Índice de Capítulo

    O esconderijo estava astuciosamente escondido em um dos vales da cordilheira. Era do tamanho de um apartamento de solteiro decente. Fora o altar quadrado no centro do espaço, com diversos formatos geométricos entalhados no topo formando um círculo mágico, não havia muito o que chamar atenção no ambiente.

    Mesmo com apenas seis pessoas participando da missão, o número de pessoal de apoio era considerável. Como as condições dos cativos eram desconhecidas, foi montado um acampamento para casos de emergência médica. Além disso, um médico foi chamado e vários guardas foram adicionados ao grupo, o que fez a área se tornar bastante movimentada em pouco tempo.

    — Pensem nesse círculo mágico como uma porta giratória automática.

    Ian começou a se dirigir à equipe de resgate.

    — No momento em que for ativado, a porta começará a girar lentamente. Precisamos concluir tudo em até 30 minutos e retornar rápido. Se não, a porta se fechará, e não poderemos voltar.

    Uma vez fechada, a porta levaria 72 horas para abrir novamente. Todos ali já haviam ouvido essa explicação tantas vezes durante os briefings que mal aguentavam mais.

    — Eu estava pensando em começar agora. Mas e vocês? Estão prontos de coração?

    — Sim.

    O Arqueiro encarregado da liderança da equipe respondeu.

    — Qual é a primeira coisa a fazer ao entrar no laboratório?

    — Vasculhar a área e decidir entre esperar, se esconder ou recuar.

    — Muito bem. Lembrem-se todos: não importa o que aconteça, se minha situação estiver ruim, não hesitarei em voltar sozinho.

    Ian avisou em termos bem claros e deu passos largos em direção ao altar. Então, curvou-se com esforço.

    — Pode demorar um pouco pra ativar o círculo mágico com as minhas habilidades medíocres. Então relaxem e preparem-se. Ah, mas não se afastem demais.

    Seol Jihu, porém, não se moveu. Apertando firmemente a lança, ele encarava o círculo mágico com intensidade. O nervosismo fazia seu coração disparar e suas pernas pareciam enraizadas no chão.

    Foi ele quem disse que iria. Se quisesse, ainda podia desistir. Mas, em vez de se deixar engolir pelo medo…

    “É como se eu estivesse parado diante do quadro de missões outra vez.”

    Com essa lembrança, ativou os Nove Olhos. Quando o fez, pôde ver o altar antes acinzentado mudar de cor.

    Amarelo!

    Seol Jihu apertou o punho com força. Sabia bem que o Atenção Necessária precisava ser tratado com o mesmo cuidado de qualquer outra cor. Um único erro, e o amarelo podia virar laranja, vermelho ou até preto num piscar de olhos.

    Mas, mesmo assim, o que ele via agora era amarelo. Considerando que estavam prestes a entrar no coração do território inimigo, isso provava que as chances de sucesso não eram totalmente nulas.

    Desativou os Nove Olhos e firmou ainda mais sua determinação. Foi nesse momento que um homem de rosto pálido e presença fria se aproximou. Já haviam se cruzado algumas vezes nas reuniões de estratégia.

    Era um sujeito de feições afiadas, com olhos afáveis, e inegavelmente bonito. Também era o Arqueiro de Nível 5 encarregado como guia da missão.

    — Obrigado.

    Ele expressou sua gratidão logo de cara, deixando Seol Jihu piscando de surpresa.

    — Graças a você, agora tenho uma chance. Se conseguirmos resgatá-los, vou te agradecer direito depois.

    — Estamos todos no mesmo barco. Não se preocupe com isso. Tem alguém importante pra você do outro lado?

    O Arqueiro assentiu diante da pergunta educada do jovem.

    — Minha irmã mais nova, Ayase Yui.

    — Você não foi com ela da primeira vez?

    — Eu disse pra ela não ir desde o começo. Mas aí… ela se deixou cegar pela quantidade de pontos de contribuição e acabou indo junto…

    Os olhos do homem se estreitaram. Huuu, ele suspirou suavemente e balançou a cabeça.

    — De qualquer forma. Eu sou o guia e o Mestre Ian é o líder da missão. Mas… pretendo considerar a sua opinião tanto quanto a nossa.

    Seol Jihu não sabia muito bem o que responder e apenas formou um ‘Oh’ com os lábios. Era a primeira vez que encontrava alguém tão direto e aberto assim.

    — Você foi quem trouxe o plano, além de possuir o rudium. E ouvi dizer que você também contribuiu bastante na batalha da Fortaleza Arden…

    Ele continuou falando mais algumas coisas, até que olhou por cima do ombro de Seol Jihu e estendeu a mão.

    — Meu nome é Ayase Kazuki. Vamos dar nosso melhor.

    — Eu sou Seol.

    Ayase Kazuki apertou levemente a mão do jovem e se virou para sair. Quase no mesmo instante, Seol Jihu ouviu um leve som de tecido se movendo atrás de si, e ao virar-se discretamente, arregalou os olhos. Havia alguém que ele não esperava ver ali.

    — S-Senhorita Agnes?

    — No fim das contas, você decidiu ir.

    Agnes o encarava, firme, como sempre.

    — Mas eu pensei… Você ainda não estava em recuperação?

    — Recebi um tratamento intensivo e focado. Estou curada o suficiente pra dar uma caminhada, pelo menos.

    Olhando mais de perto, ela parecia estar bem melhor. Ao menos, já não estava mais completamente coberta por bandagens espessas.

    — Mas ainda assim. Você não se recuperou totalmente. E se os ferimentos voltarem?

    — Temos um centro médico montado no acampamento, então não precisa se preocupar. Além disso…

    Os olhos de Agnes se estreitaram, o brilho em seu olhar ficando mais afiado.

    — Você vai mesmo?

    — Vou.

    — Sabe que ainda pode desistir, se quiser, certo?

    — Até você dizendo isso, senhorita Agnes?

    Um sorriso torto surgiu nos lábios de Seol Jihu. O fato era que, embora os participantes já tivessem sido definidos, Chohong vinha dando vários indícios de que preferia vê-lo desistir. Nunca disse isso diretamente, mas era fácil perceber.

    — É só curiosidade.

    Agnes ajustou os óculos com calma antes de continuar.

    — Agora que penso bem, você fez algo parecido lá na Zona Neutra.

    “Fiz?”

    — Mas por quê?

    Para ser sincero, nem Seol Jihu sabia responder com clareza.

    Ele entendia perfeitamente por que os outros queriam que ele desistisse. Afinal, era uma missão difícil e perigosa demais para um Guerreiro de Nível 2. Se não fosse por suas conquistas até então, não teria nem conseguido participar, mesmo sendo o autor do plano.

    Mas, para além disso, o que Agnes queria saber era o motivo verdadeiro.

    Por exemplo, Ian estava participando por senso de responsabilidade. Chohong, por lealdade. Ayase Kazuki, por causa da irmã. E os outros dois participantes também tinham suas próprias razões pessoais. Todos ali tinham um motivo forte o suficiente para arriscarem a vida naquela missão.

    — Já que suas recompensas estão garantidas, vá você ou não, não pode ser por ganância. E você também não faz parte da Carpe Diem há tanto tempo quanto Chung Chohong. Então… por que se voluntariou pra essa missão?

    — Porque eu não quero fazer isso.

    Seol Jihu soltou essa sem pensar muito. Mas, ao ver os olhos de Agnes se arregalarem, percebeu o deslize e se apressou em continuar.

    — Bom, eu… não sei ao certo. É só que, senhorita Agnes, o que você disse soou como o começo de uma acomodação.

    — Não era minha intenção. Mas, acomodar-se nem sempre é algo ruim.

    — Ah, claro. É só o que eu penso. Não ligue pra isso.

    Ele acenou com a mão, apressado, tentando desconversar. Mesmo sendo Agnes, havia algo que ele simplesmente não conseguia dizer em voz alta.

    “…Porque são minhas emoções que estão me guiando.”

    Elas diziam para ir.

    Se fosse falar com o coração, Seol Jihu odiava ceder. Mais especificamente, ele passou a odiar a ideia de se acomodar depois de viver aquele sonho. Tudo por conta do vício em jogos.

    Ele sabia que era errado. Sabia que não devia fazer aquilo. Sabia que estava se destruindo. Mas mesmo assim, só mais uma vez. Só mais uma, e depois mais uma… Não foi exatamente assim que ele virou um desastre, comprometendo tudo com uma concessão atrás da outra?

    Agora era a mesma coisa. Ele sabia que não precisava ir. Sabia que já havia feito mais do que o suficiente. Sabia que, se continuasse avançando sem medir seus próprios limites, mais cedo ou mais tarde, acabaria se queimando feio.

    Mas Gula havia dito, não havia? Que mudar o futuro não era fácil. Que ele teria de enfrentar provações inimagináveis. Que precisaria superar seus próprios limites.

    Ele sentia, instintivamente. Sentia que, no momento em que começasse a pensar: ‘Será que não tá tudo bem recuar? Eu já fiz bastante. Ninguém vai me julgar, certo?’, estaria, mais uma vez, se acomodando.

    A primeira vez seria difícil. Mas depois disso, ficaria mais fácil. Se continuasse cedendo sempre que surgisse uma situação como essa, então… no fim, voltaria a ser como era antes. Esse pensamento se tornava cada vez mais forte em sua mente. Seria como traçar uma linha na areia e se recusar a cruzá-la.

    Por isso, Seol Jihu decidiu que nunca mais faria concessões consigo mesmo. Pelo menos, não com seus sentimentos.

    Como agora.

    — Eu não quero viver assim.

    Seol Jihu sorriu com leveza.

    — É o que eu acho.

    — …

    Agnes não parecia totalmente convencida. Mas não tentou dissuadi-lo por causa disso. No fim, fechou os olhos em silêncio e aceitou sua explicação.

    — …Entendo.

    Após um breve silêncio, ela continuou:

    — Se sua decisão está tomada a esse ponto, então não há mais nada que eu possa dizer.

    Ela falou num tom sério, antes de, de repente, levantar a blusa.

    Seol Jihu se assustou com o ato inesperado, completamente sem saber como reagir, mas logo franziu a testa. Apesar da carne nova que começava a se formar, a profundidade do ferimento nas costelas ainda deixava claro o quanto havia sido grave.

    — Eu não perdi a esperança nem quando a batalha começou.

    Agnes enfim voltou a falar, mostrando a cicatriz.

    — Vários Orcs mutantes avançaram contra nós, mas não foram oponentes difíceis.

    O tom dela era calmo demais para soar como uma desculpa. Não, ela apenas relatava os fatos com objetividade.

    — Posso afirmar com certeza que, durante o combate, não baixei a guarda nem por um instante. Estava com todos os sentidos atentos aos arredores.

    Sua voz baixou e ficou ainda mais contida, obrigando Seol Jihu a se concentrar ainda mais.

    — Mas, um único disparo.

    Agnes parou por ali.

    — …Um disparo?

    Seol Jihu repetiu, confuso.

    — É o melhor que consigo descrever.

    Agnes balançou a cabeça.

    — Ouvi algo parecido com um tiro. E, de repente, tudo diante dos meus olhos ficou ‘branco’. Quando recobrei os sentidos, havia um buraco nas minhas costelas.

    Ela apontou para o ferimento. Seol Jihu engoliu em seco.

    — Consegui me levantar graças à magia de cura lançada bem a tempo pela Sacerdotisa. Mas, mesmo com uma magia de cura colossal, o ferimento não pôde ser completamente tratado. Aquele ataque me fez sentir a aproximação da morte pela primeira vez em muito tempo.

    — Nem com uma magia colossal…?

    A Cura de Ferimentos Colossais, uma magia sagrada que simbolizava os Sacerdotes Chefes, uma das classes de alto nível dos curandeiros especializados. Era uma magia tão difícil que Maria havia desmaiado só de usá-la uma vez.

    Mas ela havia sido lançada logo após o ferimento, e mesmo assim não bastou? Era difícil de acreditar.

    Foi então que sons de agitação chamaram sua atenção. Feixes de luz intensa percorriam o chão, em volta de seus pés. Ian havia terminado de ativar o círculo mágico.

    — Parece que é hora de partir.

    Agnes abaixou lentamente a blusa.

    — Obrigado pelo conselho.

    — Por favor, não se esqueça. Fique atento ao atirador oculto.

    — Vou lembrar disso. E também… vejo você daqui a 30 minutos.

    Seol Jihu se despediu e se apressou. Pegou o escudo grande que lhe foi entregue e pisou no círculo brilhante.

    Logo, quatro Guerreiros e um Arqueiro, todos com escudos grandes, cercaram o Sacerdote e Seol Jihu à frente, atrás, à esquerda e à direita, formando uma formação de proteção. Ian se ergueu com dificuldade no centro do círculo.

    — Os preparativos estão completos. Vamos nos transferir em 50 segundos. Se quiserem dizer alguma coisa, este é o momento.

    — Ei, para de zicar e vamos logo com isso!

    Chohong gritou, impaciente.

    Mais pessoas se aproximaram do círculo para observar. Enquanto isso, Seol Jihu começou a contagem regressiva mental. Sem saber para onde olhar, acabou encarando Agnes. O olhar de preocupação dela, algo que ela se esforçava para esconder, curiosamente lhe transmitia conforto.

    “41, 42…”

    À medida que os 50 segundos se aproximavam, a luz do círculo mágico ficava cada vez mais intensa.

    “47, 48.”

    E, logo depois…

    “49, 50!”

    No exato instante em que terminou a contagem…

    Hwaaaahk!!

    O círculo mágico girou de repente, e o mundo pareceu girar junto. Várias vozes misturadas confundiram sua audição, e sua visão foi tomada por uma brancura total. Sentindo-se sendo sugado para algum lugar sem fim, lutou para não soltar o escudo.

    Até que, de repente, foi como se algo puxasse violentamente abaixo do umbigo, e então… tudo ficou escuro.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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