Capítulo 08 - Mestre Maluco (8)
“Ai, isso dói.”
Vincent estava calmamente trocando de roupa quando Paula se levantou. Ele deve ter ouvido o barulho da queda dela, mas, ao ver sua expressão tranquila, ela percebeu que ele tinha se afastado de propósito. Respirou fundo para conter a irritação.
Ela trouxe lençóis limpos, mas trocá-los também era um problema. Ele nunca levantava o quadril, então o tecido sempre ficava amassado.
Ela já estava cansada disso. Vincent, que havia acabado de trocar de roupa, estava prestes a virar o lençol sujo mais uma vez, então ela se apressou em pegá-lo e lhe entregou um novo. Felizmente, ele aceitou.
Pronto, terminado.
Paula deixou a roupa suja perto da porta, voltou e começou a organizar os pratos vazios. Limpou os restos da sobremesa que ele havia derrubado e qualquer outro resquício de comida pelo caminho. Depois de recolher os objetos espalhados pelo chão, finalmente começou a varrer.
O único som no ambiente era o da vassoura se arrastando. Vincent permaneceu em silêncio. Provavelmente sabia que ela não iria mais o tocar. Era uma grande mudança, considerando que, no início, ele gritava para que ela fosse embora.
“Por que você está aqui?”
“O quê?”
Ele falou de repente, pegando Paula de surpresa. Não esperava que ele puxasse conversa, ainda mais alguém que só costumava dizer coisas como “sai”, “suma” ou “não me toque”.
Ele estava doente? Mas, apesar da palidez, não parecia.
“Estou perguntando. Por que você está aqui?”
“… preciso ganhar dinheiro.”
“Então, se eu disser que vou te pagar, você vai embora?”
“Por quê? Vai me pagar só para me expulsar?”
“Se eu pudesse.”
‘Quer se exibir porque tem dinheiro? Agradeço a oferta, mas eu não estaria aqui se fosse um problema que se resolvesse tão facilmente.’
“Mesmo que me expulse, outra empregada virá para ficar com você.”
“Vou expulsá-la também.”
“Então outra virá.”
“Quer dizer que você não vai sair.”
“Isso mesmo.”
Paula voltou a varrer. Vincent a observou por um momento.
“Você gosta dessa mansão?”
“Bom… nunca pensei nisso.”
“Então pense. Esse não é um lugar para sonhar à toa.”
‘Um sonho tolo…’
Paula refletiu por um instante, mas logo deu de ombros. Também não sentia que era algo importante.
“De onde você é?”
“De Filton.”
“Filton… você veio de longe.”
“Nem tanto. Basta atravessar a montanha.”
Havia vezes em que Paula precisava ir ainda mais longe por conta dos recados do pai.
Depois de caminhar por dias, suas pernas inchavam, e andar se tornava difícil por um tempo. Mas, mesmo que quisesse descansar, seu pai e Alicia nunca a deixariam em paz. Ela era a única que fazia os afazeres da casa.
Por isso, sentia-se até mais confortável estando longe de casa.
“Foi incrível, parecia uma aventura. Como aqueles protagonistas de contos de fadas que saem em uma jornada misteriosa e maravilhosa.”
“Parece um sonho.”
“Sim. Uma aventura tão bonita assim não acontece na vida real. Mas foi bom. Quando eu era criança, havia a livraria mais antiga da cidade, e trabalhei lá por um tempo. O dono era um senhor idoso, e, por consideração dele, eu pude ler muitos contos de fadas.”
“Ele encheu a cabeça de uma criança de ilusões.”
“Talvez.”
Mas Paula ainda gostava de livros. Conforme cresceu, parou de ler contos de fadas, mas continuou gostando de histórias. Eram sempre sobre mundos que ela nunca tinha imaginado, lugares que não conhecia. Não importava se eram reais ou não.
Imaginar aqueles mundos era a única alegria que teve na infância.
“Tem uma frase que sempre lembro. ‘Quando Deus te cria e te concede a existência, só isso já é uma bênção. Tudo no seu caminho é parte desse dom.'”
“A Dor do Amor.”
“Você já leu?”
Ela perguntou, surpresa, e ele respondeu sem emoção.
“É um livro famoso, até crianças pequenas leem.”
“Eu não sabia disso.”
“Seu gosto é péssimo.”
“É mesmo?”
“Não é uma boa história.”
Sim, o final era trágico.
O protagonista não morria. Ele simplesmente desistia de tudo e escolhia viver sozinho. Deixava para trás a pessoa que amava.
“Ah, agora acabou.”
Depois que o protagonista dizia isso, a história terminava com ele caminhando sozinho pelo mar infinito. Ao invés da morte, ele apenas se livrava de tudo o que o atormentava e seguia em frente. De certa forma, aquilo era fascinante.
‘Queria poder dizer isso quando chegasse o fim da minha vida.’
‘Ah, acabou.’
“Eu gostei.”
“…”
Paula sentiu-se estranha depois de dizer isso. Não era alguém de muitas palavras, mas ficou feliz por ele ter falado com ela. Só então olhou para o rosto dele e continuou.
“Senhor, tem algum livro que gostou de ler?”
“Eu não leio.”
‘O que ele quer dizer com isso…?’
Não era um costume da nobreza?
Alicia sempre reclamava de como estava cansada dos livros que o filho do lorde lia. Quando Paula trabalhava na livraria, os nobres passavam por lá com frequência. Os lançamentos vendiam mais rápido do que os outros livros.
Ao olhar para ele novamente, viu que Vincent estava deitado, olhando para o teto. Pensou que ele estava prestes a dormir e, por isso, ficou quieta, concentrando-se na limpeza.
“Não leio porque não posso enxergar.”
Ah. Demorou um segundo para processar a informação. Seu rosto parecia um pouco mais frágil com os olhos fechados.
“Existem livros que cegos podem ler.”
“Nem todos.”
“Então contrate alguém para ler para você.”
“Você estará espalhando por aí sobre minha condição.”
Sarcasmo de novo.
Ele era uma pessoa difícil. Mesmo se contratasse alguém para ler para ele, provavelmente encontraria um motivo para mandar embora.
‘Então, poderia pedir a alguém próximo que já saiba da situação…’
‘Ah, meu Deus!’
“Quer que eu leia para você?”
Por um momento, Paula não conseguiu esconder a empolgação.
Essa mansão enorme com certeza tem um escritório.
‘Por que eu não pensei nisso antes?’
Mas, ao perceber um olhar suspeito sobre ela, achou que tinha cometido um erro. Tentando disfarçar o nervosismo, Paula manteve a postura e respondeu com calma:
“Claro, se o mestre quiser.”
“Com essa sua voz de porco?”
“… nunca ouvi falar que minha voz fosse ruim.”
“Então deve ter outra coisa ruim.”
“…”
Ele pegou no seu ponto fraco imediatamente.
Paula teve vontade de acertá-lo com a vassoura que segurava.
Mas resolveu se segurar. Não era hora de bater de frente, e sim de aceitar.
“Você está cansado de tanto dormir. Não sai para passear, nem se levanta da cama. Por isso fica assim, sem energia. As pessoas precisam fazer algo chamado viver.”
“Vai direto ao ponto. O que quer dizer com isso?”
“Por que não lê um livro?”
“Não sei ler.”
“Então eu leio para você.”
“Recuso.”
Foi uma resposta imediata, sem nem pensar. Paula respirou fundo.
“Eu só pensei que talvez, se tivesse um hobby, você parasse de ser tão ranzinza…”
“Ei!”
“Você nem percebe o trabalho que dá… toda vez grita e joga coisas por aí, isso é perigoso. Por sua culpa, eu até machuquei esse rostinho bonito… mas engoli tudo e deixei pra lá… o que é que você tem de tão especial, hein?”
“Ei.”
“É triste. Estou triste.”
Paula aproveitou o momento perfeito e despejou todas as reclamações de uma vez. Ele tateou a mesa.
‘Ah, claro, você já jogou tudo. Não tem mais nada para arremessar.’
Pouco depois, ela sorriu satisfeita ao vê-lo fechar a mão com força.
“Agora, meu senhor, escute com atenção.”
Ela pigarreou. Nenhuma resposta. Além disso, parecia que ele tinha se deitado de costas. Mas ela abriu o livro, animada.
“Era um dia em que o calor do sol aquecia meu corpo.”
“Não é divertido.”
“A garota, então—”
“Não é divertido. Outro.”
Ela achou que ele já estaria dormindo, mas pelo visto estava atento. Nem tinha lido direito e ele já dizia que não gostava.
“Eu só li uma frase.”
“Não gostei dessa frase.”
“Por que não ouve um pouco mais…?”
“Outro.”
“Tá bom, vou ler outro.”
Paula calmamente colocou o livro de lado e pegou outro. Cada um tem seu próprio gosto para livros, e como não sabia o dele, trouxe vários.
Ela limpou a garganta de novo.
“O dia da menina começa com um passeio pelo jardim.”
“Não é divertido.”
“…”
“Outro.”
‘Nem cheguei a ler uma linha, desgraçado!’
Fazia tempo que ela não se sentia tão irritada. Mas precisava manter a calma. Afinal, aquele na sua frente era quem lhe pagava. Respirou fundo e engoliu a raiva.
“Por que não está respondendo? Outro.”
“Isso aí, ótimo. Outro.”
Paula largou o livro que segurava e pegou outro.
“O garoto—”
“Não é divertido. Outro.”
“Você tá falando sério?”
Por fim, largou o livro no colo e se revoltou. Mas Vincent, sem vergonha, respondeu:
“É errado dizer que não é divertido quando não é divertido?”
“Mas você nem ouviu direito!”
“Não preciso ouvir tudo pra saber que não é divertido.”
“Com base em quê você diz isso?”
“Você está mesmo questionando? Como ousa, sendo só uma empregada?”
“…”
Ela ficou sem palavras.
‘Covarde!’
“Não tenho mais livros para ler. Preciso buscar mais.”
“Então vá buscar.”
“… se tiver algum livro favorito, me diga. Eu irei trazer.”
“Não releio o que já li.”
“Então me diga o que gosta. Algum gênero, pelo menos.”
“Nenhum.”
Ela soltou um suspiro longo. Ele claramente estava se vingando por antes. Como alguém podia agir assim depois de receber um favor? Infantil demais.
“O que está esperando? Vá buscar.”
No fim, ela se levantou.
Paula saiu do quarto levando três livros que nem tinha conseguido abrir direito. A biblioteca ficava logo no andar de baixo. De tão irritada, desceu a escadaria central.
Respira fundo. Preciso me acalmar. Já sei que ele tem esse temperamento, não é a primeira vez.
Ela entrou na biblioteca e percorreu os olhos pelas prateleiras cheias, pensando que tipo de história ele gostaria. Mas, no fundo, sabia que qualquer livro que escolhesse, ele reclamaria.
Mesmo assim, analisou bem as estantes. Até que algo chamou sua atenção.
“É esse!”
Ela puxou todos os livros daquela prateleira.
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