Índice de Capítulo

    Apenas um pequeno feixe de luz vinha das frestas dos muros enodados e úmidos. Barulho de botas vinha do corredor, até pararem frente à cela.

    Ouviu-se o barulho do cadeado destrancando-se e o ranger da porta.

    — Ghindrion — disse Tuly acompanhado de outros carniceiros. — A rainha solicita sua presença, vamos, levante-se.

    O Elfo, sentindo-se incomodado com a tocha nas mãos do guarda, desviou o olhar, espremendo a vista.

    — Vocês terão que me carregar… meus joelhos ainda não se recuperaram…

    Com um aceno de cabeça, Tuly autorizou que seus homens fossem até o alto, acorrentassem seus pulsos e o arrastassem para fora da cela. Ainda o tratavam como criminoso.

    Arrastaram-no por todo palácio, exibindo-o como um troféu, até que finalmente chegaram à sala da rainha, onde Ayla estava sentada em sua mesa e Brighid estava nos fundos, ajeitando a estante de livros.

    Sem cerimônia, retiraram as algemas dele e deixaram a sala.

    — Majestade… e…

    — Aquela é Brighid, a Santa de Valéria.

    Brighid se aproximou com um sorriso e Ghindrion desviou o olhar, envergonhado.

    “Pensei que a rainha fosse bonita, mas a Santa…”

    O corpo de Ghindrion começou a ser tomado por uma luz esverdeada, e seu corpo começou a se curar, todas suas feridas se fechando lentamente.

    — … Por quê? — indagou, curioso. — Somos inimigos, mas tiraram os meus grilhões e curaram o meu corpo… eu não entendo…

    — Você não é um idiota — disse Ayla empinando o nariz. — E eu diria que está assustado demais para tentar qualquer coisa.

    Ela se ergueu e pegou a espada embainhada escorada na mesa, apanhando-a e colocando na enorme mesa de carvalho, frente ao príncipe.

    — Você tem uma chance, garoto, pode apanhar essa espada e tentar escapar ferindo Brighid e a mim, ou prefere voltar pra sua cela e comer lavagem?

    Os olhos de Ayla não estavam mentindo, e um suor seco escorreu pela têmpora de Ghindrion enquanto ele tremia com a possibilidade, mas no fim, decidiu não tentar nada, desviando o olhar.

    — Muito bem, garoto, fez a escolha certa — Ayla se esticou e pegou a espada de volta, deixando-a ao seu lado. Ela havia conseguido drenar toda coragem do príncipe, mas Ghindrion não temia as artimanhas da rainha.

    A Santa de Valéria tinha algo tão singular além de sua beleza, seu jeito gentil era um contraste com a verdadeira essência de sua mana, algo que Ghindrion via com clareza, algo aterrorizante além da sua compreensão.

    Naquela sala, junto daquelas duas, ele se sentia sufocado, onde qualquer movimento abrupto poderia significar sua morte.

    — Senhora… por que estou aqui…?

    — Viu só… — zombou Ayla. — Até vira-latas como você podem ser adestrados.

    — …

    — Bem, você é sortudo, sabia? Eu já havia me decidido a mandar sua cabeça até seu pai, mas recebi ordens do meu marido para te manter vivo, na verdade, ele disse que você tinha duas escolhas.

    Suando frio, Ghindrion engoliu em seco.

    — Uma delas — Ayla ergueu o indicador. — É se juntar a nós, a outra, claro… é a morte. E então, o que será, garoto?

    — … Eu… agradeço a oferta do rei… mas… não trairei o meu povo. Desde que fui derrotado, aceitei o meu destino… estou pronto para o que decidirem para mim.

    Ayla abriu um sorriso de canto.

    — Leal até o fim, mesmo que sua lealdade seja a homens asquerosos. Louvável, eu diria, mas… Morwyna…

    Aquele nome capturou sua atenção, até mesmo seu semblante mudou por completo.

    — O que vocês fizeram com ela? — temor em sua voz.

    — Por enquanto, nada. Ela está com meu marido, o ajudando em uma missão. Sua irmã escolheu o lado dela, mas você, pelo visto…

    — E-estão com ela?

    — Seu raciocínio é lento, né? Ainda continuará leal aos Elfos Negros?

    Franzindo os lábios, ele desviou o olhar.

    — Vocês de Runyra… estão sempre um passo à frente, né? Certo. — Ele a encarou nos olhos. — Eu aceito, contanto que minha irmã continue viva…

    — Não precisa se preocupar, ela está segura com Colin, agora precisamos discutir outros termos. Você tem aliados entre os Elfos Negros? Alguém que nos passe informação interna?

    — Não… todos eles, até mesmo os nobres, são leais ao meu pai, duvido que eles fossem o trair…

    — Todos têm seu preço — Ayla abriu um sorriso de canto. — O seu foi sua irmã. Muitos homens de Runyra pereceram naquela batalha no Norte, se eu fosse você, não ficaria perambulando por aí. Levará algum tempo até que Runyra o perdoe. Designarei um servo para atendê-lo, e nem pense em me enganar, tudo que você faz aqui será reportado a mim, entendeu?

    Engolindo o seco, ele assentiu.

    — Entendi… senhora…

    — Ótimo, está dispensado, e mais uma coisa — Ayla jogou a espada nas mãos dele. — Um presente do seu rei.

    — Meu rei… Colin…?

    — Garoto esperto. Quando você descansar e se alimentar, será presenteado com a benção da Santa de Valéria. Não são todos que tem essa sorte. Também irá fazer um juramento, só assim confiaremos completamente em você.

    — Certo…

    — Pode ir, aproveite o palácio.

    Ghindrion caminhou para fora a passos cautelosos, era desconfortável ficar de costas para aquelas duas. Ele apertou a bainha, parando o tremor em suas mãos. Aquela sala era sufocante.

    Assim que ele deixou a sala, Ayla relaxou na poltrona, olhando para o teto.

    — Ainda preferia mandar a cabeça dele para o pai — disse.

    Brighid se sentou na poltrona do outro lado da mesa, de frente para a rainha.

    — Deixá-lo vivo é mais vantajoso. Se Milveg morrer, ele será ótimo para substituí-lo. Um novo rei, novas ideias… os Elfos Negros se tornariam abertos com outros povos e a hostilidade deles diminuiria.

    Ayla ergueu uma das sobrancelhas.

    — Andou estudando?

    — Não, só estou pensando de forma lógica. Deixando essa guerra de lado, precisamos testar nossa magia na ilha das fadas… e eu… preciso saber se eles estão todos bem…

    — Certo… eu já consegui a localização, podemos ir até lá amanhã se quisermos. As crianças estariam aos cuidados das servas, e coloco meu pandoriano para vigiá-los.

    Brighid abriu um sorriso gentil.

    — Seria ótimo!

    — Fazer uma ilha flutuar… é loucura só de imaginar…

    — Fazer flutuar é o mais fácil, precisamos preservar o ar, a atmosfera, a temperatura… essa é a parte complicada.

    Ayla deu de ombros.

    — Por isso, isso fica pra você. Não sou tão inteligente… cálculos mirabolantes e números não são a minha área. Prefiro passar a noite toda em claro planejando como derrubar um império.

    — Não precisa se preocupar, sua habilidade de refinar mana será de grande ajuda, na verdade, com ela, os cálculos mirabolantes não se tornam tão mirabolantes quanto pensa.

    Ayla assentiu com um sorriso.

    — Acho que estou ansiosa pra ver isso.

    — É, eu também.


    A sala do trono era um espetáculo de horrores que desafiava a própria noção de beleza.

    As paredes eram adornadas com tapeçarias tecidas com cabelos dos caídos, e o chão era um mosaico de unhas e dentes incrustados. No centro, erguia-se o trono de Ig’drolluuth, esculpido a partir dos ossos dos inimigos derrotados.

    Ig’drolluuth estava de olhos fechados, sentado em seu trono de ossos, a aura de poder emanando dele como uma névoa sombria. De repente, seus olhos se abriram, revelando o brilho de um predador, e um sorriso de canto se formou.

    — Meus generais estão mortos… — ele diz, sua voz tão fria quanto um túmulo.

    Rian, cuja lealdade era tão inabalável quanto sua curiosidade, ergueu as sobrancelhas e perguntou: — Foi ele?

    — Sim…mas ele não estava sozinho, havia uma mulher com ele. — Ig’drolluuth se levanta, a decisão em seu movimento tão definitiva quanto a morte. — Se ele os derrotou, então significa que ninguém que mandei irá servir, mas deve cansá-lo. Bem, vou me deitar com minhas seguidoras, quando eu terminar, eu mesmo irei caçá-lo.

    — Sim… senhor…


    Colin avançava pelo corredor cavernoso, um orbe de energia faiscante pulsando à sua frente. Morwyna permanecia atrás, encarando suas costas desnudas.

    Havia muitos cortes, cicatrizes que, mesmo com sua habilidade avançada de cura, estavam ali, marcadas.

    Seus pensamentos travessos às vezes a importunavam, mas o que restava era a preocupação.

    E se demônios mais poderosos aparecessem?

    E se ela acabasse desmaiando de novo e deixando Colin para se defender sozinho contra um oponente poderoso?

    — Desculpe…

    Colin a encarou por cima dos ombros. — Pelo quê?

    — Acabei desmaiando depois da minha luta… o senhor conseguiu vencer o demônio, mas… e se…

    — Está pensando demais — disse, a encarando com um sorriso gentil. — Fiz uma promessa a mim mesmo, quando Ultan caiu. Não vou mais perder, então não precisa se preocupar, deixe que eu faço isso. Preciso que sua mente continue limpa e longe de preocupações, entendeu?

    Ela engoliu em seco e desviou o olhar. Seu tom era tão gentil quanto autoritário.

    “Então… homens são assim?”

    — Desculpe, senhor…

    — Não precisa se desculpar sempre. Parece que chegamos a algum lugar.

    O espaço à frente se abriu. Árvores desconhecidas se erguiam, seus troncos retorcidos e folhas em tons de azul e prata.

    O teto era titanicamente alto, e no topo, cristais de mana cintilavam como estrelas, emitindo uma luz suave que banhava tudo abaixo.

    A grama era rala e, mais adiante, havia casas de madeira enfeitadas por musgos, suas janelas emitindo luzes tímidas.

    — Civilização? — ele murmurou.

    Ouviram o barulho de trote, e logo à frente, Elfos de pele azulada e portando lanças e espadas de cristais, estavam em cima de sapos e salamandras gigantes.

    Os olhos dos Elfos brilhavam em tons celestes, e suas expressões eram sérias.

    Morwyna foi para trás de Colin, colada a ele. O Elfo mais alto apontou a lança para o rei, que continuou inexpressivo.

    — São da superfície, não são? O que fazem aqui?

    Colin correu o olhar por cada um deles.

    — Vocês são… Elfos do mar?

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (3 votos)

    Nota