Capítulo 2 – Máscaras
Conto: Andrew Oscar
Em 1982, Cristopher partiu para as Malvinas, arrastado pela guerra que o país travava contra a Argentina. Em 16 de maio daquele ano, Sarah perdeu o pai no conflito, e Andrew perdeu seu melhor amigo. O rifle, símbolo de uma batalha sem fim, foi enterrado no lugar dos restos mortais que nunca foram encontrados.
Era fim de tarde, a luz alaranjada entrava pela janela. Sarah estava sentada na varanda, com os olhos vermelhos. Andrew se aproxima, hesitante.
— Ele me prometeu que voltaria. Disse que ainda tinha que me ensinar a pescar direito…
Sarah não o encarou, apenas continuou olhando o horizonte.
— Meu pai fazia muitas promessas. Algumas ele não conseguiu cumprir…
Andrew sentou-se ao lado dela, e após um breve silêncio:
— Você sabe que ele foi… ele foi um herói, não sabe?
— Preferia que ele tivesse sido só meu pai. — Sarah engoliu em seco, como quem segura uma dor que insiste em escapar. — Heróis morrem. Pais… deveriam voltar pra casa.
— Eu… eu sinto muito, Sarah. Eu daria qualquer coisa pra estar no lugar dele. Juro por Deus. — Disse Andrew cabisbaixo.
Sarah virou-se para ele, os olhos marejados.
— Não diga isso. Não é justo. Você não tem que carregar a culpa de ninguém.
— Só queria carregar sua dor. Me dói te ver sofrendo sozinha.
Sarah fechou os olhos e inspirou fundo.
— Você não precisa fazer nada. Só… fica aqui comigo, por favor… Ficar em silêncio com alguém já é mais do que eu tive nos últimos dias.
Eles ficaram alguns segundos em silêncio. O vento soprava devagar. Com atenção, era possível ouvir o som das folhas dançando lá fora.
— Eu vou te proteger, Sarah. Até meu último dia — murmurou ele, mais para si mesmo do que para ela.
— Então… cumpre essa promessa. Ele vai gostar de saber que alguém ficou pra cuidar de mim.
Três anos se passaram. Em 1985, aos quinze anos, Edward usou sua influência para que Andrew iniciasse os estudos em medicina. Uma onda de orgulho e alívio tomou conta dele. Pela primeira vez, sentiu que o pai, um homem devotado ao trabalho, finalmente notara seus esforços e estava disposto a reconhecê-los.
Tomado pela alegria, Andrew correu até a casa de Sarah para compartilhar a novidade.
Chamou-a até um campo tranquilo nos arredores da cidade. Sentaram-se sob uma árvore. O vento suave brincava com os cabelos dela. Ele olhava o horizonte, inquieto, até que enfim rompeu o silêncio:
— Recebi uma carta ontem. Fui aceito em Londres… no curso de medicina.
— Andrew… isso é incrível. Você sempre quis isso. Eu tô… tô muito feliz por você. — Sarah sorriu, mas havia algo contido naquele gesto.
Andrew notou. Aquilo não era alegria plena. Era um sorriso triste.
— Mas?
— Mas são cinco anos. Cinco anos longe. E eu… não sei se estou pronta pra isso. — Disse ela cabisbaixo.
Andrew se aproximou com delicadeza.
— Eu também tenho medo. Mas essa chance… é tudo que meu pai sempre quis pra mim. E agora… é tudo que eu quero. Por mim. Por ele. Talvez, se eu conseguir deixá-lo orgulhoso, consiga finalmente fazer as pazes com ele.
— Você sabe o que você é pra mim, depois que meu pai morreu? Você… é o que me mantem de pé. Todos os dias. E agora… você vai embora.
Andrew segurou suas mãos com carinho.
— Não, Sarah. Eu não vou te deixar. Só… preciso ir por um tempo. Mas quando eu voltar…
Ele se levantou e se ajoelhou diante dela. Os olhos marejados. O sorriso trêmulo, apaixonado.
— …quando eu voltar, quero que você seja minha para sempre. Quero acordar ao seu lado, dividir meus sonhos, meus medos. Crescer com você. Viver com você. Sarah… você é minha alma gêmea, minha melhor amiga, meu tudo. Sem você, minha vida não faz sentido. Você aceita ser minha esposa?
Sarah levou a mão à boca, surpresa. As lágrimas caíram antes mesmo da resposta. Mas o sorriso veio primeiro.
— Sim. Sim, Andrew. Eu esperei tanto pra ouvir isso…
Os anos passaram como as estações: silenciosos, inevitáveis e belos.
Andrew e Sarah se casaram em uma cerimônia simples, mas repleta de significado. Partiram para Londres carregando sonhos e promessas no coração.
Lá, Sarah conquistou uma bolsa na renomada London School of Economics. Seus dias foram marcados por estudos intensos e noites em claro, mas ela jamais perdeu o brilho nos olhos nem a paixão por aprender.
Formou-se com honra em Economia, Ciência Política e História, e logo seu nome começou a ecoar entre os corredores da academia. Seus artigos, publicados com regularidade, foram recebidos com entusiasmo pela comunidade científica, revelando uma mente brilhante, crítica e apaixonada pela verdade.
Sarah era mais que uma mulher de sucesso. Tornou-se uma referência. E, ao seu lado, Andrew se sentia o homem mais sortudo do mundo.
Ele admirava sua inteligência, sua determinação, e era profundamente grato por tê-la ao seu lado. No entanto, com o tempo, algo mudou. Após consolidar sua carreira como historiadora, Sarah passou a mostrar um lado mais reservado. Tornou-se enigmática, especialmente quando o assunto era seu trabalho.
Numa noite chuvosa, sentaram-se juntos no sofá da sala. O som da chuva fina contra a janela preenchia o silêncio. Cada um com uma xícara de chá em mãos.
— Nunca te perguntei isso direito… mas por que você escolheu essa carreira? Economia, ciência política, história… não é exatamente comum.
Sarah desviou o olhar, como se ponderasse a resposta.
— Às vezes… não escolhemos. Somos chamados.
— Como assim? — perguntou Andrew, confuso.
— Há coisas que eu ainda não posso te contar, amor. Não é falta de confiança… é que nem eu entendo tudo ainda. Só sei que preciso estar pronta para o que está por vir.
A resposta o incomodou, mas ele tentou disfarçar a inquietação.
— Talvez um dia você entenda. Ou talvez não. Só posso prometer uma coisa: vou usar tudo o que estou aprendendo para fazer o certo. Para ajudar o mundo… ou ao menos tentar.
Andrew sentiu o peso daquelas palavras. Quis perguntar mais, mas não encontrou coragem. Apenas deixou as coisas como estavam.
Em 1999, preparavam-se para uma viagem ao Japão, onde Andrew daria uma palestra na Universidade de Tóquio. O quarto já era iluminado pela luz suave da manhã. As malas estavam semiarrumadas; os passaportes, sobre a cômoda. Sarah permanecia em pé diante da janela, olhando para o céu.
— Você está estranhamente quieta hoje. Está preocupada com a viagem?
Sarah virou-se lentamente para ele.
— Não… quer dizer, sim… mas não é pela viagem. — Ela fez uma pausa, respirou fundo e então continuou: — Andrew… tem algo que eu preciso te contar.
Sarah esboçou um sorriso nervoso. Suas mãos tremiam. Andrew se alarmou, por um instante, pensou que sua amada estivesse doente, ou algo ainda pior.
Mas então, Sarah se aproximou. Segurou suas mãos com delicadeza e as levou até sua barriga.
— Estou grávida.
O silêncio tomou conta do quarto.
Os olhos de Andrew se arregalaram. Por um momento, ele congelou. Depois, um sorriso surgiu, lento, mas cheio de vida. Ele riu, chorou e a abraçou com força, enterrando o rosto no pescoço dela.
— Você… está…? — A voz saía entrecortada. — Meu Deus… meu amor… nós vamos ter um filho?
— Sim! — confirmou ela, com lágrimas nos olhos.
Sarah o abraçou com força, como se não quisesse soltá-lo nunca mais.
— Eu… nem sei o que dizer. Achei que meu coração já tivesse conhecido toda a felicidade possível quando te conheci. Mas agora… — Andrew parou por um instante, olhou nos olhos dela, e completou, emocionado: — Eu te amo. Eu te amo tanto, Sarah.
Ele repetiu aquelas palavras, incontáveis vezes, como se quisesse eternizá-las.
— Eu também te amo, Andrew. Sempre amei — disse ela, entre o choro e o sorriso. — Tenho certeza de que você será um ótimo pai.
Andrew fechou os olhos, como quem ora em silêncio.
— Eu vou fazer diferente. Não vou ser como ele. Nosso filho vai saber o que é amor. Todos os dias da vida dele. Eu prometo.
Ficaram em silêncio, abraçados, como se o tempo houvesse parado. Lá fora, o vento balançava os galhos das árvores. Mas ali, dentro daquele abraço, nascia uma nova história.
Ao chegarem ao Japão, tudo parecia mágico.
As luzes de Tóquio cintilavam como se saudassem o novo capítulo que se abria em suas vidas. De mãos dadas, Andrew e Sarah passearam por templos antigos e ruelas modernas, provaram doces coloridos em lojinhas escondidas entre becos silenciosos e assistiram ao pôr do sol sobre o Monte Fuji com os corações cheios de esperança.
Andrew, mais do que nunca, sentia-se vivo. Cada sorriso de Sarah, cada toque suave de sua mão, era como um lembrete de que a felicidade verdadeira, apesar de rara, existia, e estava ali, com ele. Em alguns momentos, ele se pegava perguntando, em silêncio, se tudo aquilo não era apenas um sonho do qual acordaria sozinho. Mas então, Sarah o olhava… e ele tinha certeza: era real.
Contudo, o encanto da viagem se desfez num piscar de olhos.
Estavam em um beco próximo ao local da palestra de Andrew quando, das sombras, surgiram homens de terno e gravata. Usavam máscaras grotescas, como saídas de um pesadelo. Não havia traço algum de humanidade. Só os olhos — frios, impiedosos — revelavam o perigo.
Cercaram o casal com precisão militar.
No centro daquele cerco, surgiu um velho. Andava com calma, como se carregasse todo o tempo do mundo nos ombros. A pele trazia marcas profundas: dos anos e dos pecados. No lado direito do pescoço, uma tatuagem em forma de cruz parecia queimar como ferro em brasa.
Observou o casal em silêncio por um momento que pareceu eterno. Seus olhos os analisavam como quem já conhecia cada detalhe da vida deles.
Sarah apertou com força a mão de Andrew. Ele deu um passo à frente, instintivamente tentando protegê-la. O velho, no entanto, apenas sorriu, um sorriso vazio, feio, um insulto à beleza.
— Vou ser direto ao ponto — rosnou ele, com a voz rouca e carregada de ameaça. — Qual dos dois palhaços está se metendo com a história proibida?
O casal se entreolhou, confusos e assustados. Andrew não fazia ideia doque o velho estava falando, nem por que estavam sendo cercados.
Num estalo de fúria, o velho ergueu a arma e apontou direto para a cabeça de Sarah.
— Você deve ser a historiadora. Veio aqui começar uma guerra… ou está apenas cansada de viver?
Andrew se colocou entre ela e a mira, protegendo-a com o corpo, os olhos fixos nos do agressor.
— O que vocês querem? — indagou ele, com firmeza na voz e o peito inflado de desafio.
O velho sorriu. Um sorriso torto, malicioso, revelando dentes podres tingidos por nicotina e crueldade.
— De todos os fragmentos que encontrei na vida, você é o mais patético. Achei que teria que enfrentar um obstáculo de verdade… por isso vim pessoalmente. Mas tudo o que vejo é uma cadela acuada.
Sem desviar o olhar, ele ergueu a mão num gesto seco. Os capangas reagiram imediatamente, apontando suas armas para o casal.
Mas então, o inesperado aconteceu.
Sarah atingiu Andrew com um golpe rápido e preciso na nuca. Ele desabou, inconsciente.
Sarah golpeou Andrew na nuca, um movimento rápido, preciso. Ele desabou, inconsciente.
Ela olhou para o corpo caído, o coração apertado pelo que acabara de fazer. Mas sabia: era a única coisa que podia fazer.
Ao encarar novamente Yamamoto, algo havia mudado em seu olhar. Havia frieza. Determinação.
— Ele não tem nada a ver com isso, Yamamoto.
— Então você sabe quem sou? Interessante. Mas isso não muda nada. Só torna mais fácil te matar.
— Você não pode me matar. Estou grávida. E você sabe muito bem… ainda estamos no tempo de carência. O tempo do filho da profecia.
Yamamoto estreitou os olhos. A tensão em seu rosto cresceu, agora com uma pitada de surpresa.
— Então você também sabe disso? Hm… curioso. Como descobriu?
Sarah não respondeu. O silêncio, naquele momento, era sua arma mais poderosa.
— Não importa — rosnou ele. — Matando seu marido agora, espero seu filho nascer… e mato vocês dois.
Os homens engatilharam suas armas em uníssono.
— Pare! — gritou Sarah. — Se o matar, juro que me mato também. E você perderá a única chance de ter a criança da profecia.
Yamamoto se aproximou devagar, como um predador que saboreia cada segundo da caçada. Parou diante dela, olhos cravados nos seus. Estendeu a mão e tocou seu rosto trêmulo com os dedos frios, num gesto que era ameaça e domínio.
— E que certeza você tem de que seu filho é mesmo essa criança?
Sarah não recuou.
Yamamoto se virou lentamente, o rosto mergulhado em sombras.
— Filhos — disse, em voz baixa e letal — levem esses dois inúteis.

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