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    Quando Duncan pisou na cabine de Dante, seus olhos se estreitaram ainda mais. O lugar era surpreendentemente vasto, com paredes esticadas para além do que a estrutura externa sugeria, prateleiras ocupando todos os cantos e, pendendo do teto de madeira reforçada, um lustre enorme — um exagero quase impossível, mas ali estava, brilhando com imponência.

    Seus próprios navios jamais comportariam esse tipo de extravagância, mas Duncan não demonstrou surpresa. Pelo contrário, parecia exatamente o que esperava.

    — Bulianto fez um trabalho e tanto com esse navio — comentou, caminhando em direção à mesa rodeada por poltronas. Seus olhos pararam numa estante. — Olha só… os troféus dele.

    Aproximou-se de uma pequena estátua dourada de um homem com os dois braços esticados para trás.

    — Me lembro disso. Se não me engano, ele ganhou por participar de uma disputa contra a Rainha do Norte. Recebeu essa estátua de uma ilha governada por ela, mas que acabou jurando lealdade ao Leste depois. — Passou a mão na base do objeto, como se acariciasse uma memória distante, e o recolocou cuidadosamente.

    — Eu não conheço muito da história — disse Dante. — Ouço relatos dos meus homens, mas, para ser honesto, sei pouco sobre quem foi o verdadeiro Bulianto. Tive pouco tempo para entendê-lo… ou o que ele pretendia fazer nesse oceano.

    Sem demonstrar qualquer desconforto, Duncan se aproximou da mesa e analisou os mapas abertos e os livros marcados com tiras de couro. Balançou a cabeça, num gesto quase imperceptível de aprovação, e ergueu o olhar para Dante, que permanecia de pé, imóvel.

    — Aprecio os estudos, capitão Dante. Você não parece ser como aqueles idiotas… Kamitase, Filipinas… todos desesperados por um lugar ao lado dos novos Reis. — Seu tom era sério, mas soava com certa ironia. — Bulianto nunca se esforçou para estar no topo, mas também batalhava pouco para mudar as coisas. Tive um grande problema com ele por conta disso.

    Deu a volta na mesa e apontou para a poltrona de Dante.

    — Por favor. Vamos conversar como iguais. Não gosto dessa postura de estátua me observando.

    — Só estava deixando que admirasse o lugar — respondeu Dante, aproximando-se. Sentou-se, arrastando levemente a poltrona para frente. — Kamitase me procurou há um tempo. Estava atrás das Pedras Lunares, as mesmas que o Rei do Oeste busca… mas também parecem ser o alvo do Bastardo e do Glossário.

    — Esses dois são mais trabalhosos do que os outros. — Duncan inclinou a cabeça levemente. — Gostaria de dizer que não são perigosos, mas estaria mentindo. Bastardo… esse aí tem os piores objetivos que já ouvi. O problema é que esses objetivos mudam o tempo todo.

    — O que quer dizer?

    — Ele quer poder, isso é claro. Mas a forma como pretende alcançar esse poder… muda cada vez que alguém conta. Sempre que sentei à mesma mesa que ele, notei aquele olhar distante. Muito distante. E isso sempre me incomodou. — Duncan respirou fundo, como se revivendo a sensação. — Já tentei buscar registros sobre ele, sabia?

    Dante se surpreendeu. Duncan não se parecia em nada com o que Nekop ou os Vanguardistas haviam descrito. Havia algo sereno nele — e essa serenidade, dentro do navio de um possível inimigo, era o que mais inquietava Dante.

    Duncan não era retraído, nem inseguro. Percorria o ambiente com os olhos calmos, batendo o dedo suavemente na madeira da mesa, avaliando sua textura como se fosse o próprio dono da embarcação. Dante sorriu, involuntariamente. Duncan percebeu.

    — Algo engraçado?

    — Estava imaginando o que você deve ter passado para ter toda essa tranquilidade.

    Duncan deu de ombros.

    — Quando se é um homem de negócios, todos os problemas possíveis acontecem. Muitos querem minha cabeça… mas muitos também precisam de mim para continuar respirando. — Sorriu de leve, balançando o dedo. — Aqueles comerciantes que você salvou… os dos navios falsos com meu nome… todos falaram sobre seu navio fantasma.

    — Foi uma ação da qual muitos ainda se envergonham. Atacamos sem aviso.

    — Besteira pensar assim. Você fez o que era preciso para manter seus homens vivos. Isso é inegável. — Ele voltou a olhar adiante. — Bastardo faz o mesmo. É por isso que ainda está navegando.

    — Ainda? Achei que fosse relativamente novo nos mares.

    Duncan fez uma pausa. Não por falta de palavras, mas para deixar o silêncio pesar.

    — Dante, eu não sei de onde você veio ou o que quer nesse oceano. Mas você assumiu o pior navio que poderia. A história de Bulianto tem camadas demais. Ele não representa só um nome… é uma cultura. Aprendi isso vendo ele comandar. E, acredite, tive tanto o prazer quanto o desprazer de conhecê-lo.

    — E o Bastardo? O que descobriu sobre ele? — Dante apoiou o cotovelo no braço da poltrona.

    — Nada. Absolutamente nada. É um fantasma. Ninguém conhece esse nome. Ninguém sabe de onde veio. Só sabemos que surgiu há cerca de quinze anos, como um meteoro. A Rainha do Norte teve problemas com ele na primeira semana: o desgraçado invadiu um dos navios mais perigosos da época e cortou a garganta da comandante. Ele se mete nos maiores problemas possíveis… se a solução parece simples. Já enfrentou o Rei do Oeste — e saiu empatado. Depois, foi contra a Rainha do Sul. No fim, Bulianto colheu o que plantou.

    — Então Bulianto o conhecia?

    Duncan moveu a cabeça, mas não confirmou.

    — Essa é a parte da história que não consegui entender. Bulianto sempre foi honesto e forte, mas Bastardo… fez algo que o forçou a deixá-lo para morrer numa ilha. Mas o Bastardo não morre.

    — É só uma questão de ângulo. Uma espada bem cravada…

    — Não, não entendeu. Essa foi a informação que Bulianto me passou antes de morrer. A habilidade do Bastardo envolve regeneração. Ele não teve tempo de explicar completamente. — Duncan apontou para Dante. — Mas você conseguiu fazer ele recuar.

    — Não venci.

    Duncan riu.

    — Ele enfrentou os quatro grandes líderes desses mares e saiu vivo. Tem fama de excelente espadachim… e de um maldito estrategista. Mas você… você o enfrentou e o fez recuar. E sem o Anão.

    — Isso eu fiz. Mas, sinceramente, ele não é tão bom quanto pensa.

    Desta vez, Duncan não sorriu.

    — Se quer mesmo sobreviver ao que está prestes a enfrentar, vai precisar mais do que subestimar seu inimigo. Vim aqui com um propósito. Quero algo que o Bastardo possui.

    — Deixe-me adivinhar — disse Dante, coçando o queixo, deliberadamente lento. — Uma Pedra Solar.

    — Exato — a voz de Duncan se elevou, mas sem agressividade. — Estarei ao seu lado em Onkotho, mas quero que entenda: essas pedras são extremamente poderosas. Bastardo está obcecado por elas. E sabe que Gladius, um antigo colega de Bulianto, ainda pode estar envolvido.

    Dante se afundou um pouco mais na poltrona. O plano parecia ousado demais. Gladius? Onkotho? Seria um tiro no escuro, baseado apenas em uma lealdade antiga? Mas Duncan não precisava saber o que ele pensava.

    — Quantos navios você pode colocar lá?

    — Dez, por enquanto. Poderia tentar mais cinco, mas chegariam tarde. Não sei se posso confiar neles para algo assim. — Duncan o fitou com intensidade. — E então? O que acha?

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