Índice de Capítulo

    “Mais uma palavra e eu te mato aqui.”  

    “…”  

    “Saia agora mesmo.”  

    Era bem conhecido que nobres e membros da realeza tinham armas nos quartos para autodefesa. Mas era questionável de onde tinha surgido aquela arma que não estava lá antes.  

    E ele falava sério. Ela sabia que não aconteceria nada, mas quando encarou aqueles olhos turvos que pareciam mirar diretamente nela, engoliu em seco sem perceber.  

    “Bem, então vou deixar sua cueca para depois.”  

    Depois de endireitar as costas, saiu do quarto quase correndo, com a pilha de roupas sujas nos braços. Claro, suas pernas fraquejaram assim que a porta se fechou.  

    Deslizou até o chão, encostada na porta. O coração batia forte. A sensação do metal frio da arma contra sua testa ainda estava nítida.  

    Ele ia mesmo atirar?  

    Por que eu subestimei isso?  

    O Conde era um maluco completo.  

    Renica pareceu surpresa quando recebeu o cesto de roupas sujas. Normalmente, Paula só trazia fronhas e lençóis, com uma cara de cansaço por causa das roupas amassadas. Hoje, trouxe tudo direitinho.  

    Renica era uma das poucas pessoas que Paula via diariamente desde que chegara à mansão. Ela vinha ao anexo todas as manhãs para recolher as roupas sujas e trazer itens limpos.  

    “Parece que foi tranquilo hoje.”  

    “Graças ao senhor.”  

    Graças a ele, tô quase pirando.  

    Renica não conseguiria ver sua expressão por causa da franja, então Paula forçou um sorriso que mal chegava aos olhos. Reclamar que estava difícil não adiantaria—ninguém entenderia.  

    Renica a observou mais uma vez, pegou a roupa suja e foi embora.  

    Assim que ela saiu, Paula suspirou e arrastou os pés de volta ao quarto.  

    Esse foi o único “progresso” da manhã. O café da manhã acabou no chão, como sempre. Dessa vez, ela não insistiu—a lembrança da arma na testa ainda estava fresca. Ele não tinha comido nada na noite anterior, mas ela não ligava.  

    É por isso que você tá tão magro.  

    Não come direito.  

    Mal eu trago algo, você já joga longe.  

    Graças a ele, Paula acabou comendo o que ele recusou. Tomou um café da manhã tardio, com sopa fria e pão. Até isso era um luxo para ela. Antes, passar fome era rotina, e as sobras do pai e da Alicia eram tudo o que tinha.  

    Pensando bem, comparado à vida que levava antes, o temperamento do mestre não era tão assustador.  

    Mas os ataques de Vincent continuaram. O almoço foi recusado antes mesmo de ela entrar no quarto. Assim que abriu a porta, objetos começaram a voar. Quando ele adormeceu por um tempo, ela aproveitou para recolocar o relógio e o vaso no lugar.  

    Cada vez que ele quebrava algo, ela tinha que substituir. Certa vez, perguntou a Isabella se não era perigoso e desnecessário, mas a governanta explicou que, quando tiraram todos os objetos do quarto uma vez, ele ficou todo arranhado.  

    Resumindo: era automutilação. Mesmo com as unhas quebradas e feridas sangrando, ele não parava. Talvez jogar coisas fosse a única forma de aliviar a raiva.  

    O jantar não foi diferente. Como ela não trouxera os objetos de volta depois do almoço, não havia muito para arremessar—mas a comida virou do avesso, como sempre.  

    Agora, quando ela se aproximava, ele começava a esbravejar. Se tocasse nele, a arma aparecia na sua testa.  

    Na manhã seguinte, ela nem conseguiu trocar as fronhas. Depois de limpar os cacos, trouxe o café da manhã, determinada a fazê-lo comer. O fracasso era inevitável.  

    Dois dias se passaram assim. Isabella, que veio checar o estado dele, fez uma cara estranha. Como se já esperasse aquela situação. Paula sentiu um calafrio ao vê-la suspirar antes de sair. Aquele suspiro soou como um aviso: não me faça suspirar de novo.  

    E naquele dia, sua paciência chegou ao limite. Ela já não tinha medo da arma. O que a assustava agora era a realidade. A lembrança daquela frase—a pessoa que servia o mestre desapareceu de repente—voltou à sua mente. Nem precisava perguntar o que acontecera com elas.  

    Uma tigela voou pelo ar e aterrissou em sua cabeça. A sopa escorreu, molhando seus cabelos. Assim terminou o jantar.  

    Já nem era surpresa.  

    Depois de limpar os grãos do rosto, entrou no seu quarto e descontou sua raiva no travesseiro.  

    Espera só.  

    Seu maldito!  

    Com a raiva contida, na manhã seguinte, arrumou-se, pegou o café da manhã e correu para o quarto de Vincent. Assim que entrou, abriu as cortinas para iluminar o quarto escuro e recolheu os objetos caídos no chão. Depois, puxou os lençóis sujos.  

    E, como se fosse natural, a arma encostou em sua testa de novo.  

    “Quer morrer?”  

    “Atire, então.”  

    “O quê?”  

    “Se eu continuar negligenciando meu mestre, vou morrer de qualquer jeito. Não vai demorar até eu sumir sem deixar rastro. Se for pra morrer, que seja pelas mãos do senhor. Vai, atira e acaba logo com isso.”  

    “… você é doida?”  

    “Não vai atirar? Então vou trocar os lençóis.”  

    Quando puxou o lençol, ele surtou e segurou firme.  

    A força para puxar e a força para segurar colidiram.  

    Mas o adversário era um homem que mal conseguia sentir o próprio sangue.  

    Ela bufou e puxou o lençol com tudo.  

    “Você é insana!”  

    Arrancou o lençol e trouxe um novo, ignorando os gritos de Vincent.  

    “Saia agora!”  

    “Sim, vou sair quando terminar meu trabalho. Poderia se levantar para eu acabar rápido e ir embora?”  

    Empurrou Vincent, que gritou de novo, e arrumou os lençóis. Seu corpo, arrastado pelo puxão, caiu no chão sem graça. Paula fingiu não ver, trocou os lençóis e as fronhas rapidamente.  

    Ele ficou parado, olhando para o vazio, antes de revirar o rosto.  

    “Vou trazer seu café.”  

    O chão estava cheio de objetos, e ele estava tão irritado que ela nem sabia o que esperar. Então deixou a bandeja perto da porta, o mais longe possível.  

    Fingiu que saiu, fazendo barulho com os pés, mas voltou logo depois com a comida.  

    Vincent tateou o chão, subiu na cama e sentou. Pegou o que estava tentando usar como lençol e, em vez disso, agarrou uma colher.  

    “O que você está fazendo?”  

    “O café está pronto.”  

    “Não vou comer.”  

    Jogou a colher no chão. Paula observou a colher quicar e trouxe outra. Já sabia que isso aconteceria, então trouxe reservas.  

    “O senhor já é adulto e ainda faz birra igual criança.”  

    “Quer mesmo morrer? É por isso que está sendo tão insolente?”  

    Ele ainda segurava a arma. Paula olhou para ele, mexendo no gatilho, e depois fixou o olhar no rosto de Vincent.  

    “O senhor não enxerga. Como vai acertar?”  

    “Meus dedos funcionam.”  

    “Parece confiante no seu tiro.”  

    “Atirar era minha especialidade.”  

    Nossa, que impressionante.  

    Ajoelhando-se diante dele, colocou a tigela de arroz no colo. Pegou uma colherada e levou à boca dele.  

    “Abra a boca, por favor. Vou te alimentar.”  

    “Jogue fora!”  

    Vincent tentou bater em sua mão, mas ela afastou a tigela a tempo. Ele tateou, procurando algo para jogar, mas ela já tinha recolhido tudo na noite anterior.  

    Vincent, percebendo que não tinha mais nada, apertou a arma. As veias de suas mãos saltavam. E mesmo assim, não atirava.  

    Ela colocou a colher de novo em seus lábios.  

    “Vamos, diga ‘ah’.”  

    “Já disse para tirar isso daqui!”  

    “Uma colherada, e eu vou embora.”  

    “Não vou comer. Tire isso.”  

    “Só uma. Ou prefere comer sozinho?”  

    “Eu disse para tirar! Some!”  

    “Não sabe mastigar?”  

    “…”  

    “Já é adulto e não consegue nem mastigar com comida na boca.”  

    Vincent ficou sem ar com o comentário carinhoso dela. Ela nem parou por aí—ainda explicou, com paciência, como usar a boca.  

    De repente, ele chutou a tigela em seu colo. O prato caiu no chão com um barulho alto, espalhando arroz pelo caminho. Ela perdeu o equilíbrio e fechou os olhos com força.  

    Dessa vez, não conseguiu controlar a raiva.  

    “Está com medo de mim?”  

    “O quê?”  

    “Perguntei se está com tanto medo de mim que não consegue nem comer. Por que eu preciso alimentar o senhor? É tão grandioso assim? Ah, que pessoa magnífica. O dono dessa família tão importante.”  

    “… o que está fazendo?”  

    “Estou te dando uma lição.”  

    A razão pela qual aguentou o temperamento dele até agora era porque seu coração era mole.  

    Ele não ficou trancado no quarto assim que perdeu a visão.  

    No começo, ainda tentou levar uma vida normal.  

    Não podia ver, então ouvia a voz do mordomo e seguia em frente, tentando viver como antes.

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