Capítulo 07 - Mestre Maluco (7)
Paula estava travando uma batalha de força com ele, com medo de ser expulsa se não fizesse nada. Mas, sinceramente, achava que seria punida se fosse pega. Era um risco de vida. Mas por quê? Enquanto seguia Isabella, confusa, a governanta falou:
“Paula, você sabe que várias empregadas já passaram por aqui?”
“Ah, sim. Ouvi falar.”
“Dada a situação, selecionei pessoas com critérios mais rigorosos que o normal. Mesmo assim, nenhuma conseguiu servir o mestre adequadamente. Pelo contrário, a condição dele só piorou. Mesmo assim, precisei continuar procurando, mas até isso se tornou difícil com os rumores estranhos que circulam. Foi por isso que trouxe você, Paula, mesmo sem educação formal.”
Isabella parou de andar e se virou. Paula ainda segurava o nariz com o avental. Seus olhos, visíveis entre a franja despenteada, estremeciam.
“Não podemos ficar trocando de pessoas, então é hora de mudar os métodos.”
“Então…”
“Desde que o corpo do mestre não seja machucado, o serviço fica a seu critério. Cuide dele como achar melhor.”
Era quase uma permissão implícita para suas ações. Honestamente, Paula não esperava que fechariam os olhos assim. Que rumores estranhos eram esses?
De qualquer forma, era bom para ela. Ela nunca quis machucá-lo—só queria vê-lo saudável. Mas o processo nunca era fácil.
Quando tocavam nele, ele enlouquecia, empurrava e jogava objetos, expulsando a pessoa do quarto. Não sobrou móvel inteiro—tudo virou estilhaços. E quando não tinha nada para arremessar, gritava até ficar rouco ou arranhava o próprio pescoço e peito até sangrar, suando frio.
A essa altura, era questão de quem cansava primeiro.
E à noite, gemidos atravessavam a parede fina. Choros abafados de dor. Paula acordava com aqueles sons sufocados, como se a vida dele estivesse escapando. Ficava encarando o escuro, o sono fugindo para sempre.
Ele estava lutando…
Contra a morte.
Pensando assim, ela sentia uma estranha identificação.
Mais um dia—longo ou curto. Era assim que queria viver. Alguns desejavam fechar os olhos mais cedo nessa vida infernal, mas ela não.
Queria viver. Houve um tempo em que desejou a morte, mas agora, queria ficar viva. Mesmo na merda, era pior desistir. Podiam apontar para sua aparência, cuspir nela por estar suja. Ela aguentaria de cabeça baixa, mas sobreviveria.
As pessoas chamavam isso de “sino do veneno”. Até que soava bem.
Mesmo que o velho mordomo tivesse pegado aquela garota feia da rua para servir o famoso Conde cego, com temperamento pior do que imaginava.
Ao entrar no quarto de Vincent, algo voou em sua direção, como sempre. A xícara desviou para a direita e espatifou-se na porta. O relógio bateu na parede e rolou pelo chão. O travesseiro acertou seu rosto antes de cair. No susto, o prato de prata que ele segurava tombou, derramando a sobremesa.
Paula olhou para ele impassível, calculando o que fazer. Seguiu em frente, ajoelhou-se para limpar a sobremesa esmagada. Outro travesseiro voou em seu rosto.
Assim que ele caiu, ela decidiu:
Tinha que falar.
Mas ao se levantar, ouviu um gemido abafado. Vincent estava encolhido. O caos cessou.
Não—algo estava errado.
“Mestre!”
Vincent agarrava o peito, sufocando.
Vendo seu rosto pálido, ela revirou os bolsos do avental. Tirou um pequeno instrumento e colocou em sua boca. Ao pressionar a parte superior, ele começou a respirar, ainda que com dificuldade.
Ultimamente, Paula vira muitas coisas chocantes cuidando de Vincent. Uma delas era esses ataques repentinos de falta de ar.
Na primeira vez, correu desesperada para Isabella, que chamou o médico da família. O profissional colocou o mesmo instrumento na boca dele, salvando-o. Quando perguntou o que era, explicou que era um inalador para crises respiratórias.
“Leve outro. Esteja sempre preparada.”
Aquele objeto pequeno, que cabia na palma da mão, o mantinha vivo.
Segundo o médico, a cegueira o deixava extremamente ansioso, e a fraqueza vinha da má alimentação e do isolamento. Por isso adoecia facilmente.
Para melhorar, precisava comer regularmente, tomar sol e se exercitar. Mas Vincent continuava trancado, sobrevivendo sem medicamentos.
Como um moribundo.
O que há em não enxergar?
Mas quando pensava em viver na escuridão, só dependendo de sons, um terror a consumia.
Claro, ainda havia o tato, o olfato, o paladar. Mas nada superava o medo do desconhecido. Além disso, ele quase morreu.
O terror dele devia ser maior do que imaginava.
Mas ela não queria que ele morresse.
Não por pena.
Só porque não queria limpar o cadáver do mestre sozinha.
Mas ela sabia.
Toda noite, ele lutava para não desistir.
Agora, ela tirou o inalador de sua boca e guardou-o. observou-o deitado na cama—o suor frio, o rosto exausto. Mas ao menos respirava melhor.
Ele bateu em sua mão quando tentou limpar seu suor. Seus olhos vazios encaravam o teto, mas as sobrancelhas franzidas mostravam descontentamento.
“Não me toque.”
“Parece que melhorou.”
“Melhoraria se você sumisse.”
Essa boca!
“Você deve gostar de sofrer.”
“Some.”
“Se comer.”
Paula trouxe o café da manhã para substituir a sobremesa derrubada. Era arroz, como sempre. Aproximou-se com a tigela em uma mão e a colher na outra, determinada.
“Saia de perto!”
“Sim, sim.”
Ela segurou o rosto de Vincent, evitando seus empurrões, e enfiou a colher em sua boca. Quis abrir seus lábios com os dedos, mas desistiu—quase perdeu um na última vez.
Tentou alimentá-lo devagar, mas sua resistência era tanta que acabou despejando metade do arroz nele. Os lençóis ficaram sujos, assim como seu pescoço e rosto.
“Não, para—”
“Só mais um pouco.”
“Sol— Solta! SOLTA!”
Sem aguentar mais, ele a chutou. Distraída, Paula caiu para trás, batendo a cabeça no chão.
“Ai!”
Isso dói!
Segurou a nuca e gemeu. A visão embaçou. A tigela vazia rolou perto de seu rosto.
Grãos de arroz saltaram da cama para o chão. Vincent se enrolou nos lençóis, mas ainda tinha arroz grudado no rosto.
Como vou lavar isso?
Suspirou, imaginando a próxima briga.
“Você é louca”
“Os lençóis estão sujos. As roupas também. Melhor trocar.”
Procurou a colher perdida, mas desistiu. Trouxe lençóis e pijama limpos—já aprendera que era melhor fazer tudo de uma vez.
“Não encoste em mim.”
“Se você se trocar sozinho, não preciso fazer isso.”
Pensou um instante, então jogou o pijama para ele. Encostou na parede, observando. Vincent mexeu na roupa, mas não fez nada. Quando ela subiu na cama para forçá-lo, ele finalmente pegou.
Enquanto ele tentava se trocar, Paula trouxe uma bacia com água morna. Como ele recusava banhos, tentaria limpá-lo com uma toalha.
“Espere.”
Ele bateu em sua mão ao tentar trocá-lo ainda sujo. Doeu. Vincent encarou-a furioso, mas ela nem reagiu—já era comum.
“Se trocar assim, ainda ficará imundo. Limpe-se com isso primeiro.”
Entregou-lhe a toalha úmida. Ele hesitou, mas começou a se limpar—mal passando pelo corpo.
Impaciente, Paula pegou a toalha e limpou o arroz de seu rosto, pescoço e cabelo. Ele se debateu, mas não adiantou.
Terminando, ela saiu da cama.
Precisava trocar os lençóis, mas ele não saía do lugar. Puxou-os com força, iniciando outra disputa. De repente, os lençóis saíram—e ela caiu de novo, batendo a cabeça pela segunda vez.
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