Capítulo 5: Sério?
— Eu bem que tava pensando quem seria o louco de me perturbar tão tarde da noite.
O rosto de Shalton expressava uma certa vergonha.
— Você sabe que eu não faria isso sem um bom motivo — disse, com uma feição determinada.
Quase de imediato, os olhos de todos se voltaram para Aron.
— Hum… podem entrar.
Com as luzes acesas e todos reunidos em volta da mesa, Shalton tomou a iniciativa:
— Bandidos.
Uma expressão de surpresa surgiu no rosto de todos.
— Como assim, bandidos? — questionou o príncipe William.
Shalton não respondeu, como quem quisesse passar a palavra para alguém.
— Estávamos indo para a capital. Na metade do caminho, encontramos três bandidos, todos vestindo roupas verdes e usando panos para cobrir o rosto.
William se irritou:
— Ei, ei, ei, isso é muito sério. De qual vila vocês vieram?
— Vale Verde — respondeu Shalton.
— Nunca ouvi falar — disse William.
Um dos guardas presentes levantou a mão, pedindo permissão para falar.
— Se me permite, senhor — William assentiu com um gesto. — O Vale Verde é uma das vilas mais próximas da capital, sendo frequentemente usada para patrulhamento noturno.
— Entendi…
Na ponta da mesa e de braços cruzados, o dono do local finalmente falou:
— E então, o que aconteceu com os bandidos? — perguntou Karmil, mesmo já sabendo a resposta.
— Bo… — Shalton se preparava para falar, mas foi interrompido por Aron.
— Eu os matei.
O ambiente ficou denso, mesmo todos já esperando por essa resposta.
Karmil foi o primeiro a expressar a dúvida que todos compartilhavam:
— Garoto, não estou duvidando de você, mas me diga: como um simples camponês, com uma espada velha, matou três bandidos sozinho? — questionou, com uma expressão desconfiada no rosto.
Quem respondeu foi Shalton, prontamente:
— Ele sempre foi um garoto empenhado com a espada. É o protetor de nossa vila. Tudo o que fez foi colocar em prática o que tanto treinou.
— Eu não perguntei pra você, seu velho. Agora, responda, garoto.
Todos os presentes se acomodaram para não perder uma palavra sequer do que o jovem diria, especialmente Beatrice, que ouvia sentada na escada.
— De início, percebi que eles estavam nos seguindo. Fiz o velho parar a carroça e os atraí para uma armadilha. Depois de eliminar o primeiro de surpresa, foi bem mais fácil lidar com os dois restantes. Foi só isso. Se os três tivessem vindo para cima desde o início, provavelmente não estaríamos aqui.
Aron não entrou em detalhes. Essa explicação vaga parecia suficiente para ele.
— Incrível, garoto. De verdade, você se saiu muito bem — disse Karmil.
— Sim, sim, foi muito bem — disseram os guardas em uníssono. — Com certeza, eu não conseguiria.
William olhava para Beatrice, encantada com a história do rapaz. Seus olhos brilhavam, claramente ansiando por mais detalhes. O príncipe apertou os lábios, cruzou os braços e soltou, com um tom levemente sarcástico:
— Se bem que, podiam ser três bandidos, mas qualquer um com uma noção básica de esgrima poderia derrotá-los. Quais eram suas armas? Aposto que eram machados velhos e enferrujados.
Beatrice franziu levemente a testa e desviou o olhar, como se o comentário tivesse estragado o encanto do momento.
Todos se irritaram com as palavras prepotentes do príncipe, menos Aron, que respondeu prontamente:
— Adagas, provavelmente envenenadas.
“O quê?” — pensaram todos.
Um mero ladrão não teria dinheiro para comprar uma arma tão sofisticada quanto uma adaga, muito menos o veneno para usar nela.
— Aham! Entendi. Irei amanhã mesmo reportar esse ocorrido ao general Gavril, quando chegarmos à capital — respondeu William.
— Fico feliz. Muito obrigado pela sua gentileza — respondeu Aron, estranhamente formal. — Senhor Karmil, se todas as suas dúvidas acabaram, poderia me ceder um quarto para dormir? Estou precisando muito fechar os olhos.
Karmil respondeu prontamente:
— Claro que sim, rapaz. Mas vá tomar um banho antes e deixe suas roupas lá mesmo. Vou lhe emprestar outra para usar enquanto as antigas são lavadas. — Karmil olhou para a escada e disse: — Beatrice, mostre onde é o lavatório para nosso hóspede e leve uma muda de roupas para ele.
Beatrice prontamente respondeu:
— Sim, meu pai.
Quando os dois deixaram a sala, Karmil dirigiu-se a Shalton:
— Você sabe que este garoto pode ter um futuro brilhante pela frente?
Shalton não se alegrava nem um pouco com essa afirmação.
— Sei… só tenho medo de que o talento dele o leve por caminhos perigosos. Às vezes, a mesma espada que ergue um homem… é a que o derruba.
Todos sentiram o peso dessas palavras, principalmente os guardas do príncipe.
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A luz fraca da vela os guiava pelo corredor escuro, oscilando levemente a cada passo. O silêncio entre eles era pesado, mas não desconfortável. Pouco depois, pararam diante de uma porta simples, haviam chegado.
— É aqui — disse Beatrice.
Aron não conseguia encará-la, mas mesmo sem olhar em seus olhos, respondeu:
— Obrigado.
— Você pode deixar suas roupas ali. Não se preocupe, já já trago outra muda para você.
Novamente, com uma expressão distante, Aron respondeu:
— Obrigado…
Dessa vez, Beatrice não desviou o olhar. Fez questão de encará-lo nos olhos. E foi então que viu… o brilho contido, trêmulo, de lágrimas que lutavam para não cair. Como se todo o orgulho do mundo estivesse pendurado por um fio prestes a se romper.
Instintivamente, Beatrice se aproximou e o abraçou, um gesto simples, mas carregado de empatia. Ela não sabia exatamente por que o fez, tampouco conhecia aquele homem a fundo… mas algo em seu olhar partido, em seus ombros curvados pelo fardo invisível, a impulsionou. Com a voz baixa, mas firme, sussurrou:
— Você não precisa enfrentar tudo assim… sozinho desse jeito. Uma hora, esse aperto no peito passa… sempre passa.
Aron ainda sentia o peso da espada em suas mãos, mesmo após já tê-la guardado. Seu olhar vagava, perdido, como se ainda visse os rostos dos homens que caíram por seus golpes.
Quando Beatrice o envolveu num abraço repentino, seu corpo enrijeceu no mesmo instante, como se não soubesse o que fazer com aquele gesto. Ninguém nunca o havia tocado daquela forma.
Por um breve momento, ele ficou imóvel. Então, quase sem perceber, sua cabeça cedeu, encostando no ombro dela. O tremor em seus ombros começou discreto, mas logo a verdade que lutava para esconder transbordou em lágrimas silenciosas. Era como se o peso das três vidas tomadas finalmente tivesse encontrado espaço para sair.
Ele não disse nada. Não conseguia. Apenas ficou ali, permitindo-se desmoronar por um instante, sem precisar se justificar, sem precisar ser forte.
Poucos segundos depois, como se despertasse de um sonho, afastou-se devagar, limpando o rosto com a manga da roupa. Ainda evitava encarar Beatrice diretamente, mas sua voz saiu firme, embora baixa:
— Obrigado… — fez uma breve pausa, buscando as palavras certas — …eu precisava disso mais do que imaginava.
Sem esperar resposta, deu um leve aceno de cabeça e se virou, caminhando em direção ao aposento onde tomaria seu banho. Seus passos ainda eram pesados, mas agora havia algo diferente neles, como se parte da dor tivesse sido deixada para trás naquele breve e improvável encontro.
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