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    — A Capital sempre foi do mesmo jeito. – Humber fez questão de enfiar um pedaço de carne suculento na boca e mastigar umas dez vezes antes de engolir e continuar. – Quando você saiu de lá, quem era o Capitão dessa sua amiga Dalia?

    — Se me lembro bem, era… Sergi?

    — Sergi Viegal se tornou um Comandante? – Humber ficou um pouco surpreso. – Eu não imaginaria isso nem nos meus melhores sonhos. O Comando devia estar bem precário de gente inteligente pra ter colocado ele.

    — Todo mundo respeitava esse homem.

    — Claro que respeitavam. – O garfo acertou outro pedaço de carne. – A Capital sempre foi carente de bons lutadores, Dante. Nunca foi uma surpresa isso acontecer. Sempre tivemos muitas mentes brilhantes, mas nenhuma mão para fazer acontecer. Quando Sergi apareceu, ele mudou a estrutura disso.

    Dante nunca tinha ouvido muitas histórias da Capital. Se pegou sendo um ouvinte, mesmo com as risadas e berros ao seu redor.

    — A Capital tem três ramos importantes, Dante. O primeiro grupo são os Baleiros. Você disse que queria ser deles, e isso me deixou impressionado. Eles sempre governavam pelo ar, mas nunca chegaram a conclusão nenhuma. Eram um bando de lunáticos que queriam acreditar que não tinha problemas sair voando por ai atrás de novas cidades.

    — Meu pai disse que seria a forma mais fácil de me tornar alguém respeitado.

    Humber negou na hora.

    — É a pior ideia, na verdade. Sempre foram destratados porque são os que menos recebem dinheiro e também os que mais ficam tempo fora da Capital. Antigamente, era um preconceito muito grande sair da cidade.

    Dante ficou impressionado. Era exatamente igual ao Aquário Feudal, em Kappz.

    — Por que?

    — Eles não queriam acreditar que outras civilizações pudessem viver sem que fosse do jeito deles. – Humber abanou o garfo. – Uma besteira tão grande que nem mesmo tento entender. Mas, mudou com os anos, e conseguimos liberdade de criar vilarejos.

    — Sim, eu fui em alguns.

    — Bom, depois dos Baloeiros, vem a Base. Eles são completamente voltados para combate. Você usava o branco, pelo que entendi. – Ele pegou um pedaço de batata. Parou quando uma mulher passou do outro lado da mesa, o fitando. – Olha, tem problema se eu flertar com alguma delas depois?

    Dante soltou uma risada baixa.

    — Não. Continue a história.

    — Certo. – Ele ajeitou a postura. – A Base formava soldados para missões externas. Eles ficam responsáveis por praticamente qualquer ato ou pedido do Alto Escalão. Não é difícil de imaginar que depois de um tempo, quando ninguém mais tinha capacidade de lutar contra os Felroz, eles começaram a implementar uma rede de Comando. Dai veio o nome.

    — Então o Comando nada mais é uma resposta a falta de força da Capital contra os Felroz?

    — Praticamente. Eu era um dos poucos Comandantes da Base, mesmo sendo ordenado várias vezes a fazer parte do Comando. Eu tive que negar, Dante. Algumas coisas estão fora do meu controle, e uma delas é a forma como o Alto Escalão atua.

    Dante não fazia ideia. Ainda mais porque sempre teve um respeito enorme pela farda preta. Humber a usava, mas quando ele a segurou, soltou um suspiro.

    — Fiz o que pediram, mas não foi pela minha própria vontade. Nós temos que seguir ordens, seguir certos valores que não são nossos. E isso causa muito desconforto. Você disse que sua irmã era inteligente, então, eles devem ter colocado ela perto de algum Comandante bom. Os piores, como Sergi foram colocados com Havrox ou Fredo, aposto.

    — Não conheço esses – alegou Dante.

    Humber maneou a cabeça.

    — Aposto que não. Já eram velhos demais quando eu sai da Capital em busca de minérios. Alias, foi pra isso que sai. A Capital passava por um problema muito grande de falta de minério para continuar evoluindo e melhorando as nossas armas. – O garfo parou ao lado do prato. O copo veio a boca e ele tomou o rum devagar. – Foi por isso que vim para o oceano. Eles queriam alguém que conhecia pelo menos as rotas, e meu pai me ensinou. Eu fiquei alguns anos no mar dando notícias, mas quando entrei no Mundo Espelhado, perdi contato com eles.

    — Deve ter sido…

    — Não comece com isso, Dante. – No rosto do Comandante, o sorriso largo. – Não preciso me preocupar com isso porque você nos tirou daqui. E nos deu nossos navios de volta. Isso é mais do que eu poderia pedir.

    A Capital realmente tinha perdido um homem bom no dia que o Mundo Espelhado os engoliu. E pensar que quarenta anos atrás, eles sofriam de problemas tecnológicos.

    — Perdão.

    — Não precisa disso também. A Capital perdeu dois homens importantes. Minha saída deve ter causado problema para a Base, porque eles tinham um grande peso nas costas que eu aliviava. E pode ser que o Comando tenha pego boa parte dos Cadetes e Recrutas. Mas, você ter caído naquele portal não foi só acaso, foi destinado.

    Achando graça, Dante pegou a carne com um palito e enfiou na boca pela primeira vez.

    — Não acredito nisso. Muita gente sempre me falava que eu deveria acreditar que o destino me reservou tudo que venho passando, mas se eu fizer isso, não me sobra nada. Gosto de pensar que minhas ações têm feito mais do que eu mesmo.

    Humber o fitou de lado.

    — E o que seria você sem suas ações? Acredita no acaso na mesma força que desgosta do destino. Algumas coisas, como as que aconteceu ontem, não são apenas coincidência. Existe um limite até onde uma pessoa normal poderia ir, Dante. Precisa entender isso. Todos nós dentro desse navio não poderíamos ter feito o que você fez, consegue compreender?

    Como poderia? A vida toda sendo surrado não deixou rastros de uma vitória sequer em sua pele. Apenas adjetivos como ‘falha’ ou ‘erro’ eram mencionados por Render durante boa parte do seu treinamento.

    Dante não era somente um homem crescido e maduro, era sóbrio em entender que ele não era ninguém mais do que os outros.

    — Gosto de poder ouvir de um Comandante, mas não acredito nisso. As vezes, força vem de dentro. Eu acredito que sou forte, mas não sou mais do que você ou…

    — Ah, para. Esse papo de modéstia pra cima de mim, não.

    Era divertido conversar com Humber, ainda mais que ele não tinha filtro nenhum.

    — Estou falando a verdade, ora.

    — Dante – seu tom de voz foi sério. – No dia que você entender que sua habilidade é completamente diferente do que você acredita, que sua força é maior do que as dos outros e que suas ações movem mais do que só seu corpo pra frente, vai poder entender o que é ser forte. Força não tem a ver com golpes firmes ou precisos, tem a ver com conhecer a si.

    Eram palavras bonitas demais para absorver no meio do barulho e caos no convés do Nokia. Mas, Dante ficou em silêncio. No final das contas, ser forte era só ganhar batalhas? Se fosse, então, ele era um fracote que venceu apenas as mais recentes.

    E qual batalha era para ser vencida?

    — E outra coisa, Dante – continuou Humber olhando para o outro lado da mesa, onde uma mulher o espreitava, esperando. – A Capital não é flor que se cheire. Quando eu retornar, farei de tudo para que sua irmã fique em segurança.

    O Comandante se levantou com o copo.

    — Minha lealdade é eterna ao que fez a mim e meus homens – continuou Humber ainda fitando a mulher. – Se me der licença, eu tenho um assunto a tratar agora.

    Dante soltou uma risada e concordou.

    — Você tem toda licença do mundo.

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