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    Capítulo 062 – ‎A penitência da entidade!

    Aquele céu tinha um cinza perpetuamente triste, se fundia porcamente com a cor bege da planície morta.

    Os ecos das últimas batalhas criavam rastros no horizonte.

    O conflito havia reduzido naquele momento, mas a ameaça ainda pulsava no centro profano. A criatura deformada continuava firme, segurando aquela maldita orbe.

    O corpo estava completamente morto, mas a criatura em si não estava inerte.

    Mais atrás, cercados pela nova onda de mortos, Yelena, Claude e Kord travavam uma luta desengonçada e cheia de carnificina, estavam cansados, mas não derrotados, e seus soldados sentiam-se iguais.

    Assim que escutaram o grito do rei, ecoando por toda a planície. Recuaram na hora, sem hesitar. Mesmo sendo seguidos pelos cadáveres. Yelena disparava flechas enquanto recuava, ela vasculhava com olhos felinos pelos cantos, gritando para o batalhão todo recuar junto dela. Kord abria caminho com a sua espada longa e Claude estava mais atrás, usando seu escudo para evitar que os soldados fossem pegos pelas costas pelos mortos-vivos.

    Victoria e Dalila estavam um pouco atrás, assim que o trio começou a guiar o batalhão de volta ao acampamento com Celérius. As duas prontamente recuaram igual, porém, de súbito. A algoz encarou para trás e visualizou o rei ainda ao lado do arcano, ela arfava com seus cabelos desalinhados.

    — O que você continua fazendo aí? Vamos recuar! Foi o que o Bruxo disse! — gritou Dalila com desespero no olhar.

    — Eu mandei vocês recuarem, não eu. — respondeu Ayel sem virar seu rosto para a mulher de Maut Ka Mandir.

    Ela avançou um passo.

    — Então eu também não recuarei!

    Sem que isso pudesse lhe tirar mais tempo, Ayel girou seu corpo enquanto retirava a espada do solo, apontou para uma direção e logo após apontou para Dalila. Acabara chamando a atenção de um dos guardas reais que fugia, que assim que entendeu o recado, retornou até a algoz, segurando-a e jogando-a sob seu ombro como se fosse um saco de trigo. Forçando a mulher a recuar.

    — Me larga, maldito! — Ela protestava, balançando os braços e as pernas. — Ayel! Maldito ruivo teimoso!

    Mas já era tarde, a distância entre ela e a dupla que permaneceu lá aumentava rapidamente.

    O bárbaro mantinha-se firme como um guardião, ofegante. Suas mãos carregavam sangue seco e poeira, ele empurrava, atacava, dilacerava e chutava repetidamente a criatura que, vez por vez, continuava se erguendo, surgindo e invocando cada vez mais zumbis para proteger a relíquia mágica.

    A orbe volta e meia caia, era chutada e afastada, mas uma nova mão podre sempre surgia no momento mais oportuno, o rei estava exausto. Ainda precisava estar atento em caso de qualquer ataque, ou seria arranhado, mordido. Acabaria infectado e, diferente de um pouco mais cedo, já não havia mais nenhum clérigo naquela área para auxiliá-lo.

    Poucos passos dali, o Bruxo Negro desempenhava o seu papel, aproveitava da distração criada pelo rei e entrou em um estágio de completa meditação, em pé, ereto.

    Não era possível ver a sua expressão, mas sua respiração arfava gradativamente, se tornando um lamento ofegante audível. Suas mãos, erguidas até a frente do seu peitoral coberto pelo manto azulado, sustentavam uma esfera negra que parecia apenas um cisco, mas, expandia-se entre os dedos do arcano como se fosse feita de um vazio puro. Essa ínfima esfera negra crescia em uma lentidão tediosa, mas constante.

    — Quando quiser, Bruxo! — gritava Ayel, sentindo o tremer dos braços devido à exaustão, mas o arcano não respondia.

    Silêncio.

    A esfera negra criada pelo senhor de Nox expelia pequenos raios que crepitavam em um ódio quente. O ambiente aos poucos cedia a um calor anormal. O som que emanava daquela esfera energética era um agudo tão alto, um zumbido persistente, como se lâminas finíssimas e invisíveis girassem em uma velocidade tão absurda que não pudesse ser captada pelos olhos, expulsando qualquer outra existência sobre si, até mesmo a luz.

    Incontáveis minutos passaram em um torpor absoluto de tensão, no qual Bruxo permanecia calado e Ayel ainda enfrentava de forma inútil a orbe.

    Até que, em um grito que parecia inumano, quase como se uma divindade estivesse descendo aos céus e proclamando sua força, a voz do Bruxo Negro bradou em um eco junto de um trovão:

    — Unda Concussiōnis1!

    O mundo tremeu.

    O solo estalou em agonia assim que o arcano soltou a sua esfera negra e ela tocou no chão ressecado. No instante em que o mana adentrou no chão, tudo explodiu em uma onda de energia obscura que expandiu para todas as direções possíveis, rasgava o ar, arrebentava a crosta da planície como se nada fosse. Sugava a luz do fim de tarde, entregando um breu que originou o som de uma explosão.

    Abafado, como se houvesse um impacto tão intenso que abalou o tempo.

    Os zumbis emergentes, que ainda estavam andando por aí e os que estavam enterrados, foram todos reduzidos a pó. Em um piscar de olhos, todos os cadáveres se tornaram uma efêmera consciência, metamorfoseados em cinzas. O zumbi atual que segurava a orbe se dissolveu em pedaços diante da estúpida força do feiticeiro.

    Crateras.

    O solo cedeu em diversas partes, detritos e pedaços secos voaram dispersos como disparos no campo de batalha.

    Ayel estava próximo do morto-vivo que segurava a orbe, o impacto sobre o corpo do rei fora tanto que ele acabou arremessado. Lançado pelos céus como uma boneca de pano. Riscou o céu antes de colidir com violência contra uma certa formação rochosa, sangue real escorreu profundamente, tingindo o chão.

    A orbe quando sem um cadáver para se apoiar, caiu seca. Sem vida, sem reação, como se estivesse completamente amedrontada.

    A planície que regozijava com os grunhidos dos mortos, naquele momento, sussurrava em dor. O lamento silencioso de um arcano que obliterou quase toda a existência no raio das planícies de Katze.

    Ele se aproximara da orbe, ele não tocaria na mesma. Usou seu manto para envolvê-la e segurá-la com segurança… Buscou pelo corpo de Ayel, preocupado por não reparar seu rei tão perto, até encontrar o bárbaro não tão distante, sangrando. Erguendo-se enquanto tremia.

    O ruivo encarou o Bruxo Negro e sinalizou com a mão que estava bem.

    — Você é mesmo um monstro. — dissera o feiticeiro enquanto ria, andando em direção ao monarca para auxiliá-lo.


    Já havia passado algumas horas desde que a tropa inteira de Sihêon alcançou o acampamento, e, pouco depois que haviam chegado, escutaram e visualizaram parte da explosão de choque criada pelo arcano, então estavam preocupados.

    Boa parte dos soldados caiu inconsciente, seja por ferimentos ou exaustão, foram cobertos por mantas simples.

    Aqueles que ainda estavam despertos estavam aguardando os clérigos passarem pelas filas com suas mãos curativas.

    Celérius estava lá coordenando clérigos menores que coordenavam os noviços, ele estava com os olhos cansados, mas estava firme, ainda estava em pé, trabalhando arduamente. Sua túnica branca estava manchada com o sangue de diversos guerreiros.

    — Vamos, homens. — Ele chamava a atenção do clero antes que caísse no cansaço. — Estamos tratando o ferimento de todos que retornam, estamos purificando essa terra dessas criaturas malditas. Os cortes mais profundos deixarão marcas, os superficiais sumirão como poeira ao vento.

    — Posso ajudar de alguma forma?

    Dalila surgiu perto do clérigo loiro, ela estava sentada em uma maca improvisada feita de tábuas, quando se levantou sentiu uma dor próximo à costela. Sua respiração estava pesada, mas estava bem pior que isso, os clérigos haviam feito seu trabalho.

    O representante do templo ergueu uma sobrancelha, sem disfarçar o cansaço que ele carregava. A algoz parecia incomodada com a quietude ao seu redor.

    — Odeio ficar parada… — completara Dalila.

    — Tsc… Por ora, descanse. Lutaste pelo reino, menina e mereces ser tratada. — Celérius respondeu encarando o leste, de onde escutava alguma movimentação e as pessoas do acampamento abriam espaço.

    A noite começava a cair e, enquanto as tochas eram acesas naquele imenso acampamento, Ayel surgiu entre as fileiras das tendas, caminhando com bastante dificuldade. Ao seu lado, envolto em trevas, estava o Bruxo Negro, carregando um amontoado de tecidos onde estava escondida a orbe. Não era possível vê-la, mas todos ali sentiam a pressão profana da mesma.

    O corpo do tribal estava coberto de sangue e ele estava recheado de feridas graves e expostas, uma visão que fez cessar até mesmo as curas dos clérigos para com os outros aventureiros. Foi aterrador observar o rei dessa forma, todos se preocuparam imediatamente.

    O ruivo, entretanto, avançava sem pedir qualquer ajuda, andava ao lado do arcano enquanto os despertos se entreolhavam, sangue escorria lentamente dos lábios do Alvorada, tingindo rubro seu queixo. Ele cuspiu para o lado, como um estalo agressivo, jogando o líquido espesso e quente que manchou o chão.

    — Procurarei por Kassandra, meu senhor, por gentileza, trate de tratar os seus ferimentos. — Consolou Bruxo Negro, tocando no ombro de Ayel e se afastando pelo extenso acampamento, observando em quais das tendas a necromante poderia estar, para que pudesse finalmente entregá-la sua orbe.

    Os passos do bárbaro encerraram assim que ele aprofundou um pouco mais no local e visualizou Celérius e Dalila conversando, que pairavam seus olhos arregalados para o ruivo.

    — Boa noite, pessoal. — saudou o rei, ensanguentado e fraco, com os olhos perdendo o brilho.

    Ele caiu para frente. Sem força alguma.


    1. Em dialeto antigo arcano: Onda de Choque![]
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