Índice de Capítulo

    O principal portão de Kiescrone estava aberto, o que era raro de acontecer. Graças a extensão territorial tão imensa e suas muralhas imponentes, Kiescrone possuía mais de vinte portões por todos os lados.

    O portão principal, portanto, servia apenas para demonstração de poder; a entrada de famílias reais ou anúncios de alianças com o reino.

    Naquele dia se encontravam abertos por um único motivo: A Legião de Jane, as forças armadas de Alsuhindr, estavam chegando. Embora a maioria do exército já estivesse em território kiescroniano, a presença da princesa era um motivo ainda maior para o festival.

    A Legião de Jane foi recebida pelos generais de Marelia, que logo os guiaram até o castelo real. A rainha agiu antes do ex-marido, Pendaculos, que demorou meia hora para receber a legião.

    Até que entrassem no território do castelo Zal, nenhuma carruagem de Jeanne abriu as janelas. A princesa, então, passou despercebida pelos cidadães de Kiescrone. Assim, ninguém conseguiu identificar os generais e a Trupe de Ataque.

    Ao chegarem pacificamente nos campos do castelo Zal, somente a Trupe de Ataque e Jeanne foram convocados pela rainha.

    Moris ficou ansioso desde que soube da vinda de Theo; saber que o Jovem Mestre Lawrence estava bem foi um alívio para o Titã. Ziziel passeava de um lado para o outro no cômodo de espera, roendo as unhas e soando frio.

    Javier reclamou do comportamento de seu parceiro, mas foi hipócrita. Ele estava tão ansioso quando Moris, e embora estivesse sentado, sua perna tremia o tempo inteiro.

    — Por que se comportam dessa forma? — indagou rainha Marelia.

    — O filho do duque está vindo junto — respondeu Moris.

    — Eu sei.

    — Tudo isso para o filho de um duque? — zombou Mentraid, arrependendo-se no instante.

    Javier o encarou com superioridade e quase esmagou o general com sua intenção.

    — Este duque teria a capacidade de incinerar este domínio sem se importar com quem está do lado de quem. Logo, atente-se as suas palavras — repudiou Javier. — Rainha, tem certeza que esta criança é teu general? Está mais para um mordomo com liberdade.

    Mentraid cerrou os dentes.

    — Quer testar o ‘mordomo’, Titã?!

    — Ai, Senhor… — resmungou Marelia.

    Antes que Javier pudesse se levantar para iniciar uma confusão com o general, uma estaca de madeira bateu no corredor afora. As portas do cômodo se abriram e a bandeira de Kiescrone voo pelo ambiente; uma folha rasgada por um punhal e cravada numa pedra.

    — Os convidados de honra da rainha, nomeados como ‘Trupe de Ataque’, acompanhados pela princesa de Alsuhindr, Jeanne Monspeliart, apresentam-se perante Vossa Suprema Alteza!

    Anunciou o mordomo chefe.

    Jeanne se apresentou primeiro, tendo uma grande surpresa ao ver os dois titãs: suas presenças eram esmagadoras. Como se duas montanhas estivessem tentando esmagar as costas da pequena deusa. Ela não pôde fazer nada a não ser cumprimentar.

    — Sou Jeanne Monspeliart, princesa do Império Alsuhindr…

    — Sou Moris Ziziel, o Titã da Ira. É um prazer conhecê-la — apresentou-se.

    — Javier Gomez, o Titã dos Mares.

    Javier se apresentou como um tanto faz, ele não queria saber de Jane…

    Somente a preservação do estado físico e mental de uma pessoa era importante…

    Abaixo das bandeiras de Kiescrone, com passos profundos e estrondosos, diante os olhos dos dois Titãs ansiosos, ele surgiu; mas, a expectativa de ambos estava quebrada.

    Theo não estava com sua aparência antiga, afinal, se contar todo o tempo desde que chegaram no domínio, já fazia mais de um mês que os dois grupos tinham sido divididos.

    A cicatriz no rosto de Theo e seu olhar caído fizeram os Titãs vê-lo como outra pessoa. Ao perceber que todos estavam bem, e que estranharam sua expressão, Theo abriu um sorriso sincero e aliviado ao ver os dois Titãs.

    — Oi.

    ☽✪☾

    A Trupe de Ataque foi rapidamente dispensada, sendo enviados para seus cômodos específicos. Zypher e Kale os acompanharam por todo o castelo de Zal, restando apenas Theo, Selina e Jeanne na reunião com Marelia.

    — É bom revê-la, doce Jeanne. Quanto a vocês, é um prazer conhecê-los. Sou Marelia Zal, a rainha de Kiescrone. A legítima.

    — Sou Selina, recém-integrada como a quinta tenente de Alsuhindr.

    — Theo Caesar de Lawrence, vossa majestade.

    “Caesar? Ele decidiu usar o sobrenome imperial invés do intermediador?” ponderou Selina.

    — No entanto, gostaria que me chamasse de General Mason, ou Liam, em público.

    Theo notou a expressão de questionamento dos Titãs, então sentiu-se pressionado a explicar.

    — Acontece que recentemente, na minha última batalha, encontrei-me com Nik’Hael, um filho de Bvoyna. Ele tem cabelos brancos e olhos prateados, entretanto, estão sempre cobertos por asas etéreas, exceto caso ele os revele — explicou ao notar que Marelia nunca havia escutado aquele nome.

    — Nunca ouvimos essas características… — retrucou Marelia.

    — Eu temi por isso… Acontece que Nik’Hael me marcou como seu principal inimigo, e eu acabei revelando meu nome e aparência para ele durante a luta. Logo, a fim de evitar ser reconhecido pelos Emissários, decidi adotar o nome “Liam Mason” e em breve irei passar por um procedimento de mudança.

    — Entendo… Além das características, conseguiu mais alguma informação?

    Theo assentiu e olhou para os Titãs. Assim como ele, provavelmente os dois iriam ficar impressionados.

    — Sua personalidade não é novidade: um sádico e sociopata. Porém, seu poder é amedrontador… 

    Ele engoliu em seco.

    — Hael pode ver o futuro. Acontecimentos e, caso revele seu poder para terceiros, pode controlar o futuro das pessoas.

    Moris suspirou tenso, cerrando o punho.

    Javier, no entanto, não se surpreendeu com o poder, mas ficou preocupado com Theo.

    — Se você sabe desse fato, então quer dizer que…

    — O poder de Hael não faz efeito em mim. Ele alegou que não consegue prever um futuro em que eu faça parte, é como se uma luz o cegasse.

    — Isso significa que você também é um… — Marelia iniciou, mas ao encarar os olhos genuínos e brilhantes de Theo, a rainha cessou sua afirmação. — É ótimo que você não seja afetado. Temos uma carta na manga, sendo assim.

    — Fora isso, como você está, Jovem Mestre?

    Moris estava com uma cara abatida e preocupada, não se importando muito com as ameaças presentes. O Titã queria ter certeza do estado do Jovem Mestre Lawrence antes de agirem como generais de fato.

    — Estou bem. Fora meu físico dolorido, meu mental está em perfeito estado. E, por favor, Titãs, não me chamem de Jovem Mestre. Embora seja em outro mundo, agora eu sou um general e isso significa estar uma patente abaixo de vocês. Deveremos agir como iguais daqui para frente.

    Após pensarem em recusar, eles aceitaram. Ethan iria matá-los caso negassem uma forma de tratamento adequada a Theo.

    — Certo, general Mason.

    — Ótimo… Mason, com quem eu devo falar sobre nossa situação?

    — Comigo — afirmou Selina, repousando a mão no ombro de Theo. — Podemos discutir mais tarde, quando estivermos descansados.

    — Sim, sim. Vocês devem estar muito cansados. Princesa, vocês irão ficar no castelo ou na casa dos Mospeliart?

    — Castelo, né? — Jeanne buscou aprovação de Theo.

    — Não sei. Você quem conhece a região.

    — Castelo. Mas, irei à casa dos Mospeliart buscar algumas mudas de roupas. Irei providenciar algumas roupas para vocês também, então, provavelmente irei ficar o dia fora.

    — Beleza — retrucou Theo.

    — Mentraid, levem-nos para seus aposentos e certifiquem-se de que terão um descanso digno. Selina, assim que tiver descansada, procure-me.

    — Sim, Vossa Excelência.

    Por mais alguns minutos, Marelia buscou entender perfeitamente o que eles passaram nos últimos dias. Por um longo período, Theo esqueceu que ela era uma rainha…

    Ela não fazia questão de se impor, apenas conversava naturalmente, assim como uma mãe e seus filhos.

    ***

    Território da família Kov’s Nerai, Kiescrone

    Amira Nerai, a Jovem Dama da família Nerai, estava sentada em seu quarto esperando o novo guarda chegar. O quarto, no entanto, estava demasiadamente… devastado.

    O papel de parede, que representava um céu carmesim com nuvens deformadas, estava totalmente rasgado. As mobílias de madeira estavam quebradas; seus bonecos de pelúcia totalmente dilacerados; sangue pelos panos jogados no chão.

    Amira, uma menina jovem e de cabelos brancos amarrados, secos e duros, estava sentada na cama destruída abraçando um travesseiro. As pernas da Jovem Dama, assim como os antebraços, estavam totalmente enfaixados. Os olhos carmesim, afundados em olheiras, encaravam o chão perturbadoramente.

    — Não a insulte; não force intimidade; não a chame de Jovem Dama dos Nerai; não a obrigue ir a lugares, nem que seja para casa. Não… — O líder dos guardas Lovkei instruiu a Metcroy, enquanto caminhavam pelo corredor.

    Ao parar em frente a porta do quarto de Amira, Croy respirou.

    — Certo — concordou com os termos.

    Somente ao tocar delicadamente a porta, ela caiu como um pedaço de madeira e se estraçalhou no chão.

    Metcroy ficou incrédulo com a situação, mas se manteve calmo e entrou no quarto.

    — Senhorita Amira, este é seu novo guarda pessoal…

    — Manda ir embora. 

    — Rapaz… A menina é casca-grossa. — Metcroy zombou da situação, mas foi logo reprimido pelo líder dos Lovkei.

    — Senhorita, por favor, aceite-o…

    — Deixa comigo — disse Metcroy, estendendo a mão para interromper o líder.

    Calmamente, e evitando os pedaços de móveis e vidros no chão, ele caminhou até a jovem.

    “A ordem de Pendaculos foi clara: não machucar essa garota. Estou vendo que, mesmo se eu quisesse, não seria possível.”

    Metcroy analisou as ataduras pelo corpo da jovem.

    “A maldição de Prometeu…” ponderou. “Então, é disso que se trata. Ela se mutila e tenta se matar todos os dias, mas, sempre que o sol nasce, ela retorna a vida.”

    O tipo de depressão mais profunda… Amira se afogava na própria mente, devastando-se com seus pensamentos e ideologias distorcidas que a gastava cada dia mais de si própria.

    A garota que não se permitiu crescer; um corpo com alma que, todavia, não conseguia viver. Um corpo vivo e uma alma morta.

    Metcroy sorriu para aquela situação, concluindo um plano “perfeito” para derrubar a casa dos Kov’s Nerai.

    “Santificado seja Vós, a estrela mais brilhante.” entoou mentalmente, pedindo a benção de Bvoyna para que seu plano fosse concluído com êxito.

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