Capítulo 148: Inferno à Vista! O Céu Também Tem Tanques de Guerra?
— Uh, que fedor! — Irina teve que gritar por causa do vento. O bafo quente de enxofre batia no rosto e fazia os olhos arderem.
— E ainda nem chegamos na parte ruim — respondeu Lírica.
Eles estavam presos aos tentáculos de Angélica, se balançando nos ares tóxicos do Inferno, enquanto a garotinha batia aquelas asas brancas, semelhantes a de pomba.
No alto, uma lua brilhante, de tons frios, algo entre o roxo e o azulado, e um mar de estrelas derramadas no negrume do céu.
Embaixo, colinas e vales se esparramavam sobre a superfície esverdeada.
— E que merda foi aquela? Não foi só eu que vi, né? Diz que não foi só eu que vi! — gritou Irina.
— Um Ophanim — respondeu Clara. Tinha um olhar entediado.
— Ophanim? Aquilo é tipo um anjo?
— Mais ou menos. Aquilo tá mais pra… um tanque de guerra do céu. Aquela coisa está cheia de anjos dentro.
— O poder destrutivo é gigantesco. — Lírica completou. — Um único disparo do Canhão Exotérmico pode destruir uma cidade inteira. Com algumas dezenas de disparos, um país inteiro se transformaria num monte de cinzas.
— Humpf! — Angélica deu de ombros e exibiu no rosto a expressão mais arrogante que conseguiu. — Não é páreo para as forças do Inferno!
Voaram durante bastante tempo.
Durante um momento da viagem, um Carniceiro se aproximou deles em pleno ar e voou ao lado, acompanhando-os.
O corpo do bicho devia ter quase dois metros de comprimento, e as asas eram gigantescas. O bico curvo e fino, parecia feito para rasgar carne, assim com suas garras ameaçadoras.
Renato sentiu um arrepio na espinha e se afastou o quanto pôde.
Irina permaneceu em silêncio, com os olhos arregalados, encarando aquela criatura de pesadelos.
Angélica gargalhou.
— Que foi, senhor humano? Tá com medo de um passarinho?
— É que eu tenho uma péssima lembrança desses bichos!
— Ah, eles são inofensivos! — Angélica riu, divertindo-se.
— Inofensivos nada! Um desses bichos tentou me comer!
O Carniceiro grasnou. Foi um som tão agudo que incomodava os ouvidos. E finalmente ganhou altura, se afastando.
— Que medo… — disse Irina.
Clara ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— Essa humana não está lidando com tudo isso de maneira muito natural? Ela não devia estar em pânico ou coisa assim?
Todos voltaram seus olhares para Irina, com o mesmo questionamento na cabeça.
— Oh, que medo! Meu Deus! — disse ela, num tom irônico. — Eu estou no Inferno! Socorro!
Renato coçou a cabeça.
— Irina sempre foi meio… peculiar.
— E eu já conheço o sobrenatural — completou ela, dando de ombros. — Já encontrei alguns monstros por aí.
Cruzando os ares, puderam contemplar aquele mundo do alto, como se estivessem num mirante móvel.
A geografia era estranhamente comum, e eles puderam testemunhar quando as colinas e vales deram lugar ao imenso cemitério que se estendia até onde a visão podia alcançar.
Infinitos túmulos que se ocultavam na névoa sombria.
O fogo-fátuo se erguia em bolas de luz ou pilares reluzentes até o céu.
O local inteiro estava infestado de Carniceiros. As aves voavam em bando. Encaravam o grupo por um tempo, mas logo perdiam o interesse. Às vezes, até brigavam entre si, trocando violentas bicadas e golpes das garras.
Depois cruzaram a grande Floresta Perdida. Renato pôde notar uma clareira com algumas cabanas de palha.
— Uma aldeia de orcs — disse Clara, ao perceber a curiosidade do garoto.
— Isso me traz lembranças. — Renato respondeu.
— Já esteve aqui antes? — Irina franziu o cenho.
— Sim… — respondeu ele, um tanto tímido.
— E por que não me contou?
— E o que eu diria? “Oi, mana, então… eu fui num rolê no Inferno semana passada”?
— E por que não, hein?!
Renato deu de ombros.
— Você não ia acreditar mesmo!
— E como você sabe? Talvez eu tivesse acreditado! Não pode guardar segredos da família, Rê! Os segredos se acumulam! Daqui a pouco você tá namorando e não conta pra ninguém!
Clara espirrou e depois riu.
— Ele já namora.
— O quê? Com quem?
— Comigo, é claro. — A súcubo tinha um sorriso sedutor. — Também com aquela garota gato ali, que está em silêncio a viagem inteira. E também aquelas duas puritanas que ficaram para trás. Quatro garotas! Ah, e não satisfeito, ele escolheu uma assassina em série pra ser amante dele! — Clara fez um olhar sombrio, como se estivesse julgando os atos de Renato.
Irina ficou chocada.
— Então meu irmão é um cafajeste?
— Aparentemente sim.
— Na verdade, eu não sou namorada dele — disse Lírica. — Sou noiva. Ele me pediu em casamento quando me deu um nome.
— Minha cabeça tá girando! — soluçou Irina.
O voo durou horas.
Sobrevoaram castelos feitos de pedra, de arquitetura extravagante, lagos luminosos feitos de lava e fumaça, cadeias de montanha que se erguiam em direção ao horizonte. Atravessaram nuvens de gases tóxicos com cheiro forte e todas as cores possíveis.
Até que finalmente se aproximaram de Pandemonium, a capital do Inferno.
Não era tão diferente de uma cidade da Terra. Havia casas, prédios e ruas estreitas que pareciam seguir por direções aleatórias. No entanto, algo parecia fora do lugar. Desencaixado.
Havia um rio de águas turvas, cujas águas corriam tranquilas, e que passava uma sensação de esconder algum tipo de monstro em seu leito.
Uma névoa sombria envolvia a cidade feito um manto de escuridão.
E finalmente viram o grande castelo, com suas pontas de pedra entre as ameias, como se fossem lanças apontando para o Céu.
E diante da entrada, uma multidão de criaturas: demônios com chifres retorcidos e asas negras; orcs gigantes, com suas presas protuberantes saindo da boca, balançando espadas e clavas; e variados tipos de monstros que Renato não sabia o nome.
Havia uma elevação de pedra na frente das criaturas, como uma plataforma, onde alguns demônios estavam. Renato reconheceu Baalat, Belfegor e o reitor Fênix, mas havia outros, e até alguns soldados com suas espadas na cintura.
Angélica posou sobre a plataforma e recolheu as asas, e finalmente desenrolou os visitantes de seus tentáculos.
Baalat se aproximou.
— Achei que traria apenas aquele humano, mas trouxe o canil inteiro.
Angélica gargalhou, não se importando com as palavras da irmã.
— Seria maldade separar os bichinhos que vivem juntos. Eles choram de saudade, sabia?
Baalat deu de ombros, achando toda a questão de pouca importância.
— Além disso — Angélica continuou —, aquela ali sabe fazer brigadeiros!
— Brigadeiros? — Baalat franziu o cenho.
— Sim! São incríveis! Os melhores brigadeiros do mundo! Você vai ver!
Clara não pôde evitar de rir ao imaginar a enrascada que Irina tinha se metido.
— Que seja — disse Baalat. — Só não quero que eles façam muita sujeira pelo castelo. Mantenha-os na coleira.
— Humano! Humano! Lembra da gente?!
Quando olharam na direção da voz, viram os dois diabinhos subindo na plataforma.
Os dois aparentavam ter cerca de 7 anos. Um tinha a pele completamente vermelha; e o outro, azul.
Um único chifre se destacava nas testas.
Alguns guardas tentaram pará-los, mas eles os driblaram com agilidade e correram até Renato.
Os guardas tentaram segui-los, mas receberam o olhar de repressão de Angélica e simplesmente abaixaram a cabeça.
— Humano! Eu sabia que estaria vivo! — disse o de pele azul.
— Eu, por outro lado, pensei que estivesse morto! — complementou o vermelho.
— Assistimos a sua luta nas Areias da Segunda Morte! Quando eu falei que te conhecia para os outros, eles não acreditaram e zombaram de mim! Diga a eles, humano! Eu assisti seu treinamento com o Kazov!
— Er… — Renato ficou um tanto atônito. — Vocês estavam mesmo lá. Eu me lembro.
— Tomem essa, seus invejosos! Eu e o humano somos amigos! — gritou o azul. — Toma essa, Freed!
— O senhor poderia autografar meu boneco de voodoo? — O vermelho tirou do bolso um boneco de palha, que tinha a boca costurada e olhos de botões, e era tão feio que nem mesmo as moscas chegariam perto.
— Autografa o meu também? — O azul mostrou seu próprio boneco, e esse era tão feio que poderia sofrer bullying do primeiro.
— Hum… certo — respondeu Renato. — Mas isso não vai me amaldiçoar não, né?
— Ah, não! — riu o azul. — Isso é só um brinquedo que a gente ganhou na escola. É incapaz de fazer maldições.
O garoto, meio desconfiado, olhou para Clara e depois para Angélica, e elas pareciam pouco preocupadas com a situação. Então ele tentou pensar em alguma coisa legal para escrever, mas tudo o que pôde pensar foi: “Sejam bons meninos. De seu amigo de sempre, Renato Yakekan”.
Mesmo Renato pensando ter sido um autógrafo bem medíocre, os diabinhos saíram saltitantes de alegria.
— Somos seus fãs, humano! Vença mais lutas! Estaremos torcendo por você!
Irina estava tão incrédula que nem sabia como expressar em palavras.
Angélica gargalhou.
— Eu consegui um bichinho realmente muito legal. Ele até tem fãs!
— O Renato tem fãs no Inferno?
— Muitos — respondeu Baalat. — Principalmente entre as crianças e os demônios de baixa classe. Mas onde ele tem muitos fãs mesmo é nas Prisões Subterrâneas de Enxofre.
Irina suspirou.
— Acho que tinha alguma coisa na minha bebida, e na verdade eu tô é muito chapada, alucinando com tudo isso.
— Então esse foi o humano que lutou a Tercina? Não me parece grande coisa! — gritou alguém do meio da multidão. Era uma voz grave, rouca e falhada, como a de um fumante de Derby com muitos anos de vício.
Os demônios e monstros abriram um espaço na multidão, e finalmente puderam ver quem falava: um Orc de mais ou menos dois metros e meio de altura. Usava uma armadura pesada e brilhante, que protegia quase o corpo inteiro. Trazia, presa à cintura, uma clava de ferro enferrujada cheia de espinhos.
Ele apontou a clava na direção de Renato.
— Eu desafio esse macaco de barro para um duelo!
Os outros Orcs ficaram eufóricos. Gritavam palavrões para Renato, e diziam que ele seria comido vivo, e que seria partido ao meio.
— Hoho! — Angélica sorriu, de maneira soberba. — Você tem muita coragem! Desafiar meu bichinho assim… deve estar preparado para a morte! Ele vai acabar com você!
— Perai… você vai aceitar a provocação? — Renato ergueu uma sobrancelha. — Vai me fazer lutar com aquele monstro?
— Qual é, Renato? É só um Orc — disse Clara. — Você já enfrentou esses bichos antes. Tá com medinho?
— Renato ficar com medo assim… não é normal — apontou Lírica.
— Não me diga que vai amarelar, irmãozinho? — questionou Irina. — Vai me envergonhar pro Inferno inteiro? Acaba com esse monstrengo metido a besta!
Renato riu.
— Ai, ai, vocês só estão falando isso porque não é o de vocês que tá na reta! Mas… fazer o que, né? Vamos lá. Vamos deitar esse bicho no soco.
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