Capítulo 063 - Antigos preconceitos!
Capítulo 063 – Antigos preconceitos!
O som seco do corpo imóvel do ruivo fez todos os clérigos próximos chegarem até ele, tentando tratá-lo. As feridas estavam em uma situação horrível e o monarca não parava de sangrar. Imediatamente, todos foram afastados pelo sumo-sacerdote que havia acabado de alcançar o seu superior.
— Meu rei! — bradou Celérius ao visualizar a chegada, ele largou tudo que estava fazendo para atender o monarca.
A expressão do loiro com o manto claro ficou ainda mais surpresa quando ele sentiu que as forças vitais do rei estavam esvaindo. Se o representante do templo tivesse atrasado um pouco mais para fazer sua imposição de mãos e iniciar o tratamento, o bárbaro poderia ter morrido.
Com o seu mana branco, o homem conseguiu trazer a respiração amena do tribal, o que deixou não apenas ele com um pouco mais de calmaria, como todo mundo ao redor no acampamento.
— Como foi? — perguntou Celérius, que estava ansioso.
Ayel mal ergueu os olhos, sua voz estava rouca e arrastada.
— O Bruxo Negro… resolveu tudo.
As mãos do alto clérigo restauravam lentamente os músculos partidos, as costelas rachadas e os cortes abertos grudavam ambos os lados da pele, como se reconstituísse em uma velocidade abissal. O mana branco, quando imposto em cura, acelerava em semanas, talvez meses, a recuperação que um ser humano conseguia progredir.
O ruivo estava exausto, embora o toque curativo do clérigo tenha salvado sua vida, não poupou seu corpo de sentir a dor que estava sentindo, e ela continuava, com um pulsar latejante pelos seus ossos.
— Me deixa aqui, meio minutinho… — Alvorada murmurou, novamente de olhos fechados.
Dalila, que ainda estava em seu canto, com um pano úmido em sua testa, seguiu sem permissão até onde estava o monarca caído. Celérius a encarou como se ordenasse silenciosamente para que ela pudesse se afastar, não foi feito.
“É claro que ele sobreviveria… Teimoso como é”
Pensou a algoz.
Havia algumas jarras próximas, apoiadas em bancos improvisados de madeira envelhecida. Ela pegara uma caneca de barro e encheu. Pairando ao lado do corpo do tribal, estendeu um copo de água para o mesmo, que sequer conseguia vê-la, pois estava com a face afogada na relva.
— Então conseguiu sobreviver, hein? — dissera em um tom neutro, mas com os olhos suavizados pelo alívio de enxergar o homem respirando.
— Meu Deus… Quem é, hein? Estou cansado…
Ayel despertara com a voz, piscou devagar, observando o mundo que girava, quando finalmente fixou. Observou a mulher de pele caramelo, e a caneca de água tão perto que ele a via borrada.
— Ah… Você, Dalila, eu havia dito para fugir, custava obedecer?
A mulher com cabelos médios deu de ombros, sentando-se próximo do rosto do seu monarca.
— Ninguém iria te deixar morrer como um herói solitário, sabia? Se todos soubessem o que o Bruxo Negro poderia fazer, não deixariam nosso rei para trás.
Ela lançara um olhar direto, mas sem rispidez. Então continuou, mesmo com o ruivo estalando a língua.
— Além disso, pode ser um choque, Ayel, mas todos se preocupam honestamente com você, então, da próxima vez… Arranja a porra de um plano melhor.
Entre a conversa de ambos, existiam os gemidos de dores dos soldados e as orações sussurradas no relento que eram escutadas. Havia os olhos do rei e da sua algoz, que se fitavam em um silêncio gigantesco.
Ayel custou, mas virara o seu corpo, permitindo que pudesse observar o céu encoberto e a mulher de pele caramelo, havia um aroma presente dos bálsamos curativos.
O monarca bufou com uma certa leveza, balançava negativamente a cabeça, como se estivesse mostrando de forma externa um diálogo que havia feito consigo mentalmente.
— Eu acabei me arriscando por mais tempo por conta de vocês, também. — murmurou.
Ele erguera os braços a ponto de que seus olhos o alcançassem, observava onde havia uma infinidade de lacerações e cortes abertos, que haviam transmutado em singelas cicatrizes pálidas. Como se fossem de batalhas muito antigas.
— Obrigado, Celérius.
Era a magia do templo, o poder divino. O arcebispo loiro estava erguido com um rosto de orgulho, ele observava a interação dos dois, aguardando qualquer ordem que poderia chegar vinda do ruivo.
— Entenda… — O tribal continuava seu discurso, encarando a mulher com as katares na cintura. — Nós, bárbaros, nascemos na guerra e sempre caímos nela. Não espero que os que me seguem compartilhem da mesma sina… Aprenda isso, garota.
Dalila erguera uma sobrancelha, cruzando levemente os braços diante do peito sem que o copo caísse. A firmeza na sua postura custava a sumir.
— Sim, claro que entendi. — respondeu secamente. — Mas uma coisa que você precisa aprender, Ayel, é que não é mais um bárbaro qualquer que vive em prol de saquear e destruir.
A tensão entre os dois progrediu, levemente, mas existia.
Era como se a relação deles fosse uma corda, que estava sendo esticada próxima a arrebentar.
— Você é o dono deste reino. Se você vive, o reino respira. Se você morre… ele sangra. Estamos nos mantendo unidos pela sua figura, e isso, goste ou não, é sua responsabilidade.
O monarca torceu o nariz, mas a algoz não parou:
— Resumindo para a sua cabeça dura entender: sua vida não é mais só sua desde que vestiu a coroa.
O rei suspirou com um peso imenso, revirara os olhos como um homem que escutava pela milésima vez o esporro de um tutor ancião.
— Você é irritante, sabia?
Dalila ignorou, enquanto isso, o líder clérigo que assistia à cena interveio com a sua delicadeza para com o monarca.
— Vossa majestade, talvez devesse erguer-se para poder repousar em um dos leitos adequados… Esse chão… — argumentava Celérius.
— Nah. — Interrompeu o tribal antes que o clérigo finalizasse a sua frase — Aqui está ótimo, obrigado.
— Então, se me permitir, majestade, irei verificar o estado dos outros membros do esquadrão. — dissera o alto sacerdote, curvando-se em uma reverência breve antes de afastar-se.
O rei conseguiu um respiro maior, estava se sentindo cansado, mas o corpo parecia se mover mais uma vez, sentou-se. Observou a caneca com água que a algoz ainda o oferecia e a pegou.
Bebia lentamente, em meio a suas respirações.
— O que aconteceu quando saímos? — indagou Dalila.
— Bruxo precisava lançar um feitiço… um que atingisse tudo, ao mesmo tempo, em todas as direções.
Alvorada então passou a beber mais calmamente, ainda estava com o rosto suado.
A lembrança do poder que ele visualizou o fez franzir a testa. Era como se ele ainda sentisse a pressão que a orbe exercia sobre ele e logo depois a explosão mágica causada pelo senhor de Nox.
— Ordenei que batessem em retirada, enquanto eu distraia o zumbi que segurava a orbe. Era essa a forma que pensamos do feitiço ser liberado sem que nenhum membro do reino fosse dilacerado junto.
— Você quase foi dilacerado, Bruxo Negro poderia ter te matado. — A mulher de pele de caramelo soltou um suspiro cansadíssimo. — Você tem algo contra viver, ou alguma coisa assim? Seria uma explicação bastante plausível pela forma como age…
O bárbaro riu, uma risada seca com um ar de ironia, cortada pela tosse da sua exaustão, ele voltou a si encarando a algoz.
— Tenho algo contra perder aliados de forma necessária. Talvez, nas bandas da sua guilda, as pessoas sejam mais… Substituíveis. Mas eu não vejo assim. — retrucou Ayel.
O tribal não conseguiu reunir mais forças para continuar sentado, após suas palavras, colocara a caneca de lado e deixou o peso do seu corpo desabar mais uma vez, batendo com as costas no chão frio.
— Não tenho energia para andar… Nem para respirar direito, que droga. — murmurou, encarando o céu. — Acho que nunca apanhei tanto.
A algoz havia começado a desmanchar o seu penteado, prestes a fazê-lo mais uma vez. Pausou os movimentos da mão ao escutar a última frase vinda do monarca, os seus olhos castanhos voltaram lentamente para o rei, e, mesmo depois de tudo. A sua rigidez fora substituída por uma preocupação deveras genuína.
— Ao menos está vivo. — dissera suavemente. — E por mais que eu odeie admitir, eu estou aliviada que esteja. E… gostaria de pedir que nunca mais me mande sair de qualquer luta.
O tribal tentara alcançar a mulher com os olhos, mas da forma que havia caído, não conseguia. Ainda assim, ele se dirigiu para onde acreditou que ela estava.
— Esquece. Se eu vir que você corre perigo, vou te tirar de cena. Goste ou não. Desista se acha que vou mudar esse aspecto, algoz.
Houve um momento de silêncio entre os dois. O bárbaro continuou depois dessa pausa.
— É assim que eu cuido, você não está fora disso, Dalila.
Mesmo com todo o seu preconceito para com aqueles de Maut Ka Mandir, Ayel não teria poupado esforços para auxiliar a garota de pele caramelo, quando a mesma havia caído do seu cavalo. Ambos perceberam isso como um ato de cuidado. Até porque, ela ainda era aquela mulher que dividiu risadas e boas bebidas com o monarca na Melusina Dançante.
— Saia quando eu disser para sair. Eu não vou morrer tão fácil assim. Coloque mais fé no seu rei. — Dissera Alvorada com esforço, ele espreguiçou-se erguendo os braços para o alto.
— Acho que você não entendeu… — disse ela depois de um suspiro. — Não era com o rei que eu estava preocupada, sim, com um companheiro de equipe, alguém que eu espero um dia poder chamar de amigo.
O ruivo se sentou novamente, a encarando com expressão cheia de ternura.
— Pode ser um choque para você, majestade, mas assim como você quer cuidar do seu povo, eu me sinto do mesmo jeito em relação ao grupo no qual eu fui inserida. Não vou desrespeitar nenhuma ordem sua… Mas algo como isso? Essa eu vou, sim, senhor. E quantas vezes forem necessárias, se for para garantir que a sua cabeça dure, não acabe caída no chão.
Ayel estalou a língua com desdém.
— Ah… Fazer o quê, então? — murmurou. — Estou cercado de suicidas…
— É claro que está — retrucou Dalila. — E você é o maior deles.
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