Capítulo 6: Duas Já É Demais!
Ouvi coisas caindo no chão.
Um barulho recheado do som das folhas, que logo gerou uma reação em cadeia de mesmos ruídos parecidos.
— An? O que você está fazendo!? — gritou o homem. — Saia daí!
Ele bateu o pé. Dessa vez, longe de qualquer uma de minhas pernas.
Apenas minha audição funcionava naquele momento. Logo após, batidas de lâmina.
— Olá de novo! — gritou a pessoa estranha.
Voz feminina, mas recheada da mais pura loucura. Era apenas isso que conseguia descrever de sua fala.
— Por que está aqui? — perguntou o homem.
O som da lâmina sendo repelida passou pelos meus ouvidos. Vários golpes foram tentados, só que dessa vez, pareciam surtir efeito naquela figura.
— Atacar os indefesos é engraçadinho pra você, é? Eu estava te procurando mesmo desde a última vez que você desapareceu no oeste — respondeu a mulher.
Mais golpes.
O homem hesitava, chegando a um ponto de arfar.
Parecia cansado.
Risadas sádicas foram jogadas para o ar. A mulher parecia estar se entretendo com uma luta da qual aquele verme estava se esforçando para ganhar.
Foi uma luta intensa; pelo menos, o que ouvi dela.
O som do chicote ao bater em um corpo e seus estalos no ar causaram grandes estragos, pelo que pude supor. Uma batalha totalmente imaginada por meu cérebro. Escutava com atenção.
Parecia que, com a falta de minha visão, meu sentido da audição havia sido apurado no mesmo instante. Talvez alguma de minhas bençãos estivesse fazendo esse trabalho? Não sei. Esses poderes ainda são muito confusos.
— Errou feio — bradou a mulher.
— Filha da p–
Seria a última vez que veria a voz daquele homem.
Uma frase interrompida por um engasgo, seguida por gemidos dolorosos de escutar.
Não duraram muito.
Escutei passos em minha direção, eles eram pesados.
O lugar que antes estava barulhento, agora era preenchido com o mais absoluto silêncio. Era amedrontador, até porque eu não estava enxergando direito. Minha visão voltava aos poucos, mas não era o suficiente para olhar tudo ao meu redor.
— Hehehe, te encontrei — disse a mulher. — Mas… você tá meio ruim.
Sua voz parecia mais perto agora, como se tivesse se agachado até mim. Naquele ponto, apenas a luz do sol era visível para meus olhos, ofuscando tudo que fosse diferente de raios solares.
Minha voz não saía. Tudo que pude fazer foi grunhir para concordar com sua fala.
— Você tá tão fofa quanto falaram… Consigo até perceber semelhanças. — Ela fechou meus olhos com sua mão suavemente. Logo após, riu. — Durma um pouco, mamãe.
Mãe…?
O que você quer dizer com isso?
São momentos em que eu desejava com toda a força ter meu corpo saudável.
Toda a minha visão escurecia. Estava perdendo minha consciência, sem saber o que iria acontecer comigo.
Sentia que estava em boas mãos, porém não sabia o porquê.
— Hmmnm…
Meus olhos se abriam lentamente.
Finalmente pude enxergar.
Meus olhos focaram nas grandes árvores que se estendiam até os céus. Um céu escuro e estrelado, como se eu pudesse esquecer de todas as preocupações que me rondavam.
Estava calmo.
Pássaros cantavam alegremente, mesmo na calada da noite. O vento soprava como nunca, sussurrando meu nome de maneira dócil.
Sentia um fogo que acalmava a alma.
Espera…
Fogo?
— Já acordou? — falou a mulher.
Levantei a parte superior do meu corpo.
— É um déjà vu? — murmurei.
Podia falar.
Minha voz não estava mais rouca e nem nada.
— É bem engraçada mesmo, como eles falaram.
— Eles… quem?
Tinha um corpo esbelto e parrudo. Músculos que eram evidenciados pela regata de gola alta que usava.
Uma familiaridade constante surgia em minha mente, martelando mais vezes a cada segundo. Suas mechas brancas em cabelos totalmente pretos eram como as…
Peguei meu cabelo, olhando para a mesma mecha que tinha surgido há muito tempo, porém não dei importância.
Era padrão aleatório para onde elas iam surgir, assim como nos meus.
— Duas setas em seu olho direito e uma no esquerdo…
— Por que você tá citando minha aparência? Tá pensando no quanto sou linda, é? Deve ser como se admirar no espelho — Ela estava mais perto do que parecia.
Descascava uma fruta com a faca, enquanto apoiava sua mão esquerda em seu joelho. Após tirar uma fatia, esfaqueou e apontou para mim.
— Toma — disse a mulher. Sinalizei em negação. — É laranja, não é veneno… Mas se você não quer, o que posso fazer?
Comeu a fatia.
Tentei movimentar minhas pernas, mas logo fui advertida com uma tosse por ela. Ainda não havia olhado o estrago que elas estavam.
Assim que olhei, pude ver várias hastes presas dentro da minha pele. Um padrão óbvio, mas assustador.
Meu corpo suava cada vez mais. Esse objeto dentro de minha carne era um novo método de tortura?
Ela vai começar a me torturar por informações?
Comecei a lacrimejar, pensando em tudo que poderia acontecer a partir daquele momento.
Acalme-se, corpo! Ela me salvou, é… Ela me salvou. Não vai acontecer nada aqui!
— O-oi? — disse. — O-o que é i-isso na minha p-perna?
— É um equipamento de proteção. Sabe como é, né? Evitar que reféns fujam — respondeu-me, comendo mais uma fatia.
Era ferro! Eu posso controlar.
Não vou me deixar por vencida. Ela bobeou em ter feito tudo isso justo com o elemento com o qual tenho afinidade!
Assim que tentei moldar o ferro, todos os meus esforços se mostraram em vão. Com toda a minha concentração, não conseguia nem tirar aquelas hastes de minha carne.
O metal apenas se mexia um pouco, antes de tomar a forma anterior.
— É uma brincadeira, relaxa aí — disse a mulher. — Isso que fiz na sua pele é só uma técnica de tratamento que me foi ensinada.
Chegou mais perto, se agachando ao meu lado.
— Suas duas pernas foram quebradas. Você tá passando por uns maus bocados. Não é mesmo, mãe?
— Por que você tá me chamando de mãe? Eu não lembro de ter feito uma filha… — Olhei para todo o seu corpo.
— Ah… Mas eu lhe procurei com tanto carinho. — Ela sentou ao meu lado, pegando um graveto. — Olha, foi mais ou menos assim: pegaram seu sangue, tocaram numa máquina, daí seus genes e blá blá blá.
— Que bela explicação… — Olhei para sua cara. Parecia que ela nem tinha entendido o que havia falado. — Você só tá repetindo o que ouviu…
— Eu sei que sou muito boa. Puxei esse lado inteligente de você.
— Não sou sua mãe.
— Que! Como não? Nossos cabelos são iguais! Olha, temos até as mesmas mechas brancas.
— Você é tão… musculosa. — Trisquei nos seus braços.
— Gostou? Fico feliz. Cuido muito bem deles desde que nasci — respondeu.
Um pequeno pássaro apareceu perto do acampamento, logo repousou sobre um tronco.
— Você tem um nome?
— Não. Nunca me deram. — Ela pegou a faca que estava cravada na terra. — Você quer me dar um?
— Um nome? — Parei para pensar um pouco. Não sou muito boa com nomes, mas se for para pensar em algum bonito… Já sei! — Ka…
Ela jogou a faca no pássaro em alta velocidade, acertando-o em cheio. A ave logo caiu para trás, morta.
— …rina. — Completei.
— Karina? Gostei! — Beijou minha cabeça.
— Como você sabe que é minha filha? Se bem que nada disso faz sentido…
Meus instintos falavam para acreditar nisso, porém, posso acreditar neles dessa vez?
Éramos quase idênticas.
— Eu não sei também! Quando olho para você, sinto um instinto aqui dentro falando que você é a mamãe — disse, abrindo um sorriso. Foi nesse momento que percebi a pequena separação de seus dentes.
Era muito fofo.
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