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     Aquela luz… ainda pulsava em minha mente. Azul, intensa, quase viva: como se tivesse me encarado de volta, mesmo sem olhos. Eu podia jurar que senti a água ao meu redor estremecer, como se algo estivesse se movendo lá embaixo. Algo antigo. Algo que não devia estar acordado.

     Saí da água ofegante, o sal ardendo nos olhos e nos lábios, mas com a consciência firme no que havia visto. O senhor que eu salvei me agradeceu com uma mistura de lágrimas e risos nervosos, ainda tentando recuperar o fôlego enquanto era puxado de volta para o píer. Não respondi com muito mais que um aceno e um breve sorriso… minha mente ainda estava nas profundezas.

    — Você tá bem? — Selene perguntou, já se aproximando com um olhar atento. — Isso foi… arriscado.

    — Eu não tive escolha. — Falei, ainda sentindo o gosto salgado na boca. — Não havia tempo pra pensar. Alguém precisava agir.

    Ela suspirou, cruzando os braços.

    — Impulsiva, mas eficaz. Só tenta não fazer disso um hábito.

    Me virei, ainda com os pés na água, e apontei para o mar.

    — Tem algo lá embaixo. Eu vi… algo. Uma luz azul, forte. Como se… de alguma forma chamasse.

    Selene estreitou os olhos, e por um segundo seu semblante ficou mais sério.

    — Pode ser uma Torre recém-nascida. Essas coisas emitem uma energia absurda quando aparecem, e mexem com o fluxo natural do lugar. Se for isso, pode explicar o tremor e as ondas.

     Rose, que até então estava só ouvindo, inclinou levemente a cabeça, os olhos atentos. Ela não disse nada, mas um sorrisinho apareceu no canto de sua boca. Ela parecia gostar da ideia.

    — E o que a gente faz com essa informação? — perguntei, secando o rosto com a barra da blusa.

    — Tamos que relatar. Há um lugar específico para esse tipo de coisa. — Selene respondeu enquanto já recolhia as coisas. — Mas é mais fácil te mostrar do que explicar.

     Seguimos pelas ruas movimentadas de Nautiloria, os pés ainda úmidos da água salgada e o cheiro da maresia misturado com o de frutas doces vindo das barracas de mercado. A cidade era viva, mas diferente de Rivendrias. Aqui tudo parecia mais limpo, mais organizado… e mais vigiado. Guardas com vestes azuis e detalhes dourados caminhavam em duplas, sempre atentos.

     Ao chegarmos ao centro, a movimentação era diferente. Uma praça ampla, repleta de árvores curvas de folhas esverdeadas com tons azulados, cercava o que parecia ser o coração do lugar: um edifício alto, com três andares e colunas esculpidas com símbolos que lembravam redemoinhos e ondas. O prédio se destacava tanto pela imponência quanto pelo design: a fachada era de pedra clara com detalhes azul-marinho e janelas largas em formato de gotas. Acima da entrada principal, um emblema girava lentamente com a ajuda de magia: um redemoinho cercado por três espadas cruzadas.

    — Bem-vinda à Guilda do Redemoinho Celeste. — Selene disse, com um tom quase irônico.

     O interior era ainda mais surpreendente. Um amplo saguão de teto alto, com grandes luminárias mágicas pendendo como gotas de água suspensas no ar. Paredes cheias de quadros e avisos, mapas detalhados de toda a região, registros de missões abertas e concluídas. Ao fundo, um enorme balcão semicircular onde chromagos e recepcionistas atendiam os aventureiros.

     Por toda parte, havia pessoas diferentes: um grupo ruidoso de jovens discutia ao redor de uma mesa sobre qual local explorariam no dia seguinte; uma mulher alta de armadura prateada analisava um mapa com um grupo mais silencioso; dois anciões trocavam experiências enquanto afiavam espadas sentados em bancos de madeira.

    Era um caos… organizado. Cheio de vida. E eu nunca tinha visto nada parecido.

    — Isso tudo… é a guilda? — perguntei, ainda olhando ao redor com os olhos arregalados.

    — É aqui que se registra qualquer anomalia mágica. É aqui que se formam grupos de exploração. É aqui que os nomes viram lendas — disse Selene, abrindo caminho entre os aventureiros. — E se aquela caverna for realmente uma Torre, não vai demorar muito pra virar o assunto principal daqui.

     E naquele instante, enquanto o emblema girava lentamente sobre minha cabeça e eu sentia a energia vibrando dentro daquele lugar… algo dentro de mim mudou. Como se, pela primeira vez, eu tivesse colocado os pés em um mundo que até então só tinha observado de longe.

    E eu mal podia esperar para descobrir o que mais ele escondia.

     Selene caminhou até o balcão principal com passos decididos, seu manto ainda úmido pela maresia da praia balançando levemente atrás de si. Atrás do balcão, uma jovem de cabelos castanhos presos em um coque elegante organizava papéis e atendia um aventureiro com a paciência de quem já viu de tudo naquele lugar. Quando notou Selene se aproximando, ergueu os olhos com uma expressão cortês.

    — Em que posso ajudar?

    — Preciso falar com a líder da guilda. Assunto urgente. — Selene respondeu, já inclinando-se levemente sobre o balcão.

    A recepcionista arqueou uma sobrancelha.

    — A líder não atende qualquer um de surpresa. Se quiser uma audiência, terei que registrar a solicitação, confirmar sua identidade e aguardar aprovação. São os protocolos.

    Selene suspirou, começando a vasculhar seus pertences com impaciência. Vasculhou bolsos internos, cintos escondidos e até uma pequena bolsa que levava presa à lateral da coxa.

    — Onde está aquela porcaria quando eu preciso dela… — murmurou, bufando entre as tentativas frustradas.

     Observei a cena, sem entender muito bem o que estava acontecendo. Selene parecia um pouco… inquieta?

     Após quase um minuto revirando cada centímetro de seu manto, ela finalmente soltou um “Ahá!” e puxou um pequeno cartão metálico. Seu brilho era hipnotizante, refletindo diversas cores à medida que a luz mágica do salão incidia sobre ele: como uma aurora condensada em metal.

    — Isso deve bastar. — disse Selene, erguendo o cartão na direção da recepcionista.

    A jovem engoliu em seco ao vê-lo. Seus olhos se arregalaram por um breve segundo, antes que se recompusesse e se levantasse rapidamente da cadeira.

    — Um momento! Irei informar a líder imediatamente. — disse, quase tropeçando em suas próprias palavras ao se retirar às pressas pelos corredores do fundo.

    Pisquei, confusa.

    — Que foi isso? O que tem nesse cartão?

    — Explicarei isso depois. — Selene disse, cruzando os braços com um pequeno sorriso no rosto. — Digamos que… abre algumas portas.

    Não demorou muito até que uma das portas duplas no fundo do salão se abrisse com um rangido firme. De lá surgiu uma figura que chamou atenção de todos no saguão.

     Uma mulher de postura firme, alta, com longos cabelos azul celeste que caíam como ondas sobre os ombros. Seu chapéu: largo, elegante, adornado com penas e metais lembrava o de um capitão marinho de histórias antigas. Suas roupas eram bordadas e elegantes: uma jaqueta escura com detalhes dourados, calças ajustadas e botas de cano alto. Em sua cintura, preso a um cinto de couro decorado com pequenos frascos de vidro, repousava um alfange de lâmina curva cravejado com safiras que cintilavam sob a luz ambiente.

    Ela caminhou com confiança até o balcão, seus olhos firmes fixos em Selene.

    — O que veio fazer aqui, Selene? — perguntou, a voz grave e firme, como o som de uma onda batendo contra as pedras.

    — E isso lá é jeito de receber uma velha amiga, Aqua? — disse Selene com um sorriso torto.

    A mulher sorriu levemente, e sua postura rígida relaxou por um breve instante.

    — Hah… entra. — respondeu, virando-se de volta para sua sala sem esperar outra palavra.

    — Esperem aqui. Não deve demorar. — Selene nos disse, antes de desaparecer atrás da porta com a líder da guilda.

    Enquanto esperávamos, o saguão da guilda voltou ao seu ritmo natural. A maioria parecia acostumada com figuras estranhas surgindo de repente, mas a presença de Selene ainda havia deixado alguns murmúrios pelo ar.

    Foi então que o silêncio foi quebrado por um grupo animado que surgia do lado oposto da sala.

    — Eu disse que a missão ia render! — exclamou uma garota de cabelo amarelo vibrante, presos em uma trança lateral. Carregava um arco esguio nas costas e tinha olhos dourados que pareciam brilhar com orgulho.

    — Só porque eu derrubei aquele bicho antes de ele alcançar vocês. — Retrucou o rapaz ao lado dela, forte, de cabelos vermelhos espetados e um machado apoiado no ombro. — Sem mim, teriam virado comida de corvinos azuis gigantes.

    — Exagerado. — disse o terceiro, mais calmo, de cabelos verde-escuros e olhos semicerrados. Seu traje era mais refinado, com vestes longas: uma túnica de tons verdes e uma espada mágica que carregava nas costas. — A gente teve sorte. Só isso.

    Observei o trio com curiosidade, principalmente o último; havia algo na forma como ele sentia o ambiente, como se pudesse ler as correntes de energia ao redor.

    O grupo se aproximou de um quadro de missões, e a garota arqueira lançou um olhar direto para mim.

    — Você é nova aqui, né? — perguntou, com um sorriso cheio de confiança. — Tá procurando grupo ou veio só olhar o lugar?

    — Uh… na verdade, só acompanhando alguém. — respondi, um pouco pega de surpresa.

    — Cuidado, então. — disse o rapaz do machado, rindo. — Aqui dentro o mais perigoso nem sempre é o monstro.

    Antes que mais alguma conversa se desenrolasse, a porta da sala da líder se abriu com força.

    Aqua surgiu imponente, com os olhos faiscando e a voz firme como um trovão.

    — Atenção, membros da Guilda do Redemoinho Celeste! — anunciou, e todas as conversas cessaram.

    — Uma Torre do Abismo nasceu nas proximidades de Nautiloria! E nós… seremos os primeiros a desbravá-la!

     Um silêncio momentâneo se instaurou, seguido por uma explosão de reações: suspiros, gritos animados, olhares sérios. Fiquei parada no meio de tudo aquilo, sentindo um arrepio percorrer minha espinha. A luz azul… A energia… A caverna no fundo do mar.

    Eu soube, naquele instante, que aquilo não era coincidência. Mesmo sem saber completamente o que estava acontecendo, uma coisa era certa… uma Torre do Abismo havia despertado… e isso mudaria o destino das pessoas que estão aqui de maneiras imprevisíveis.

    Fim do capítulo 23: A Guilda do Redemoinho Celeste.

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