Capítulo 66: O Lugar Onde Ele Precisa Estar (2/3)
Seol Jihu teve um sonho. Era o tipo de sonho que não tinha há muito tempo. Mas foi um bom sonho.
Yoo Seonhwa veio vê-lo e começou a cuidar dele. Chegou até a repreendê-lo pelo estado bagunçado do quarto. O arrastou para o canto e começou a limpar a bagunça.
Enquanto a máquina de lavar fazia seu trabalho, ela saiu e comprou coisas como detergente, aromatizante de ambiente e outros produtos de limpeza. Lavou as roupas dele, arrumou a cozinha, lavou toda a louça suja, jogou fora o lixo podre, limpou a geladeira, passou pano no chão, limpou as janelas e ainda deu um jeito no banheiro.
Passou as horas seguintes transformando completamente a residência. Depois, dizendo que estava com fome, cozinhou um ramen. Ao vê-la de pé na cozinha, com o rabo de cavalo balançando suavemente, Seol Jihu se sentiu aquecido por dentro. Era como se tivesse voltado no tempo, de volta à época em que tudo estava bem.
Se havia algo que ele não conseguia entender, era o fato de ela estar usando um terninho. Por que não estava de uniforme? Yoo Seonhwa nunca tinha usado terno antes…
De repente, seu nariz captou um cheiro picante, porém delicioso. A saliva começou a se acumular na ponta da língua.
Seol Jihu engoliu em seco enquanto o sono sumia de seu corpo, e piscou os olhos algumas vezes.
“Não era um sonho?”
Rapidamente se ergueu.
— Ora, mas olha só esse sujeito.
Uma voz de tom refinado e um tanto peculiar soou em seus ouvidos. Kim Hannah estreitou os olhos e o encarou enquanto carregava a bandeja com o ramen.
— Você consegue sentir cheiro de comida que nem um cão farejador, né?
— Kim Hannah?!
— Se já acordou, então venha comer.
— O que você tá fazendo aqui…?
— Eu te disse, não disse? Se não atendesse minhas ligações, eu ia invadir sua casa.
Kim Hannah respondeu como se fosse óbvio.
Seol Jihu olhou ao redor, atordoado. E quase deixou o queixo cair ao perceber que seu chiqueiro tinha se transformado em um quarto limpo e arrumado.
“Meu apê sempre foi tão espaçoso assim?”
Viu pratos organizados nas prateleiras, e o chão brilhava como mármore. Um aroma agradável e desconhecido permeava o ar. Aquilo estava bem além de ser um lugar agradável, era o território do ‘Lar, Doce Lar’.
— …Você tá pensando em seguir uma nova carreira?
— Que que você tá falando?
Kim Hannah respondeu com azedume à pergunta.
Seol Jihu massageou a testa.
— Então foi você…
Achou que tivesse sido Yoo Seonhwa, no entanto…
— Isso mesmo, seu idiota. Sabe quantos sacos de lixo eu… Peraí? Por que você tá com cara de desapontado?
— N-Nem pensar. Você tá enganada. Eu tô grato. De verdade.
Ele se encolheu e negou com um aceno de mãos. Kim Hannah deu um risinho pelo nariz.
— É bom mesmo que esteja. Como você consegue dormir num lugar desses? Devia estar cheio de bactérias e sei lá mais o quê. Eugh!
Ela estremeceu como se só de imaginar já ficasse arrepiada, e colocou a bandeja sobre a mesinha. Em seguida, lançou um olhar de soslaio para ele.
— Não quer? Eu fiz dois pacotes, viu?
Vapor quente subia convidativo do pote. E depois que ela colocou um par de hashis de madeira na frente dele, não havia mais como recusar. E, pensando bem, ele não comia nada desde de manhã.
De fato, estava com fome. Então decidiu resolver isso antes de pensar em qualquer outra coisa.
Sluuurp.
“Que gostoso.”
A massa estava no ponto certo de maciez, e o caldo tinha uma picância agradável, com os pedacinhos de cebolinha picada dando um toque refrescante no final.
Kim Hannah começou a rir ao ver o rapaz se concentrando em sugar o ramen em silêncio.
— Gostou?
— Aham.
— Pois é, eu tenho talento pra fazer ramen. Enfim, aproveite.
— Beleza, valeu.
Os dois se concentraram na refeição por um tempo. E, como era de se esperar, os noodles acabaram rápido.
— Não foi o bastante para nós dois, né?
Kim Hannah lambeu os lábios e, com um olhar insatisfeito, encarou Seol Jihu saboreando a última colherada do caldo do ramen.
— Que tal um arroz pra acompanhar esse caldo?
— É, parece uma boa… Ah, mas não tem…
— Eu já comprei arroz instantâneo. Peguei quando saí pra comprar mais sacos de lixo, sabe?
Kim Hannah foi até a cozinha e trouxe os pacotes de arroz instantâneo. Devia ter comprado aquecidos na loja de conveniência, pois estavam meio frios ao toque.
Eles despejaram o arroz no caldo de ramen e dividiram o resto da refeição entre si.
Depois de encher o estômago, ele se sentiu satisfeito, e também meio sonolento. Mesmo tendo acabado de acordar, suas pálpebras pareciam pesar toneladas. Vendo aquilo, Kim Hannah sorriu de canto.
— Você não é mais uma criança, mas tá ficando com sono porque comeu demais?
Depois, levou a bandeja com os pratos vazios embora e voltou com uma sacola de remédios.
— Ei, deixa que eu faço isso.
— Deixa pra lá. Você ainda tá doente, lembra? Comprei uns remédios, então toma e descansa. A gente conversa amanhã.
Seol Jihu ficou em silêncio. A coisa que ele mais odiava no mundo eram agulhas. E a segunda coisa que mais odiava era tomar remédio. Talvez tivesse algo a ver com algum trauma de infância.
Kim Hannah cantarolava enquanto lavava a louça, mas ficou furiosa ao descobrir que ele nem sequer tinha tomado um único remédio. Forçou-o a engolir os comprimidos e, em seguida, disse que conversaria com ele no dia seguinte antes de se virar para ir embora. Já estava ficando tarde e ela também precisava descansar.
— Tô indo. Descansa, tá? E nem pense em não atender minhas ligações de novo.
Quando estava prestes a sair, sentiu a mão dele agarrar a sua de repente.
— Kim Hannah.
— O quê?
— Não vá. Por favor.
— …O que você disse?
Kim Hannah não pôde evitar estremecer ao ouvir o tom suplicante da voz dele.
Bem, já era madrugada, então…
Um pensamento passou por sua cabeça: talvez tivesse sido um erro vir até aqui.
— Eu…
— Ei.
Kim Hannah se virou para ele e declarou com firmeza:
— Você é um Convidado, e eu sou a sua ‘Convidadora’.
— Eu sei.
— Se sabe, então não devia agir assim. Não acha que tá sendo meio sem noção? Eu pareço fácil pra você?
Ela já começava a soar bem irritada. Seol Jihu a encarava, piscando sem parar, como se não fizesse ideia do que ela estava falando, até que sua voz cansada saiu:
— Eu quero voltar.
— …Hm?
— Agora. Quero voltar agora.
Dessa vez, foi Kim Hannah quem piscou os olhos. A pele do seu pescoço ficou vermelha de vergonha por um breve instante. Mas, no momento em que confirmou o fervor estranho nos olhos do rapaz…
— Vamos. Agora. Quer dizer, a gente tem os meios, né?
…seus próprios olhos se estreitaram em fendas.
“Não é possível. Será que…?”
Na verdade, ela já estava com a sensação de que havia algo estranho. Também achou incomum o quanto o rapaz estava quieto durante a refeição.
O que ela temia inicialmente era que Seol Jihu não quisesse voltar ao Paraíso depois de retornar à Terra. No entanto, a verdade era exatamente o oposto.
Nem sequer tinha se passado um dia completo, e Seol Jihu já queria voltar ao Paraíso.
A evidência mais convincente era sua expressão, agora cheia de vigor assim que mencionou o retorno. Ela sentia que a forma como ele segurava sua mão era como alguém se agarrando à última tábua de salvação. Kim Hannah começou a pensar que…
…isso não estava certo.
…isso era perigoso.
De tempos em tempos, surgiam pessoas assim; pessoas seduzidas pelos encantos do Paraíso Perdido que acabavam abandonando a vida na Terra. Era como colocar a carroça na frente dos bois.
Esses Terrestres costumavam morrer bem cedo, dez em cada dez vezes. Embriagavam-se com a adrenalina das batalhas no Paraíso e acabavam buscando missões cada vez mais perigosas.
Outros Terrestres os chamavam de ‘alucinados do Paraíso’.
Normalmente, Kim Hannah teria ficado feliz com o desejo dele de retornar ao Paraíso, mas Seol Jihu não era um Contratado comum, tampouco uma peça descartável para ser usada uma ou duas vezes e depois jogada fora.
Não, ele era um Terrestre que podia se tornar um apoio confiável e um parceiro importante no futuro. Era mais como uma pedra preciosa bruta que ela precisava lapidar com muito cuidado.
Ela queria que Seol Jihu equilibrasse ambas as vidas, aqui e lá. Definitivamente não queria vê-lo se viciando no Paraíso.
Além disso, ele só tinha ido para lá uma única vez, e passou a maior parte do tempo na Zona Neutra. Era raro ver alguém querer tanto voltar ao Paraíso depois de ter vivenciado tão pouco.
“Algo deve ter acontecido aqui.”
Ao se lembrar do passado de Seol Jihu, ela conseguia pensar em algumas possibilidades do que poderia ter acontecido.
— Você não pode.
Kim Hannah recusou com firmeza.
— Mas por quê?
— No mínimo, você tem que assinar o contrato primeiro.
— Me dá ele. Eu assino agora.
— Acha que acaba só porque assinou? Eu tenho muita coisa pra te dizer. Além disso, você também não tá curioso com algumas coisas? E quanto aos seus planos futuros?
— …Eu resolvo isso quando chegar lá.
O fervor de Seol Jihu esfriou bastante depois de ouvir a voz zangada dela.
— De qualquer jeito, não pode. Eu também quero dormir! Você faz ideia do cansaço que deu arrumar esse lugar?
Seol Jihu esqueceu o que ia dizer, com a expressão cheia de arrependimento.
— Só dorme um pouco, vai… Você parece prestes a cair de sono a qualquer momento… E, quando chegar a hora de voltarmos, vou te fazer ir mesmo que não queira.
— …Tá bom.
No fim, Seol Jihu levantou a bandeira branca.
Pouco tempo depois…
A luz do quarto se apagou.
Uma expressão complicada se formou no rosto de Kim Hannah ao observar Seol Jihu dormindo e sua respiração estável.
Ela ficou parada na entrada por um tempo, pensativa, antes de se sentar a uma certa distância dele. Cobriu-se com o próprio casaco como se fosse um cobertor.
Estava preocupada com a possibilidade de ele fugir para o Paraíso sem que ela percebesse. Seus sentidos aguçados a despertariam mesmo com o menor ruído, então confiou nisso e decidiu passar a noite ali.
Como sua protetora, ela precisava impedi-lo de ‘escapar’ para o Paraíso a qualquer custo.
“Francamente… que cara mais problemático de se cuidar.”
Kim Hannah ficou olhando para ele por um bom tempo antes de fechar os olhos, soltando um bocejo.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.