Capítulo 15- Desilusão
Glartak caminhava com dificuldade. O corpo do orc morto pesava como uma rocha em seus ombros, e a cada passo que ele dava fazia com que suas feridas ardessem com mais intensidade. A batalha havia sido difícil. O orc demonstrou estratégia, força e… inteligência. E isso era o que mais o incomodava naquele momento.
A mente de Glartak, mesmo exausta, não conseguia descansar.
“Por que os orcs têm inteligência? São como eu? Será que também evoluíram? Ou… sempre foram assim?”
Pensamentos fervilhavam enquanto ele se apoiava nas árvores para não cair. A cada passo, o sangue seco do orc escorria de seus ombros, pingando no chão, deixando um rastro.
“Se os orcs têm inteligência… será que têm um líder? Uma tribo? Uma organização como os humanos?”
“E se houver outros monstros… como eu? Criaturas que evoluíram, que pensam, que comandam? E se estiver sozinho em meio a todos esses predadores?”
Estava cheio de perguntas, todas sem resposta.
A noite já estava a porta quando finalmente avistou a entrada da caverna onde os goblins se amontoavam. A mesma escuridão de sempre. O mesmo cheiro de mofo, de corpos suados, de esperança vazia.
Ele entrou, os passos ecoando nas paredes úmidas. Carregava o orc caído nos ombros como um troféu, mas também como um aviso. Seu corpo estava coberto de sangue — próprio e do inimigo. As garras sujas, a mandíbula apertada. Mas ele mantinha a postura, não por orgulho, mas por necessidade.
Os goblins se levantaram assustados, recuando por instinto ao vê-lo. Mas só por um instante.
Logo, os olhares mudaram.
Começaram a se aproximar.
Olhos vidrados na carcaça do orc. Línguas se movendo, dentes batendo. Murmúrios guturais preenchiam o ar como uma ameaça invisível. Estavam famintos, mas não se moveram para procurar. Um deles, mais ousado, chegou a dar um passo à frente, farejando o ar como uma hiena sedenta.
E aquilo… aquilo despertou a ira de Glartak.
Ele largou o corpo do orc no chão com um baque surdo. O som ecoou nas paredes da caverna. Os goblins se encolheram por reflexo, mas ainda olhavam para o corpo como animais famintos.
Glartak rosnou. Um som baixo, gutural, carregado de ameaça.
Então ele deu um passo à frente.
O olhar flamejante. A voz, carregada de fúria.
— EU PENSEI EM VOCÊS COMO UMA FAMÍLIA!
O grito reverberou nas paredes. Os goblins se encolheram. Até mesmo os mais ousados recuaram dois passos, sentindo a pressão.
— PROTEGI VOCÊS! LUTEI CONTRA OS HUMANOS PARA MANTÊ-LOS VIVOS! EU ME COMPADECI DE VOCÊS QUANDO DEVERIA TER OS DEVORADO COMO OS VERME QUE SÃO!
Um silêncio profundo caiu sobre a caverna. Os olhos de Glartak se fixavam em cada um deles com desprezo. Sua respiração pesada, os punhos cerrados.
— E O QUE VOCÊS FAZEM? AGEM COMO ANIMAIS! COMO BESTAS! SÓ PENSAM EM COMER! SOBREVIVER! SEM PLANEJAR, SEM LUTAR! NÃO PENSAM, SÓ EXISTEM!
Ele quase avançou sobre eles naquele instante.
O desejo de arrancar as gargantas daqueles ingratos queimava dentro de si como brasas acesas no fundo do estômago. Queria gritar mais. Queria esmagá-los contra a pedra e provar que não eram dignos nem mesmo de respirar o mesmo ar que ele.
Mas…
Respirou fundo, como quem engole a própria ira.
Fechou os olhos. A imagem de Primal ajoelhado diante dele, com os olhos de respeito e entendimento, surgiu em sua mente. Lembranças da batalha, do sangue derramado… da promessa de construir algo maior.
Soltou um suspiro longo e baixo, quase um lamento contido.
— Comam. — disse por fim, a voz rouca, virando de costas como se aquilo já não lhe importasse mais.
Os goblins, hesitantes, se aproximaram. Começaram a rasgar a carne do orc como cães selvagens, disputando nacos como se fossem joias preciosas. Glartak sentou-se próximo da parede enegrecida da caverna e observou. A raiva ainda ardia dentro de si, viva, pulsante, mas havia outra coisa crescendo no fundo do peito: uma sensação amarga e fria… desilusão.
“Assim não vai funcionar…” — pensou.
O cheiro de sangue fresco se misturava à frustração em seu estômago.
“Eles não vão mudar… não assim. Também não posso culpa-los, são monstros. O que eu estou tentando construir não pode ser feito com criaturas que não enxergam um palmo à frente dos próprios dentes.”
Ele esfregou o rosto, cansado. As feridas ainda latejavam. A carne pulsava sob a pele ardendo como brasas vivas. Mas a mente estava desperta, mais do que nunca.
— Espero que Primal tenha sucesso… — murmurou para si mesmo.
Primal havia saído após sua ordem, para levar dois outros goblins para caçar e fazer com que eles evoluissem. Se tivesse êxito… talvez ainda houvesse esperança. Mas Glartak não podia esperar de braços cruzados continuando da forma que estava.
“Agora que sei que os orcs têm inteligência… se eles me encontrarem nesse estado, estou acabado. E se vierem em grupo? Uma tribo inteira?”
Um calafrio percorreu sua espinha, como o toque gelado da morte.
“Eles podem ter armas. Estratégias. Podem ter… um rei.”
Glartak cerrou os punhos, sentindo os nós dos dedos estalarem como madeira prestes a se partir.
— Amanhã… — disse, olhando para a escuridão que cobria a floresta lá fora. — Amanhã eu caço. Amanhã eu vou procurar presas para evoluir. Não posso mais perder tempo.
A regeneração bruta curaria suas feridas com o descanso. Mas o que ele mais precisava era de força , poder e novas habilidades. Urgência. Essa era a palavra que pesava sobre si agora. A realidade havia mudado.
“Não sou mais o predador. Estou me sentindo mais como uma peça num tabuleiro no qual eu não tenho controle. E se eu não me mover rápido, vou ser esmagado por alguém que joga há muito mais tempo que eu.”
Olhou para os goblins devorando os restos do orc, os rostos lambuzados de sangue e olhos brilhando de selvageria.
— Eles vão mudar. Nem que seja pela força. Mas antes disso… eu tenho que estar pronto.
Fechou os olhos e se encostou na parede, sentido o peso de tudo se acumular em suas costas.
Amanhã começaria um novo ciclo. E ele o iniciaria com sangue.
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