fizeram o mesmo.

    — Et vox mea inimicum meum sepeliat5!

    A magia de Bruxo Negro estava completa, ele pegou a energia que havia se concentrado entre suas mãos e lançou-a em direção ao zumbi. O solo sob os pés do cadáver tremeu, amoleceu e cedeu. Como se fosse uma lama profana, o chão estava liquido.

    Aquilo engolira os tornozelos da criatura, entretanto, no instante seguinte, a terra tornou-se sólida novamente. Fria, resistente. O morto ficou preso, completamente imóvel, em um piscar de olhos.

    Era a brecha! O homem morto não poderia abusar da sua velocidade se estivesse impedido de se mover.

    Ayel bradou com a sua voz forte como a de um trovão e avançou, erguia sua espada bastarda com ambas as mãos. Por mais que fosse maior que todos ali, ele alcançou o morto primeiro, então descera o aço da sua lâmina em um golpe meticuloso e bruto, separando o braço esquerdo do cadáver, lançando a orbe no ar.

    — É agora! — O ruivo comemorou.

    Porém, antes que o rei pudesse tocá-la, ela caíra no chão com um som seco.

    Imediatamente após aquilo, um novo cadáver emergiu da terra, como se lá estivesse há muito, apenas esperando para ser convocado.

    Esse novo cadáver subiu para a superfície da terra como houvesse pulado para fora com força, subindo com a orbe nos dedos rígidos.

    “O quê?”

    Fora a reação geral do esquadrão, mas não poderiam se distrair com tal evento.

    Mariane ainda corria e não parou, principalmente após visualizar um segundo cadáver surgir, ela gritou com seus pulmões, embebendo seu martelo de guerra com o poder da sua fé. A arma brilhava levemente, um branco pálido e reluzente. Em um giro preciso, ela esmagou o ombro do morto, arremessara a orbe para longe, todos correram para a direção de onde havia caído.

    Mas antes que pudessem se aproximar completamente, mais uma mão podre rasgou o solo e agarrou a esfera, rapidamente.

    — Que porra é isso!? — Ayel tentava atingir o terceiro morto que surgiu, mas aquela maldita velocidade sobre-humanaa ainda constava.

    — Ao que indica, estamos pisando em um enorme cemitério, onde a orbe decidiu esconder tantos cadáveres do que poderíamos contar.

    Cogitou Bruxo Negro, coçando o seu queixo coberto de sombras. Kassandra assentira sem tirar os olhos da orbe.

    — Ela parece comandar a morte livremente à sua vontade, então sempre que se vê em perigo, ela usa outro corpo vazio como receptáculo para livrá-la das nossas mãos… — Concluiu a necromante.

    — Como vamos superar isso? Merda! — O rei tentava alcançar a orbe, sempre sem sucesso.

    Amelie estava com as mãos tremulas e os olhos arregalados, conjurara mais uma esfera flamejante, lançou contra o peito do morto que portava a orbe. O fogo incinerou completamente o alvo em segundos, deixando a esfera cair. Antes da fumaça da bola de fogo dissipar, mais um morto saíra do chão e apanhou o item.

    Aaron reuniu coragem e saltou contra esse morto que acabara de ser invocado, golpeou-o com desespero, mas dessa vez com sucesso. Cortara o braço do cadáver e chutou a orbe para longe. A esfera percorreu pelo chão até se aproximar da arcana, que hesitou por um pequeno instante ao ver a orbe tão próxima. Nesse pequeno segundo de hesitação, que outro zumbi surgiu saindo do solo e tomou a relíquia mais uma vez.

    — Não deixem a orbe vencer, em algum momento seremos mais rápidos que ela! — gritara Alvorada, com tanta raiva que saliva saía entre seus dentes.

    — Majestade, precisamos bolar outro plano. — A senhora do Mausoléu do Sofrimento estava ao lado do patriarca de Nox Arcana, o rei visualizou os dois um pouco mais distantes enquanto ele e parte do esquadrão ainda estavam tentando reprimir os zumbis que nasciam.

    — Bolem vocês enquanto pressionamos essa filha da puta! — Ayel estava irado.

    O ruivo retornou à ofensiva, girou a espada e, com uma força que brinca com os limites humanos, partiu o cadáver no meio, um pouco acima da altura da cintura. Os dois pedaços caíram no chão, cada um para um dos lados, embora o braço que estava segurando a orbe, manteve-se intocado, apertando a esfera com um esforço visível.

    Ayel bufou, chutando o braço com força, abrindo as mãos daquele zumbi e lançando a esfera norte adiante. Enquanto ainda deslizava com o impacto pelo chão, outra mão surgira do chão e apanhou a mesma.

    Yelena, Kord e Claude notaram a problemática, todos ficaram completamente surpreendidos com o que estava acontecendo a alguns metros a frente com o esquadrão, prontamente decidiram ajudar Ayel e os outros, porém, os movimentos que fizeram para se aproximar do esquadrão fora o suficiente para despertar os mortos naquele lado das planícies também. Fazendo diversos outros zumbis rasgarem o chão e equilibrando-se na superfície, devolvendo a horda que precisava ser eliminada pela guarda real. Impedindo o reforço de alcançar a esfera mágica.

    No meio daquela tensão crescente e dos esforços sem resultado algum, a voz do Bruxo Negro interrompeu o momento para ser escutada:

    — Eu pensei em algo! — anunciou.

    — Diga, então! — Ayel continuava gritando, sua mão estava firme, segurando a espada que acabara de cravar no solo. Respirando ofegante, cansado do embate, sem conseguir tocar na relíquia.

    O arcano então ajeitou o seu manto, andando alguns passos para frente, se aproximando do cadáver e do esquadrão que rodeava ele.

    — Se toda vez que focalizarmos em um ponto só, a orbe faz surgir outro zumbi… Então, nesse caso… Eu atacarei todas as direções ao mesmo tempo! — revelou o senhor de Nox Arcana, sua expressão era uma incógnita devido às sombras que a encobriam.

    Aaron, Mariane, Kassandra e até mesmo o próprio tribal espantaram-se enquanto estavam encarando entre si. Amelie ainda deixara seus olhos bem arregalados, como se estivesse escutando algum rito proibido.

    — Pode mesmo fazer isso, Bruxo? — vociferou o bárbaro ainda descrente.

    — Claro… Mas preciso que evacuem o lugar, ou irão acabar recebendo os danos por conta da minha magia, também! — respondeu Bruxo Negro, seríssimo.

    Ayel encarou o esquadrão que estava com ele, também virou-se para o batalhão dos batedores que estava um pouco mais atrás. Seu grito, com aquele timbre grave da voz, se fazia ouvir.

    — Escutaram o arcano! Recuar! Recuar agora!

    E eles não titubearam, Aaron, Amelie e Mariane cederam à ordem, mesmo que levemente contrariados. Correram entre os restos dos zumbis anteriores, chutando membros decepados no solo. Sem olhar para trás.

    No entanto, Kassandra hesitara.

    — E a orbe, Bruxo? — indagou em um tom baixo, um pouco mais distante do arcano, já que o mesmo andou um pouco.

    — Tenho um grande receio de tocar em algo que carrega quantidades absurdas de mana negro… Porém, posso isolá-la e então você poderá pegá-la depois. — murmurou o Bruxo.

    — Feito. — respondeu a necromante antes de bater em retirada com passos firmes, deixando seu manto negro balançar com o vento.

    Bruxo Negro posicionou-se ao lado de Ayel assim que os dois estavam sozinhos com o cadáver que segurava a esfera mágica. Ele ajeitou seu espalhafatoso chapéu arcano e suspirou antes de pedir.

    — Majestade… Preciso que continue pressionando a orbe. Distraia-a, impeça que ela me atinja enquanto conjuro… Só poderia pedir isso a você, meu rei. Sei que sua força está acima do comum.

    — Claro, ficarei. — respondeu Alvorada, com sua voz grave e decidida.


    1. As magias arcanas são, em sua maioria, recitadas em latim macarrônico. Eu escolhi esse idioma por conta do seu poder evocativo e místico, que amplifica a conexão com as forças do mana, sonoramente agradável.[]
    2. Que minhas palavras rebatam nas linhas que delineiam este mundo.[]
    3. Que meu recitar contemple a energia da terra que me deu a vida.[]
    4. Que minhas mãos gesticulem o sagrado do solo[]
    5. E que minha voz enterre meu inimigo![]
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