Capítulo 356: Encontro Antes da Hora
— Por que você quer que eu me junte a você nisso? — rosnou Glossário, com os olhos semicerrados. — Você sabe que colocar minha reputação e os meus homens em risco por um ataque frontal é suicídio. Onkotho pode ser logo ali, na divisa, mas aquela prisão tem centenas de guardas, e mais de uma dezena de navios podem surgir a qualquer momento. Atacar aquilo de frente… Bastardo, é uma das piores, se não a pior ideia que você já teve.
A luz do lustre pendurado balançava levemente com o movimento do navio, lançando sombras nas paredes da cabine. Era a única iluminação naquele ambiente fechado, criando um ar de tensão. Cloud e Sebastian estavam lado a lado, mesmo servindo a comandantes distintos. Braços cruzados, olhos firmes, esperavam pelo desenrolar do confronto entre os dois líderes.
— Onkotho já não é mais a fortaleza impenetrável que foi um dia — disse Bastardo com calma, girando lentamente o uísque no copo. — Muitos que tentaram decifrá-la acabaram soterrados pelas próprias ilusões. Mas eu… eu conheço aquela prisão melhor do que qualquer um nesta sala.
Glossário o encarou de lado, com visível desconfiança.
— Conhece como? A Marinha do Polar III é uma das mais brutais que existem. Eles lidam com Cultistas e Feiticeiros. Lembra das histórias? Dizem que sacrificaram mais de mil crianças para infundir Energia Cósmica na fundação daquela prisão.
— Eu conheço essas histórias tão bem quanto você — retrucou Bastardo, firme. — Mas não tenho medo de lendas inventadas por velhos para nos manter sob controle. — Ele pousou o copo com cuidado sobre o suporte de linho. — Tenho cinco navios prontos. Em dois dias, podem estar diante de Onkotho. Preciso encontrar a Pedra Solar. E você, Glossário, tem sido valioso nas traduções, nas rotas e nas entrelinhas que poucos sabem ler. Foi pra isso que o contratei.
— Sim, você me contratou. Mas isso… isso já saiu do escopo. Você queria Bulianto, e eu entreguei. Eliminei os dois que estavam no seu encalço, mas você falhou em capturar a Sinora e o Anão.
— Sei disso. Não finjo que foi um sucesso. Foi um desastre notório, se é o que quer ouvir. Guardo cada falha minha para que elas nunca se repitam. Mas temos que admitir… aquele velho comandante do Nokia é irritantemente persistente.
Glossário suspirou e retirou os óculos, massageando as têmporas com a ponta dos dedos.
— Irritante é pouco. Mas estou trabalhando em algo. Alguns Capitães e Comerciantes me procuraram. Disseram que o velho está tramando um conflito com o Rei do Oeste por causa de algumas Pedras Lunares.
Bastardo ergueu uma sobrancelha, atento.
— Pedras Lunares? Pra que ele quer isso?
— Não faço ideia. Mas um deles — o Convidado — relatou que o navio dele está completamente diferente. Maior. Mais bem armado. E, por algum motivo, ele está mirando os navios de Duncan.
— Duncan tem uma frota com quase trinta embarcações — murmurou Cloud, com o semblante carregado. — Se esse velho conseguiu acertar um golpe nele… então, é alguém com quem devemos nos preocupar.
Glossário observou o subordinado e depois lançou um olhar significativo para Bastardo.
— Você não contou isso a ninguém, contou?
— Não precisei — respondeu Bastardo com um meio sorriso.
Cloud lançou um olhar de um para o outro, depois se voltou para Sebastian, procurando respostas.
— Do que vocês estão falando?
— Duncan não é nosso aliado — esclareceu Glossário antes que outro respondesse. — Nunca foi. Ele dominava as Rotas D’água antes mesmo de você ouvir falar nelas. É um pioneiro. Fez estragos suficientes para virar lenda. Se ele está agora em rota de colisão com o velho… talvez devamos apenas assistir. Deixar que se destruam mutuamente.
— Ele também não é meu aliado — emendou Bastardo, com a voz mais firme. — Recusou-se a me encontrar semanas atrás, sem justificar o motivo. Mas duvido que tenha sido por medo da Rainha do Norte ou por suas embarcações estarem suprimidas. A verdade é que nós tomamos parte das mercadorias dele. Isso ele não perdoaria.
Cloud assentiu lentamente, recordando o ocorrido.
— Então, no fim das contas, Duncan não é aliado… nem inimigo.
Dante não forçava o Nokia a se mover mais do que o necessário. Estava calmo agora, navegando por um trecho ao norte onde o mar parecia suspirar, em vez de rugir. As águas ali eram mais brandas, o vento sussurrava ao invés de empurrar. Uma rota alternativa — fora o que Nekop dissera. E Pomodoro, ainda na primeira luz do dia, havia enviado um recado breve:
— Precisamos de aliados armados.
Dante ainda não tinha assimilado completamente a ideia de que, após recuperar Pierre e Nero, estariam agora no limiar de uma guerra contra o Rei do Oeste. Mas o chamado veio. Um segundo pedido de socorro, que Nekop recebeu um dia depois de deixarem o Mundo Espelhado.
— Ele quer vê-lo pessoalmente — disse o anão, sério.
E agora, Dante esperava. Olhava para o horizonte quando o navio surgiu, cortando as águas como uma lâmina sem pressa. Não era feito de madeira, nem mesmo de alguma liga comum. Era completamente forjado em ferro. Sem adornos, sem esculturas. O casco era grosso e largo, maior que o próprio Nokia em extensão, embora alguns metros mais baixo em altura. O detalhe mais estranho? Nenhum mastro. Nenhuma vela. Nenhuma corda. Apenas uma cabine branca erguida no topo, com janelas nos flancos e laterais lisas, sem aberturas visíveis para canhões.
Quanto mais se aproximava, mais Dante sentia como se aquele navio não pertencesse à mesma era. Ele era silencioso. Estranho. Como se não deslocasse água, mas flutuasse acima dela.
Quando a embarcação fez uma curva suave, os dois homens se viram com clareza pela primeira vez.
Do outro lado, na proa do navio de ferro, estava um homem grande, robusto, cabelos brancos cortados rente, uma expressão permanentemente azeda — como alguém que chupara um limão vencido. E no entanto, por mais que Dante quisesse ignorar, havia semelhanças. Não apenas na postura firme ou na presença imponente. Havia algo no rosto, nas feições rígidas e nos olhos que analisavam tudo, como se nada escapasse ao olhar.
— Por que você parece meu filho mais novo? — disse Duncan, quebrando o silêncio com a voz grave. — De qualquer forma, qualquer resposta que me der vai ser esquisita. Então, por favor, não responda. Não vim aqui pra isso.
Dante sorriu de canto.
— Se sou parecido com seu filho, então ele deve ser bonito.
Avançou com a mão estendida. Duncan a apertou com firmeza, sem hesitação.
— Parece que temos negócios pendentes. E prefiro resolvê-los sem pedras voando ou bastões quebrando cabeças.
Dante assentiu, mas seus olhos escaparam por um instante, observando novamente o colosso de ferro atrás do homem.
— Tudo bem… mas só se você me contar como fez essa aberração de ferro flutuar.
— Só se você me contar como conseguiu recuperar o Nokia. Temos um trato?
As mãos se soltaram ao mesmo tempo, com um respeito silencioso entre os dois.
— Não foi tão difícil quanto parece — disse Dante, com um leve desdém. — Tive que assaltar alguns portos, derrubar umas embarcações. Três delas, inclusive… eram suas, sabia?
Duncan assentiu devagar, sem demonstrar ressentimento.
— Fiquei sabendo. Mas também soube que esses navios estavam atacando comerciantes nas Rotas D’água. Fez o que precisava. Bem — ele olhou ao redor, analisando o convés do Nokia. — E então? Onde podemos conversar?
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