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    Sem pensar duas vezes, disparei em direção a Kael com toda a força que restava em meu corpo. Meus pés afundavam levemente na terra úmida da floresta a cada passo, e meu coração martelava como um tambor de guerra. Cerrei os punhos, sentindo a tensão nos músculos dos braços, e mirei um soco direto, colocando nele toda a minha fúria, frustração e desejo de superá-lo.

    Mas Kael… ele nem parecia se esforçar.

    Quando minha mão estava prestes a tocá-lo — a menos de um palmo de distância — ele girou o corpo com elegância, desviando com um movimento fluido e preciso. Antes que eu pudesse reagir, senti o impacto seco de seu pé me acertando em cheio no estômago. O ar foi arrancado dos meus pulmões. Fui lançado como um boneco contra uma árvore próxima. As cascas duras se cravaram nas minhas costas, e por um momento, tudo ao meu redor girou.

    Caí de joelhos, arfando. Meus braços tremiam. A dor latejava em cada parte do meu corpo. Mas dentro de mim, algo gritava mais alto que a dor: eu não posso desistir.

    — Eu… eu vou continuar… — murmurei entre dentes cerrados, cuspindo um pouco de sangue. — Até que meus ossos se quebrem… eu não vou parar!

    Cambaleando, levantei-me mais uma vez. Avancei contra ele de novo, tentando ignorar o ardor nos músculos e a tontura. Mas era inútil. Ele se esquivou com a mesma facilidade, como se pudesse ler meus movimentos antes mesmo que eu os fizesse.

    Outro chute. Outro voo. Outra árvore. Mais dor.

    Droga… desse jeito eu nunca vou acertá-lo…

    Enquanto me levantava, algo dentro de mim se acendeu. Um pensamento, uma ideia. Se eu continuar fazendo a mesma coisa, o resultado será sempre o mesmo. Eu precisava mudar. Precisava pensar como ele. Prever, planejar, enganar.

    Engoli em seco, limpando o sangue da boca com a mão. Meu corpo gritava para que eu parasse, mas minha alma gritava ainda mais alto: lute.

    Avancei mais uma vez, mas dessa vez com uma estratégia diferente. Meus passos eram firmes, porém controlados. Já sabia o que esperar. Kael iria desviar… ou talvez desaparecesse e surgisse atrás de mim, como já havia feito antes.

    Teria que adivinhar. Não havia tempo para analisar — só me restava confiar no instinto.

    Quando me aproximei, fiz exatamente o que tinha planejado: abaixei-me por um segundo e com a mão livre agarrei um punhado de terra do chão. E então, sem hesitar, joguei para trás.

    — Agora…! — gritei em pensamento.

    E como eu suspeitava, ele apareceu atrás de mim — rápido como um raio. Mas não rápido o suficiente. A terra acertou seus olhos, e ele levou as mãos ao rosto, surpreso, tentando entender o que havia acontecido.

    A brecha que eu precisava.

    Gritei com todas as forças, canalizando a dor, a raiva e a esperança em um único movimento. Saltei no ar, usando o impulso das pernas e a força acumulada nos braços. Meu punho voou como uma lança flamejante direto no rosto de Kael.

    Impacto.

    A dor explodiu em minha mão no mesmo instante — como se eu tivesse socado uma parede de pedra maciça. Mas também senti algo ceder. Ele foi atingido. Kael cambaleou para trás.

    Eu sorri, vitorioso… por um breve momento… antes de meu corpo ceder ao cansaço e à dor. Caí no chão com força, ofegando, mal conseguindo mover os dedos da mão ferida.

    E então, ouvi.

    Um som inesperado. Um riso.

    Kael sorriu. Primeiro, de forma sincera — quase como um professor orgulhoso de seu aluno.

    — Parabéns… — disse ele, com a voz tranquila. — Não esperava por isso. De verdade. Você me surpreendeu.

    Mas aquele sorriso mudou em segundos. Seus olhos brilharam com uma excitação estranha. Um sorriso maligno tomou conta de seu rosto.

    — Mas agora… está na hora de levarmos isso a um novo nível.

    Meus olhos se arregalaram.

    — M-mas… já acabou… eu te acertei! — exclamei, tentando me levantar, mesmo que meu corpo mal respondesse.

    Kael se aproximou lentamente, seu olhar como o de um predador que finalmente viu seu alvo evoluir o suficiente para ser um verdadeiro desafio.

    — Sim, você me acertou. Mas o treino só termina… quando você me atingir com magia. — Ele sorriu como uma criança prestes a abrir um presente. — E até que isso aconteça, vou te quebrar inteiro, garoto.

    E ali, caído no chão, com o corpo em frangalhos e o coração acelerado, percebi o que realmente significava ser forte neste mundo.

    Mas antes mesmo que eu tivesse tempo de reagir, Kael começou a desaparecer. Seus passos deixavam rastros de poeira e som, mas seu corpo surgia em lugares diferentes ao mesmo tempo. Um, dois, três… era como se houvesse dezenas dele, se movendo com velocidade absurda ao meu redor, me confundindo, me cercando. Não sabia onde olhar, para onde correr. Era como estar cercado por sombras vivas.

    Mas eu me levantei, tremendo e cambaleando, com apenas um pensamento queimando no fundo do meu peito: evoluir… até vencer.

    Porém, antes mesmo que eu pudesse formar outro plano, ele apareceu diante de mim — rápido como o trovão — e me acertou com um chute devastador. Meu corpo foi lançado no ar como uma folha ao vento. A árvore atrás de mim se aproximava rapidamente… mas não tive nem tempo de sentir o impacto.

    Outro chute.

    Ainda no ar.

    Kael apareceu de novo, como um vulto, e me acertou com mais força. E de novo. E de novo. Cada golpe me arremessava em uma nova direção, sem me deixar tocar o chão, sem tempo para respirar, sem chance de pensar. Era como estar preso em um pesadelo acelerado.

    Meu corpo ardia. Cada pedaço da minha pele latejava como se estivesse pegando fogo. Os ossos pareciam estar se quebrando um a um, lentamente. Minha mente… estava à beira do colapso. A consciência vacilava, as pálpebras pesavam. Só tinha cinco anos. Eu era só uma criança.

    Isso… isso é demais.

    Kael era como uma força da natureza. Inalcançável. Imparável. E eu… só conseguia me perguntar se realmente era possível enfrentá-lo.

    — N-nunca vou conseguir… — murmurei, com a voz fraca, o coração pesado.

    Até poucos segundos atrás, eu acreditava. Achava que podia. Que com esforço, eu chegaria lá. Mas agora, tudo parecia inútil. Doloroso demais. Quase… mortal.

    Então um pensamento,ser forte parecia algo incrível quando eu apenas sonhava com isso. Quando via os outros lutando, vencendo, salvando… Mas agora, sentindo na pele o que era ser fraco, entendi de verdade.

    Força.

    Força é tudo neste mundo. Quem não a tem… não sobrevive.

    Os fracos não têm escolhas. Não têm liberdade. São protegidos pelos fortes — ou destruídos por eles. Nesses poucos anos que vivi neste novo mundo, já fui salvo por pessoas mais poderosas do que eu… mais vezes do que posso contar.

    E eu? Sempre dependendo dos outros.

    Mas tudo o que eu queria… tudo o que eu sempre quis… era ser forte.

    Se eu fosse forte, isso não estaria acontecendo. Se eu fosse forte, Kael me respeitaria. Se eu fosse forte… eu não estaria aqui, quebrado, quase desmaiando, desejando que a dor parasse.

    Mas talvez… seja justamente por isso que eu precise passar por isso.

    Porque só quem é esmagado pelo peso do mundo… aprende a se levantar com as próprias pernas.

    Mas então,senti quando o próximo chute atravessou meu corpo. Mas não como os anteriores.

    Dessa vez, senti meus ossos… se partindo. Um a um. O som era como vidro sendo esmagado sob um peso insuportável. As costelas se quebraram primeiro, seguidas pelo braço esquerdo, depois o direito. Minha perna cedeu no ar. O grito ficou preso na garganta, afogado na dor e no choque.

    E então, como se o próprio tempo tivesse parado, Kael desapareceu de novo.

    Eu continuei voando, sem controle, sem direção. Minha mente não conseguia acompanhar mais nada. O mundo girava, o ar cortava meu rosto, e eu não sabia se estava caindo ou subindo, vivo ou morrendo.

    Mas fui parado.

    Subitamente.

    Kael me agarrou pelo cabelo com força, interrompendo meu voo brutal. A dor foi instantânea, me puxando de volta à realidade. Com um movimento cruel, ele me lançou ao chão como se meu corpo não passasse de um saco vazio. O impacto rachou o solo sob mim. Uma onda de dor percorreu minha espinha e um soluço escapou sem controle.

    Ele me puxou de novo, ainda pelo cabelo, me forçando a ficar de joelhos, tremendo, gemendo. Meus braços pendiam ao lado do corpo, inúteis. Minha cabeça mal se sustentava. E então, ele me soltou, se afastando alguns metros.

    Fiquei ali, ajoelhado, a visão completamente turva, como se o mundo estivesse coberto por uma névoa quente e vermelha. Mal conseguia distinguir o chão da floresta ou o corpo de Kael à frente.

    Mas ouvi.

    Ouvi sua voz. Fria. Desapontada. Letal.

    — Se você não despertou até agora com tudo isso… talvez eu esteja errado sobre você. — sua voz cortava mais do que qualquer golpe — Talvez você não seja nada especial.

    Fiquei em silêncio, respirando com dificuldade, engasgando com o próprio sangue.

    — Se você não despertar no próximo golpe… — ele continuou, agora mais distante, como se falasse com alguém que já estava morto — Você vai morrer em segundos. Então… é melhor se provar especial.

    Despertar… ou morrer.

    Ouvi um som metálico.

    Shing!

    A lâmina saindo da bainha. O ar pareceu gelar ao redor.

    Forcei os olhos. Tudo tremia, borrado. Mas, entre as manchas e vultos, consegui ver a silhueta dele… Kael segurando uma espada com ambas as mãos, apontada para mim.

    Ele se preparava para me dar o golpe final.

    E, pela primeira vez… eu acreditei que ele realmente iria me matar.

    Então tudo ao meu redor começou a desacelerar.

    Como se o tempo, exausto de me ver lutar em vão, tivesse decidido me dar um segundo a mais.

    Um segundo de silêncio absoluto.

    Uma sensação estranha percorreu minha espinha, fria e ao mesmo tempo quente, vibrando como um sussurro antigo. Não consigo explicar bem… mas algo dentro de mim reconheceu isso.

    Seria a morte…?

    Ela parecia estar sentada ao meu lado, serena, respirando contra meu pescoço. Mas… não era um medo. Era familiar. Como se eu já tivesse sentido aquilo antes. Como se eu já tivesse estado em seus braços uma vez — ou várias. Mas agora era diferente.

    Mesmo sem enxergar, eu sentia tudo. Sentia Kael à minha frente, cada passo dele esmagando o chão. Cada batida do coração dele, cada fio de sua intenção assassina. O ar ao redor se tornava pesado, e junto com isso, algo começou a se acumular dentro de mim.

    Uma energia.

    Não era calor nem dor.

    Era… poder.

    Algo que me preenchia sem permissão. Que invadia cada célula do meu corpo, se fundia ao meu sangue, se misturava à minha alma.

    Mana…?

    Era a única explicação que fazia sentido. A energia desse mundo. A força que moldava a realidade. Não importava se eu queria ou não — ela vinha até mim, como se me reconhecesse, como se eu fosse um ímã inevitável.

    Kael se moveu. Avançou.

    Com tudo. Como um raio. A espada erguida, brilho frio refletindo nos olhos.

    Ele realmente ia me matar.

    Mas… eu não sentia mais medo. No meio do terror, havia uma estranha paz dentro de mim. Algo diferente. Algo que não vinha de fora. Não era esperança. Não era confiança.

    Era vontade.

    A mesma vontade que senti há pouco, quando pensei que nunca seria forte.

    A mesma que senti anos atrás, de não morre.

    A mesma que carregava em mim mesmo antes de nascer aqui.

    Mas agora… agora essa vontade mudou.

    Ela não era um grito de desespero. Era uma chama. Brilhante. Firme. E minha.

    Eu vou viver.

    Não por sorte. Não por piedade. Não por intervenção.

    Eu vou sobreviver… porque a minha força vai me permitir.

    E então…

    No exato momento em que a lâmina de Kael descia em direção ao meu pescoço — algo explodiu.

    Um estalo no ar.

    Uma onda invisível.

    E… uma barreira.

    Entre mim e a lâmina.

    Mana. Pura. Translúcida, vibrando como vidro recém-formado.

    A espada de Kael colidiu com ela, e o som ecoou como um trovão contido. Ele foi lançado alguns passos para trás, com os olhos arregalados.

    E então… comecei a sentir meus ossos se alinhando. Meus braços ganhando força. Meus pulmões se expandindo de novo. Meu coração batendo mais forte. Meus ferimentos se fechando, um por um. Quase instantaneamente. Como se o próprio mundo estivesse reconstruindo meu corpo do zero.

    E ali, ajoelhado, rodeado por fragmentos da dor que me moldaram, percebi:

    Eu havia despertado pela segunda vez.

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