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    A luz se desfazia em feixes pálidos que dançavam como serpentes preguiçosas acima de nossas cabeças. Logo à frente, uma escadaria em espiral nos convidava a descer. Não havia volta agora…

    Sophia, Cratos e Hernán trocavam olhares carregados de tensão e expectativa. Eu respirei fundo, sentindo o peso da adaga em minha cintura e o eco silencioso da promessa que havia feito a mim mesma: encontrar Rose. Provar a Selene e a mim mesma que eu sou capaz de continuar seguindo em frente.

    Segurei a respiração por um momento, como quem se prepara para mergulhar em águas ainda mais profundas. E então dei o primeiro passo rumo ao segundo andar, onde os sussurros da Torre pareciam prometer que, quanto mais se desce ao abismo, mais difícil é voltar à luz.

    Ao pisarmos no segundo andar, percebi de imediato como o clima ali era diferente. Ainda havia aventureiros, mas bem menos do que no primeiro andar… e a maioria parecia completamente exausta. Alguns estavam jogados pelo chão, respirando com dificuldade, enquanto outros apenas fechavam os olhos como se buscassem desesperadamente de um momento de paz.

    O cenário também mudava. Saíamos das paredes frias e simples da entrada para algo que parecia um labirinto urbano: muros de alturas diferentes cortavam o espaço, com caminhos que subiam, desciam e se dobravam em curvas tortuosas. Tudo parecia um emaranhado sem sentido, e havia algo ali, algo invisível, que me fazia sentir observada. Como se a própria torre tivesse olhos e estivesse nos estudando.

    Avançamos com cuidado em direção ao centro do andar, onde logo avistamos uma cena curiosa: um grupo de aventureiros correndo como loucos atrás de uma criatura minúscula, que disparava pelo chão com uma velocidade absurda, ziguezagueando com uma facilidade que tornava inútil qualquer tentativa de alcançá-la.

    Vi Hernán franzir a testa e, sem pensar duas vezes, ele se aproximou de um dos aventureiros largados no chão; um homem de armadura leve, completamente encharcado de suor.

    — Ei, companheiro — disse Hernán, com aquele jeito meio despreocupado de sempre. — Qual é o desafio aqui?

    O homem levantou o olhar devagar, parecia mal conseguir respirar.

    — Eu acho que… a gente… tem que capturar aquela criaturinha maldita… — murmurou, apontando com a cabeça para o centro da confusão.

    Hernán deu um breve aceno em agradecimento e voltou para junto de nós. Nossos olhares se cruzaram, e sem trocar uma palavra, sabíamos que aquilo seria um problema.

    Seguimos até o centro e, de perto, ficou ainda mais evidente a dificuldade: os aventureiros corriam feito desesperados, mas a criatura era ridiculamente rápida, se esgueirando pelos caminhos como um raio.

    — Não custa nada tentar uma corridinha, né? — disse Hernán com um sorriso de canto de boca, antes de disparar atrás da criatura.

    Assistimos enquanto ele corria com tudo o que tinha, tentando cercá-la… e falhando de maneira humilhante. Em poucos segundos, ele parou, curvado, com as mãos nos joelhos, tentando recuperar o fôlego.

    Eu respirei fundo, cruzando os braços. Correr apenas não ia nos levar a lugar nenhum. Se quiséssemos mesmo passar desse andar, acredito que precisaríamos de mais do que velocidade: precisaríamos de inteligência.

    — Vamos pensar um pouco — falei, olhando para Hernán e os outros. — Se tentarmos como eles, vamos acabar iguais… exaustos e no chão. A gente precisa de um plano.

    Resolvemos fazer diferente dos outros. Enquanto a maioria dos aventureiros se lançava numa perseguição cega, nós nos afastamos para observar. A criatura era um borrão no meio daquele labirinto, mas mesmo na velocidade absurda em que se movia, comecei a notar um padrão: ela sempre desviava dos ataques no último instante, como se já soubesse para onde eles iriam, e então corria na direção oposta, buscando espaço livre. Era rápida, mas… previsível.

    — Se a gente só correr atrás, não vamos conseguir — comentei, mantendo os olhos nela. — Mas se cercarmos os caminhos e forçarmos ela para onde quisermos…

    Sophia sorriu de lado, já entendendo onde eu queria chegar. Hernán cruzou os braços e assentiu, e até Cratos, sério como sempre, deu um pequeno aceno de cabeça.

    Reunimo-nos em um dos cantos do labirinto improvisado e montei o plano ali mesmo.

    — Sophia, suas flechas podem guiar a direção dela — comecei, apontando para os caminhos abertos. — Mire para acertar perto dela, só para assustar e forçá-la a mudar de rota. Hernán, você consegue fazer crescer algumas plantas altas pelo caminho, certo? Pra atrapalhar a visão e os movimentos dela. E, Cratos… — olhei para ele, e pela primeira vez vi um leve brilho de empolgação em seu olhar — …quando a criatura estiver distraída, você usa seu poder pra impulsionar o corpo e agarrá-la.

    — Um plano direto. — Cratos falou com sua voz firme. — Gosto disso.

    — Vamos mostrar a eles como se faz — disse Sophia, já puxando uma flecha do arco.

    Tomamos nossas posições. Eu me preparei para correr atrás da criatura enquanto Sophia se posicionava em um ponto elevado para ter visão ampla. Hernán se ajoelhou ao lado de um dos caminhos e começou a murmurar baixinho, suas mãos tocando o chão. Pequenas moitas começaram a crescer em segundos, formando trechos de grama alta que pareciam naturais demais para terem surgido ali há pouco.

    O momento chegou. Quando a criatura passou disparada perto de nós, Sophia atirou a primeira flecha — ela atingiu o chão a poucos centímetros da criatura, e o estalo elétrico fez o bichinho guinar bruscamente para o lado. Eu me lancei atrás dela, sentindo o sangue pulsar nas têmporas.

    Corri o mais rápido que pude, mas era impossível igualar sua velocidade. Cada vez que achava que ia alcançar, ela disparava ainda mais rápido. Porém, com cada flecha de Sophia ziguezagueando à frente e as moitas altas crescendo nos lugares certos, fomos encurralando a criatura sem que ela percebesse.

    Quando vi que nos aproximávamos de um trecho íngreme, levantei a mão em sinal para os outros e gritei:

    — Agora!

    A criatura, focada apenas em mim, não notou o perigo. De dentro de uma das moitas altas, o chão explodiu em uma labareda e Cratos surgiu, avançando como um predador veloz, os músculos tensionados e uma aura de calor vibrando ao redor.

    Não havia para onde a criatura escapar. Em um movimento perfeito, Cratos estendeu os braços e agarrou a pequena criatura com força. Ela soltou um guincho agudo, o corpinho tremendo, e começou a brilhar intensamente em suas mãos.

    Corri até eles, e Hernán e Sophia também se aproximaram rapidamente. Nos entreolhamos, as respirações pesadas, os rostos iluminados pela luz que a criatura emitia.

    — Conseguimos… — murmurei, quase sem acreditar.

    — Que trabalho de equipe, hein? — disse Hernán, soltando uma risada abafada.

    — Foi perfeito. — Sophia acrescentou, limpando uma gota de suor da testa com as costas da mão.

    Alguns aventureiros que estavam assistindo se aproximaram, murmurando elogios e comentários surpresos. Um deles, um jovem de cabelo escuro e olhos arregalados, chegou a dizer:

    — Nunca vi ninguém capturar essa praga… Vocês foram incríveis!

    Sorri de leve, sentindo o orgulho aquecer meu peito. Pela primeira vez desde que entramos na torre, parecia que realmente pertencíamos àquele lugar.

    Mas então, algo estranho aconteceu. A luz que envolvia a criatura começou a se distorcer. A pequena forma desapareceu como poeira ao vento, e em seu lugar sobrou apenas um objeto metálico: um pedaço de chave, reluzindo como se tivesse acabado de ser forjado.

    Peguei o pedaço nas mãos, sentindo a textura fria do metal.

    — Uma chave… ou melhor, um pedaço dela — murmurei, olhando para os outros.

    — Parece que vamos ter que capturar mais dessas criaturinhas… — comentou Hernán, cruzando os braços e olhando em volta, onde as outras criaturas ainda corriam ou voavam no cenário.

    Cratos fechou a mão em punho e sorriu com confiança.

    — Então vamos terminar o serviço.

    Sophia, com um brilho determinado nos olhos, apenas disse:

    — Agora que entendemos como funciona… não vamos perder mais tempo.

    Eu apertei a chave contra o peito por um segundo, sentindo a excitação correr nas veias. O segundo andar da torre ainda não tinha terminado. E eu sabia que, a partir dali tudo só ficaria mais difícil.

    Sem perder tempo, viramos em direção ao céu artificial daquele andar. Lá, flutuando com movimentos suaves, uma segunda criatura brilhava em tons de azul pálido. Suas pequenas asas batiam rápido, sustentando seu voo numa leveza irritante.

    — Hora da próxima — disse Hernán, ainda animado com o sucesso anterior.

    — Vamos repetir o plano — sugeri, confiante. — Se funcionou uma vez…

    Nos reposicionamos rapidamente. Sophia preparou novas flechas de raio, Cratos se escondeu entre as moitas de Hernán e eu tomei impulso para perseguir, agora com os olhos atentos ao céu. A criatura parecia mais preguiçosa que a anterior, voando em círculos lentos, como se não tivesse pressa para ser capturada.

    Quando Sophia atirou a primeira flecha, a eletricidade cortou o ar em zigue-zague. A criatura deu um pulo assustado no ar e acelerou, começando a voar em linhas imprevisíveis. Eu corri abaixo dela, tentando manter o ritmo, com Sophia tentando prever a rota com suas flechas, guiando-a para uma armadilha como antes. Hernán até tentou erguer algumas plantas mais altas, na esperança de criar obstáculos verticais, mas…

    Não funcionava.

    A criatura simplesmente subia, desviava com facilidade e voava em qualquer direção que queria, como se estivesse zombando de nossos esforços. Cratos tentou surpreendê-la com outro avanço, mas o pequeno ser só deu uma pirueta graciosa e voou para longe, fora do alcance.

    Ofegante, diminuí o passo. Olhei para cima, irritada. A criatura estava muito mais tranquila do que nós.

    — Droga — murmurei, limpando o suor da testa. — Ela é diferente… Não adianta tentar cercar.

    — Tsc… — Cratos bufou, cruzando os braços. — No chão, podemos limitar a fuga. No céu… é ela quem manda.

    Hernán coçou a nuca, olhando ao redor. Alguns aventureiros tentavam laçá-la com cordas improvisadas, mas bastava a criatura mudar a direção num estalo para escapar, como se soubesse exatamente onde não podia ser tocada.

    Sophia abaixou o arco e disse:

    — Precisamos de outra abordagem. Cercar ela no ar é impossível com o que temos a disposição.

    Respirei fundo, forçando a mente a trabalhar. Não podíamos agir como fizemos antes. A torre não permitiria que fosse tão fácil.

    — Talvez se conseguíssemos cansá-la — sugeri, meio pensando em voz alta. — Ou atrair ela para um espaço fechado…

    — Um lugar onde ela não possa subir tanto — completou Hernán, já buscando com os olhos alguma estrutura mais alta do andar.

    Mas antes que pudéssemos bolar um novo plano, Cratos falou de forma seca, olhando para o alto com um meio sorriso.

    — E eu achando que ia ser fácil… — ele murmurou, como se falasse consigo mesmo. Depois, virou-se para nós e completou, com uma expressão sombria: — Esqueci que estamos em uma Torre do Abismo…

    As palavras dele pairaram no ar, pesadas, nos lembrando de onde estávamos e do que havíamos decidido enfrentar.

    Olhei para a criatura voadora novamente, ainda rodopiando acima de nossas cabeças como um desafio silencioso. Não seria simples. Nada na torre seria.

    Mas precisaria mais do que isso se quisesse nos parar.

    Fim do Capítulo 28: Segundo Andar – Um Jogo de Caça.

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