Capítulo 03 - Mestre Maluco (3)
Isabella se aproximou da janela e puxou as cortinas, deixando um raio de luz iluminar o quarto. Quando abriu a janela, o ar fresco invadiu o ambiente, e só então Paula conseguiu respirar.
Em frente à janela, havia uma cama num canto onde a luz não alcançava. E, sobre ela, os lençóis estavam amassados, formando um monte desordenado. Um braço despontava de dentro do emaranhado de tecido, confirmando que ali havia uma pessoa.
Isabella caminhou até a cama. O lençol se agitou, e a figura recuou. Não havia para onde escapar.
“O senhor está acordado?”
“… saiam.”
Uma voz rouca e carregada de raiva respondeu. Isabella juntou as mãos com polidez e continuou:
“Vou trazer o jantar. Preparei algo leve, então, por favor, coma tudo pensando na sua saúde.”
“Saiam!”
O vulto enrolado nos lençóis se moveu rápido e arremessou o vaso que estava na mesa de cabeceira. Isabella desviou levemente a cabeça, e o vaso passou raspando por ela antes de se espatifar no chão.
Paula abriu a boca diante da cena chocante, mas Isabella permaneceu impassível.
“Trarei um vaso novo.”
“Não quero. Não venham.”
“E trouxe a jovem que servirá o senhor a partir de agora.”
Isabella olhou para Paula, que até então permanecera parada perto da porta. A governanta observou a expressão atônita no rosto da garota e então a puxou para perto.
O homem na cama era maior do que ela havia imaginado. Um adulto, não uma criança. Mesmo com o rosto completamente coberto, ela deduziu isso pela voz que tinha ouvido e pelo vulto que viu de relance.
“Muito prazer, senhor.”
“Ela cuidará do senhor de agora em diante. Se precisar de algo, peça a ela, e será providenciado imediatamente.”
“Conto com sua colaboração.”
Paula juntou as mãos sobre o ventre e fez uma reverência. Mas a única resposta foi:
“Saiam.”
E, dessa vez, ainda mais áspera.
Ela olhou para Isabella, os ombros tremendo levemente. A governanta, porém, prosseguiu como se nada tivesse acontecido.
“Trarei o jantar.”
Isabella virou-se para a porta. Seu passo era firme, igual ao de quando entraram. Paula já se preparava para segui-la, impressionada com a frieza de Isabella, quando—
De repente, os dedos do homem se moveram, tateando até encontrar uma faca sobre o prato na mesa de cabeceira.
“Cuidado, o senhor pode se machucar!”
Ela quase agarrou sua mão, mas, na pressa, nem olhou para baixo.
Seu pé escorregou no lençol que arrastava pelo chão. De repente, seu mundo virou de cabeça para baixo.
‘O quê?!’
Parecia que uma mão se agitando no ar agarrou algo.
Algo a atingiu enquanto caía para trás. Antes mesmo de sentir a dor da cabeça batendo no chão, um peso a esmagou contra o solo.
Ela cerrou os olhos, língua para fora.
“Senhor!”
Ao ouvir a voz urgente de Isabella, Paula percebeu que quem a havia atacado fora o próprio mestre, Vincent.
Abriu os olhos, surpresa. Um rosto estava a centímetros do seu.
Sobrancelhas escuras, olhos verdes como esmeraldas sob elas, nariz afiado, lábios grossos e marcantes—um rosto tão bonito que faria qualquer um olhar duas vezes. Ela não pôde evitar um suspiro engasgado.
Mas algo estava estranho. Vincent parecia tão surpreso quanto ela, mas seus olhos vagueavam sem foco, como se procurasse algo.
Não, observando melhor, havia algo estranho na cor de seus olhos. Um vazio.
Suas mãos se aproximaram do rosto dela. Quando a ponta de seus dedos longos tocou o cabelo que caía sobre seu rosto, ela, assustada, o empurrou. Só então percebeu o que fizera.
Vincent caiu para trás e começou a tatear o chão, seus movimentos desesperados.
Percebendo a estranheza, Isabella ajudou Vincent enquanto Paula franzia os olhos. Ele agarrou o braço da governanta, que o levantou às pressas. Mesmo assim, seu rosto continuava a se virar, como se buscasse algo.
“Os olhos…”
Como um cego.
Seu rosto, que se movia rápido, parou subitamente. Isabella lançou a Paula um olhar fulminante. Só então a garota percebeu que soltara a palavra em voz alta.
Antes que pudesse dizer mais nada, a expressão de Vincent se tornou sombria. Ele soltou um rugido e começou a arremessar tudo o que alcançava em suas mãos contra ela.
CRASH!
BANG! BANG!
Paula ficou à mercê dos ataques. Tentou se proteger com os braços, mas foi inútil. Isabella, que apareceu ao seu lado num instante, agarrou seu antebraço e a puxou para cima. Como se conhecesse bem aquela situação, a governanta nem pestanejou, e Paula a seguiu, aterrorizada.
Só quando Isabella fechou a porta atrás delas o tumulto cessou. Paula segurou o peito, onde o coração batia descompassado. Aquele coração, que raramente se abalava, agora acelerava como nunca.
“Ele é extremamente sensível. Tenha cuidado daqui para frente. Especialmente com suas palavras.”
“… s-sim.”
Isabella virou as costas sem mais explicações. Paula suspirou ao vê-la se afastar. Tinha a sensação de que sua vida dali em diante não seria nada fácil.
E, naquele dia, Paula encerrou suas atividades recolhendo a comida que Vincent derrubara. Seu quarto ficava ao lado do dele—normalmente, empregados e patrões ficavam em andares separados, mas ela precisava estar próxima para atendê-lo a qualquer momento.
Droga.
Ainda assim, pela primeira vez na vida, ela dormiu numa cama macia, com cobertas limpas. Acordou no meio da noite com um barulho estranho, mas, no geral, foi uma noite satisfatória.
No dia seguinte, arrumada e com o café da manhã nas mãos, levou um travesseiro na cara.
Vincent Bellunita.
O homem a quem eu devo servir.
Filho único da prestigiada Condessa de Bellunita, ele chamou atenção desde a infância por sua beleza e habilidades excepcionais. Além disso, o Conde e a Condessa eram pessoas admiráveis, formando uma família harmoniosa e invejável.
Até que, um dia, o casal morreu em um acidente, e Vincent, deixado sozinho, assumiu a família ainda jovem. Muitos duvidaram de sua capacidade, mas, contra as expectativas, ele conduziu os negócios da família com maestria, aumentando ainda mais seu prestígio e poder.
Uma vida feliz, até que…
Uma tragédia o atingiu.
Num banquete da família real, um homem brandiu uma faca e investiu contra ele. O agressor era um empregado da família Bellunita. Felizmente, Vincent estava protegido por guarda-costas, e os ferimentos foram leves—mas o veneno que o assassino espirrou em seus olhos se tornou um problema.
No início, foi apenas uma ardência. Depois, sua visão começou a embaçar, as formas se tornaram indistintas. Até que, em algum momento, a luz desapareceu por completo, e só restou a escuridão.
Desde então, Vincent Bellunita se trancou em um quarto, e a história oficial é que ele está se recuperando dos ferimentos do ataque.
Houve rumores de que Vincent estaria envolvido no atentado, já que o assassino era um empregado da família, mas logo se descobriu que o homem apenas se disfarçara como um—sua identidade e motivos permanecem um mistério.
Agora, Vincent está cego, e esse fato é um segredo que nem mesmo a maioria dos empregados da mansão conhece. Apenas alguns auxiliares próximos sabem. Por isso, Paula deve servi-lo sozinha, em sigilo.
Confidencialidade.
Essa era uma das condições para trabalhar ali.
Nunca revelar nada do que acontecesse naquela ala.
O que, implicitamente, também significava aceitar as consequências se falasse.
Não que isso importasse. Paula só queria fazer seu trabalho direito. Mas logo percebeu que servir Vincent seria muito, muito mais difícil do que imaginara.
“Jogue tudo fora!”
E assim, o décimo segundo prato encontrou seu fim.
Paula suspirou discretamente ao ver os cacos espalhados pelo chão. Mal se ajoelhou para recolhê-los quando copos e talheres rolaram pelo chão.
“Suma daqui!”
Bem, não havia outro gato no quarto com quem aquele felino enfurecido, enrolado em lençóis, pudesse brigar.
A não ser ela, a gatinha encarregada de cuidar dele.
Havia gatos de rua em frente à padaria do Mark. Um deles, que ficava mais magro a cada vez que o via, comovia Paula, que sempre lhe dava um pedaço de pão às escondidas. No início, desconfiado, o gato aos poucos se aproximou, até um dia esfregar o rosto em sua mão.
Mas Vincent era grande demais—e adulto demais—para ser tratado como um gato.
Paula juntou os cacos e os talheres, colocou-os na bandeja e olhou para Vincent.
“Vou trazer outro prato.”
“Não quero nada. Some.”
“Se houver algo que deseje comer, posso pedir ao chef.”
“Desde que você não esteja aqui.”
“Então deixarei aqui no quarto.”
“Não quero!”
Vincent rugiu. Paula olhou para ele, impassível. Seus cabelos estavam desalinhados, as roupas amarrotadas e sujas. O lençol sobre o qual ele se sentava já amarelava, mesmo tendo sido trocado recentemente.
“Preciso trocar os lençóis também. E suas roupas. Acho melhor o senhor tomar um banho. Vou preparar a água.”
“Saia! SAIA!”
AAAAAAAAAAH!
Um grito ensurdecedor ecoou.
Assim, todos os dias, ele ficaria sem voz. Mas a raiva parecia só aumentar.
Paula reprimia sua própria irritação várias vezes ao dia.
Estava vivendo confortavelmente ali.
Não podia acreditar que já estivesse tão exausta.
Balançou a cabeça e respirou fundo.
Estava acostumada com o temperamento explosivo dos nobres. Na verdade, não só dos nobres—a maioria de seus empregadores era assim. Já sofrera todo tipo de desprezo e insultos por ser pobre e mulher. A família do demônio júnior não fora diferente.
Eu sobrevivi a todos. Não me subestime por ser pobre!
“Volto logo. Por favor, aguarde.”
E Paula saiu do quarto sem olhar para trás.
Mal fechou a porta, ouviu algo batendo contra ela. Suspirou fundo, imaginando o travesseiro sendo arremessado. Pisou forte no chão, sem razão aparente.
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