Capítulo 63: Maturação Tecnológica

— Eu… fui comprada para prolongar a vida de outra pessoa?

Shae estava completamente incrédula.

Ouvir essa confissão de seu ‘pai’ teve um impacto muito maior do que qualquer coisa que Adam poderia ter dito. Afinal, no coração de Shae, Lincoln era família, alguém com quem ela havia convivido a vida toda.

Se tudo o que ele dizia fosse verdade, então toda a vida de Shae teria sido uma grande mentira.

— Como isso é possível? — gritou Shae, ainda se recusando a acreditar no que ouvia. — O que é essa tal fazenda de humanos? E por que eu ainda sou eu?

— Eu também não sei o que é a fazenda de humanos. Nunca estive lá. Só sei que é um lugar onde adaptadores são fabricados. Na época, a condição do meu pai estava piorando rapidamente, e justamente quando surgiu a tecnologia de instalação de persona no mercado negro, você foi comprada como um novo receptáculo.

— Então por que eu não mudei em nada?

— Isso aconteceu há quase vinte anos, e naquela época, a tecnologia não era tão avançada quanto é hoje — contou Lincoln. — Na época, a tecnologia de instalação de persona era muito recente e só estava disponível no mercado negro. Tudo o que se sabia era que era possível instalar a persona de alguém no corpo de um adaptador, e havia rumores de que quanto menos memórias o adaptador tivesse, mais fácil seria o processo. Foi por isso que decidimos comprar um bebê. Apesar de a instalação ter falhado, a persona do meu pai acabou se fundindo com a sua… com a sua personalidade no controle, e a dele como um parasita.

— Por quê? — Shae perguntou enquanto seu corpo tremia de emoção intensa.

— Porque, na hora da instalação, você era jovem demais. Os neurônios do seu cérebro não conseguiram suportar o choque de receber uma persona inteira de uma vez. Como resultado, a maior parte da persona do meu pai foi destruída. Naquela época, a tecnologia de instalação de persona mal havia nascido, era muito incompleta, e quase não havia experiência acumulada na área. Mais tarde, descobriu-se que a taxa de sucesso era muito maior quando a instalação era feita em adaptadores adultos… mas isso só veio à tona cerca de quinze anos depois do ocorrido.

Lincoln falava com um tom nostálgico, mas ao mesmo tempo não se esquecia de tentar justificar suas próprias ações.

— Não me odeie, Shae. Há vinte anos, a palavra do meu pai era absoluta na família. Ele era como um ditador, e eu não tinha o direito de me opor. Foi ele quem cuidou de tudo depois de descobrir a doença terminal. Nós éramos apenas cúmplices. Não… eu nem chamaria de cúmplices, só sabíamos o que ele estava fazendo, e foi esse o nosso nível de envolvimento. Eu fui bom com você todos esses anos, não fui?

As palavras de Lincoln pareceram despertar alguma memória na mente de Shae. Ela havia vivido uma mentira durante toda a vida, e aquela revelação chocante era demais para suportar. Como resultado, sua dor de cabeça voltou com força total.

As dores de cabeça crônicas de Shae eram extremamente severas, e agora ela finalmente conhecia a origem de sua condição.

Os danos cerebrais que havia sofrido quando bebê, somados à persona parasita anexada à sua, eram o motivo de sua condição ser incurável.

Ela se encolheu, e a dor lancinante em sua cabeça consumiu tudo ao seu redor, deixando-a incapaz de fazer qualquer coisa além de gritar de agonia.

Adam não pôde deixar de suspirar com compaixão ao ver o sofrimento de Shae.

Ele sempre pensou que a persona de Shae fosse dela mesma, ou pertencesse ao antigo chefe da Família Kim… mas, para sua surpresa, a verdade era muito mais estranha.

“Pobrezinha.”

Adam se agachou ao lado de Shae e procurou os analgésicos que ela sempre carregava consigo. Pessoas como ela, que sofriam de dor crônica, certamente andavam com remédio o tempo todo.

Depois de ajudá-la a tomar o medicamento, o segundo no comando encerrou a chamada de vídeo.

Adam não se importava com o que fariam com Lincoln, mas não queria que Shae morresse.

— Deixa ela comigo — disse Adam ao feiticeiro.

— Não me importa. Só cuide para que ela não saia por aí dizendo coisas que não devia. Se não conseguir calar a boca dela, você não vai conseguir protegê-la nem mesmo sendo membro da nossa organização.

Com isso, o feiticeiro partiu, deixando apenas Adam e Shae para trás.

Adam desamarrou Shae, e ela foi gradualmente voltando a si à medida que o analgésico fazia efeito.

Depois de recobrar a consciência, Shae encarou Adam e, pela primeira vez, não fez nenhum comentário sarcástico.

Somente após cerca de dez minutos de silêncio foi que Shae finalmente disse algo.

— A fazenda de humanos realmente existe?

— Existe. Nós dois nascemos lá. Aquele lugar é cheio de úteros artificiais e cuidadores robóticos. Talvez sejamos irmãos biológicos porque usaram o esperma e os óvulos do mesmo casal para criar nós dois, ou talvez só compartilhamos o mesmo pai, vai saber? Eu não sei os detalhes exatos — explicou Adam. — Se você não acredita em mim, pode olhar dentro do meu mundo psíquico. Tenho uma memória da fazenda de humanos que você pode ver. Você também é uma adaptadora, então deve ser capaz de perceber se a memória é só um delírio meu ou se mostra um lugar real.

— Você já esteve na fazenda de humanos?

— Eu não, mas a filha do Porco Desvairado já esteve. E por acaso, acabei descobrindo tudo isso enquanto tratava um distúrbio mental do qual ela sofria. Entra no meu mundo psíquico e dá uma olhada. Tenho certeza de que isso vai acabar com muitas das suas dúvidas.

Adam abaixou suas defesas psíquicas para o mundo externo enquanto falava, e, após um momento de hesitação, Shae invadiu seu mundo psíquico.

Em seguida, Adam a levou até a fazenda de humanos, onde ela viu as abelhas cuidadoras mecânicas, os moedores de carne e os incontáveis úteros artificiais que se estendiam até onde a vista alcançava.

Dentro de cada um daqueles úteros havia um bebê, e mais de 99,9% desses bebês estavam destinados a servir de alimento para o moedor de carne.

Ao sair da fazenda de humanos, Shae vomitou violentamente.

Quando ergueu a cabeça de novo, havia um olhar de determinação resoluta em seus olhos.

— Você quer descobrir a verdade? Eu vou te ajudar.

— Seria ótimo — respondeu Adam, assentindo.

No dia seguinte, a queda da Família Kim apareceu nas manchetes.

Sob circunstâncias normais, uma notícia sobre um ataque a uma família poderosa certamente teria sido o destaque dos noticiários. Mas, devido ao surto de mutantes psíquicos, a sociedade estava em completo caos. Assassinatos e homicídios ocorriam constantemente, alguns cometidos por mutantes psíquicos, outros por pessoas comuns aproveitando o caos para dar vazão aos próprios impulsos homicidas.

Em contraste com um incidente que resultara na morte de mais de mil pessoas e fora confirmado como um ataque terrorista, o desaparecimento de uma família rica mal era digno de nota. No mínimo, ninguém entre o público geral se importava com o bem-estar da Família Kim.

Por isso, mesmo que a queda da Família Kim tivesse sido noticiada, não causou grande comoção.

O único lugar onde essa notícia teve algum impacto foi na Academia Layton.

Mais especificamente, o impacto se aplicava apenas aos estudantes mais novos da Academia Layton. A maioria desses alunos mais jovens havia sido vítima de bullying por parte de Shae no passado, e muitos não conseguiam evitar zombar dela agora que tinha sido atingida pela desgraça.

— Ahem… Ouvi dizer que sua família foi atacada por mutantes psíquicos. Minhas condolências.

Na superfície, isso parecia uma declaração de solidariedade bastante comum, mas quando dita por alguém com claras más intenções e um sorriso malicioso no rosto, o tom consolatório imediatamente se tornava provocativo.

— Vai se foder!

O pavio de Shae continuava tão curto quanto sempre, e ela imediatamente invadiu o mundo psíquico do estudante mais novo antes de aplicar uma surra brutal ali dentro.

No entanto, desta vez, a situação era um pouco diferente das anteriores.