Índice de Capítulo

    O uivo era estridente e ensurdecedor. Tanto o druida quanto Lavignia acabaram forçando suas mãos contra suas orelhas, devido ao fato de ainda serem humanos. Então, veio o som: uma única nota, profunda, vibrante, como o toque de um sino de guerra ecoando pela Selva de Concreto.

    Foi quando as outras árvores resolveram responder.

    Todos os Salgueiros Sanguinários nas proximidades acordaram, emitindo suas vinhas violentamente em direção aos sulfurizados, como serpentes famintas. Como eram incapazes de reconhecer a árvore como ameaça, mal perceberam quando seus corpos começaram a serem envoltos pelos cipós e seus corpos sendo arrastados brutalmente em direção ao tronco.

    — Que…O QUE ESTÁ ACONTECENDO? Quem desvirtuou a Colonizadora? — questionou o druida, horrorizado pelo que estava acontecendo. — Reajam! Lutem contra as árvores! É uma ordem!

    Porém, ela tinha sido dada tarde demais. Ali, os Salgueiros revelaram sua verdadeira natureza. Fendas se abriram no meio dos seus troncos negros, como se fossem bocas famintas. Dentes de madeira serrilhados e viscosos, negros como o piche, despontaram de dentro das cascas vivas. A pele resistente dos sulfurizados não resistiu a pressão poderosa que aqueles troncos emitiam. Quando começaram a reagir, seus corpos já estavam sendo esmagados.

    Como se não fosse o suficiente, o druida percebeu que as vinhas estavam alvejando diretamente os sulfurizados, ignorando completamente o emissário ali no meio. Atônito, recuou dois passos. A sua única vantagem contra qualquer coisa que habitasse naquele lugar era o domínio da natureza, mas até isso tinha acabado de perder.

    — H-Hinoka! Proteja minha retaguarda, preciso me restabelecer!

    A garota pensou em responder algo, mas sua perna tinha acabado de ser enlaçada por uma das árvores.

    — Mestre! Fuja! — gritou ela, enquanto era arrastada.

    O emissário aproveitou a situação para recuperar suas forças e puxar seu braço do domínio dos sulfurizados. Antes que ambos pudessem reagir, Huan Shen rolou para trás, deixando-os completamente vulneráveis para as vinhas agarrá-los e submetê-los aos seus sistemas digestivos.

    “Então esse era o poderoso exército que iria acabar com a civilização?”

    De repente, as coisas começaram a fazer sentido na cabeça do emissário. As vinhas voavam em sua direção, mas ao chegar perto o bastante, o ignoravam e procuravam outro alvo. Elas não o identificavam como um sulfurizado, mas sim outro salgueiro.

    — Foi o chá…aquela bruxa já tinha tudo isso planejado desde o início!

    Ao ver que o druida estava adentrando Selva adentro, percebeu que não podia deixá-lo escapar. Ao olhar seus arredores, quase todos os sulfurizados já tinham sido devorados pelas árvores antigas da Selva de Concreto. Um fim desonroso para uma aberração. Nada mais justo.

    Huan Shen correu na direção da Lavignia, que ao ver aquela figura branca e enorme se aproximando, abraçou o corpo da Lily e fechou os olhos, esperando o pior. Então, ele reduziu a velocidade e se agachou perto dela.

    — Lavignia! Sou eu, Huan Shen — disse em um tom brando, mas com um pingo de urgência devido a situação.

    A garota abriu os olhos, confusa.

    — H-Huan Shen? O-o que aconteceu com você? — perguntou, com a voz fraca.

    — Eu meio que morri, mas sobrevivi também. Confuso, né? Também achei — respondeu.

    O breve alívio em ver alguém que supostamente não queria matá-la foi substituído pela aflição quando se lembrou do destino da sua amiga.

    —  Por favor, ajude-a! Você tem alguma coisa que faça esse sangramento parar? Qualquer coisa, por favor!

    O emissário parou para olhar com mais cuidado, mas a pressão de ter que correr atrás do druida também gritava em seu ouvido. Se ele o perdesse, poderia planejar sua vingança e fazer algo muito pior.

    “Merda! O que eu faço? Não dá pra deixar aquele puto fugir!”

    Então, seu sexto sentido atacou novamente. Uma sensação de perigo iminente, imediata e destrutiva ecoava em sua cabeça. Em um puro ato de reflexo, seu braço esquerdo envolveu o corpo de Lavignia, enquanto sua mão direita cerrou o punho e se movimentou para o alto, como se estivesse erguendo um escudo. No mesmo instante, o ar condensou próximo ao seu braço esquerdo e formou uma poderosa barreira congelada.

    No segundo que ficou pronta, uma esfera flamejante atingiu sua superfície com uma força avassaladora, imediatamente destruindo suas camadas e reduzindo a estilhaços. Se o emissário tivesse agido alguns milésimos de segundos mais tarde, estaria gravemente ferido, teria perdido um braço e Lavignia estaria morta também.

    — Eu já disse que odeio o quanto você é persistente? — disse Huan Shen, enquanto se levantava.

    Do outro lado, Hinoka se aproximava cautelosamente, com suas mãos envoltas em chamas.

    — Eu sabia que aqueles três eram imbecis completos. Mas tudo bem, não importa o que você tenha ganhado, eu só preciso arrancar seu coração novamente. Dessa vez eu vou incinerar seu cadáver até não sobrar nada.

    Inerte as provocações da sua oponente, o emissário olhou diretamente nos olhos de Lavignia, enquanto suas mãos frias pendiam sobre seus ombros:

    — Pegue a Lily e corra até a Colonizadora. Eu vou cuidar das coisas por aqui.

    Os olhos da garota penderam para a mulher em chamas e com um semblante ameaçador atrás dos dois. Seu corpo tremeu, enquanto seu corpo congelava com o medo da ameaça iminente.

    — Lavignia! Me escuta — disse Huan Shen, retomando a atenção dela para si. — Se você não for agora, não poderei garantir sua segurança! Eu prometo: você vai voltar viva para casa! Agora vá!

    Aquelas palavras ecoaram dentro da sua cabeça. Não era a coisa mais confortável que poderia ter, mas era tudo que tinha naquele momento. Com um aceno de cabeça, envolveu o corpo da sua amiga nos braços e correu na direção da árvore.

    Os olhos de Hinoka semicerraram quando percebeu a garota se movimentando para longe dali. Os desgraçados tiveram todo esse tempo para debater e acreditavam fielmente que mandá-la para longe faria alguma diferença contra seus poderes. Aquilo era algo que a sulfurizada não poderia tolerar.

    — Patético! — murmurou Hinoka, estendendo sua mão na direção da garota.

    Seus dedos começaram a produzir um calor intenso, convergindo na palma da sua mão e formando uma esfera de chamas. As fagulhas davam um contraste à escuridão na Selva de Concreto.

    De repente, uma sensação de perigo ativou todos os instintos de proteção do seu corpo. Seu braço recolheu e seu corpo saltou para trás, esquivando por muito pouco de um pilar afiado que se estendeu do solo. Sua estrutura vítrea, emanando uma névoa fria e com uma aparência tão sólida quanto o aço. Foi então que os lapsos de memória, quando enfrentou o emissário no acampamento pela primeira vez, começaram a ocupar sua mente.

    — Eu só quero que saiba que eu não sou do tipo que guarda ressentimentos. Eu não estou bravo, nem quero vingança por você ter arrancado meu coração. Isso até mesmo me fez colocar muitos pensamentos em perspectiva, reorganizar minhas prioridades. Se você baixar seus braços e simplesmente ir em direção a Selva de Concreto e nunca mais aparecer na minha frente, podemos evitar esse conflito.

    Aquilo fez o sangue negro no corpo dela começar a ferver. Antes, ela só pensava em brincar um pouco com ele antes de fazê-lo implorar pela morte, mas agora iria com força total. Ele iria aprender na marra a diferença de nível entre os dois.

    Suas veias douradas começaram a se tornarem vermelhas, numa tonalidade incandescente. Seus olhos estavam brilhando como o aço superaquecido e o suor dos seus dedos pingavam no solo, queimando as folhas nas proximidades.

    — Então isso é um não? — questionou Huan Shen.

    Cerrando os punhos, Hinoka esboçou um sorriso em seu rosto.

    — Você vai implorar por uma morte rápida quando eu arrancar-

    No meio da sua sentença, o emissário diminuiu a distância entre os dois com um salto poderoso, deixando uma trilha de névoa pelo caminho. Quando ela percebeu o quão próximo estava, só teve tempo para empurrar seu corpo para trás novamente. A arrogância em seus olhos tinha se tornado cautela mais uma vez.

    O punho de Huan Shen encostou no solo, deixando uma marca profunda na terra. Vendo que não teria outras oportunidades, Hinoka avançou contra o mesmo com uma joelhada na direção do seu rosto. Usando suas chamas como propulsão, sua velocidade foi dobrada em relação ao seu último combate.

    Mas isso não importava muita coisa para o emissário. Seu punho esquerdo ergueu com a mesma velocidade, bloqueando o golpe iminente da mulher ao agarrar seu joelho. Seus dedos imediatamente começaram a infundir frio na região, gerando uma densa fumaça no contato.

    — Que porra? — reclamou Hinoka, tentando puxar seu membro preso.

    Para sua infelicidade, a força do seu oponente estava muito além do que poderia lidar. Todos aqueles músculos não eram apenas para exibição. Huan Shen usou sua mão direita, a agarrou pela camisa rasgada e a ergueu como se fosse uma sacola. Antes mesmo que Hinoka pudesse processar o que estava acontecendo, seu corpo estava sendo arremessado com uma força brutal na direção das árvores.

    Seu corpo se chocou contra o tronco, partindo sua coluna vertebral em dez partes diferentes. Se pudesse sentir dor, tinha certeza que teria apagado naquele momento. Ao cair no chão, sentiu toda sua moral sair do seu corpo. Seus dedos se aprofundaram no solo, tentando arrastar seu corpo para o mais longe possível. Demoraria um pouco até sua espinha se reconstruir mais uma vez.

    — C-como esse desgraçado é tão forte? — murmurou ela, cuspindo seu sangue negro no solo.

    Mais uma vez, a vida mostrou para Hinoka que o mundo era bem maior e mais cruel do que imaginava. E quando Huan Shen parou mais uma vez na sua frente, olhando-a de cima como se fosse um animal indefeso numa armadilha. Das suas mãos enevoadas, gelo começou a se formar mais uma vez, dessa vez no formato de uma lança tão longa quanto sua estatura.

    — I-Isso não v-vai ficar assim — disse Hinoka, com um sorriso lamentável no rosto. — Eu vou me vingar mais uma vez!

    O emissário apenas fez um sinal negativo com a cabeça, antes de erguer a lança e cravá-la no pescoço de Hinoka. O frio se espalhou através do seu corpo, congelando todos os tecidos na região, junto com o sangue negro. O gelo se expandiu, destruindo qualquer possibilidade de regeneração possível para ela.

    — Um obstáculo a menos, hora de dar um fim naquele druida de merda!

    Nota do autor: Eu sei que provavelmente vocês queriam uma luta muito foda contra a Hinoka, mas ela estava muito abaixo do nível dele. Não consegui pensar numa forma disso funcionar sem no mínimo estender o combate desnecessariamente ou enfraquecer o protagonista. E vamos combinar que Huan Shen já teve sua cota de nerfs.

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