Capítulo 17- Orgulho e Mudança
A escuridão da árvore oca parecia mais aconchegante do que qualquer abrigo em que já estivera. O cheiro de madeira podre e terra úmida preenchia suas narinas, mas Glartak não se importava. Cada respirar doía. Cada movimento era um lembrete de sua insignificância diante do monstro que enfrentara, um lembrete cruel de que havia limites que ainda não podia ultrapassar.
Ele não sabia quanto tempo havia se passado.
Horas? Um dia? Talvez mais.
O tempo havia perdido o significado. O mundo inteiro se resumia à dor. Dor no braço, que mal podia mexer. Dor nas costelas. Dor latejante os músculos, que queimavam mesmo em repouso. Em todo o corpo não havia uma só parte que não doesse. Mas a pior dor era a do orgulho.
A dor de ter subestimado algo tão grandioso, de ter acreditado por um instante que podia lidar com “aquilo”.
E ali, entre suspiros curtos e tremores, Glartak se odiou.
— Idiota… — murmurou entre os dentes, cerrando os punhos. — Acha mesmo que já era forte o bastante?
— Estou só desde que cheguei aqui. Aos poucos, consegui aumentar meu poder. Depois encontrei os goblins e, então, veio Primal. Depois, o ataque dos humanos, a história daquele garoto… Aí passei a conviver com meus semelhantes. Acho que, em algum momento, a minha frustração com eles se transformou em orgulho — por ser mais forte, por talvez ser o mais “esperto”.
— Eu também matei um orc com dificuldade, vi o acampamento deles, experimentei em primeira mão a força que eles têm… Acho que isso me deixou ansioso para ficar mais forte, para evoluir. Junto com a frustração de os goblins serem muito irracionais, parece que tudo isso nublou minha racionalidade, me transformando em alguém que esqueceu seus próprios limites.
A voz era falha, mas a raiva, não. Enquanto falava, ele se martirizava por ser ingênuo.
Suas feridas eram graves demais para se curarem rápido, e ele nem sabia se a regeneração bruta curaria algo como aquilo.
Enquanto murmurava, seus olhos pesavam. A escuridão não vinha apenas da árvore oca — vinha de dentro dele, como se a própria vontade de lutas estivesse se esvaindo lentamente. E então, como uma vela sendo apagada pelo vento, Glartak desmaiou.
Longe dali, no alto de uma pedra oculta pelas sombras das árvores, dois goblins observavam em silêncio a entrada do ninho de onde Glartak havia saído no dia anterior. Um deles era enorme se comparado aos goblins normais. Tinha a pele cinza, num tom quase metálico, com garras afiadas e ossos que pareciam armadura. Observava tudo com olhos vermelhos e frios.
Ao seu lado estava uma goblin fêmea. Tinha cerca de um metro e sessenta de altura, com um corpo forte e resistente. Sua pele era verde-oliva, e seus cabelos longos estavam presos em tranças rústicas, decoradas com ossos.
Os olhos vermelhos, com pupilas verticais, mostravam inteligência. O rosto tinha traços definidos, com orelhas grandes.
Sua postura era ereta e confiante. O torso nu deixava à mostra seus seios pequenos, algo que ela não parecia se importar ou sentir vergonha. Vestia apenas trapos na parte inferior do corpo, e sua atitude permanecia serena, como se aquilo fosse simplesmente parte do cotidiano.
Glartak abriu os olhos novamente. A luz tênue da entrada filtrava sombras pela árvore oca. Ele não sabia se era noite ou dia. Apenas que ainda estava vivo — por pouco. Notou que sua ferida aberta havia parado de sangrar, mas ainda estava lá. Ao contrário das outras vezes em que se ferira e que se curavam após uma noite de sono e descanso, essa era diferente. Era mais grave, e ele não sabia quanto tempo demoraria até curar completamente.
Então começou a pensar nos motivos que o levaram à sua situação atual.
— Frustração, impulsividade… Sempre achando que vou dar conta de tudo. Quem tá sendo o irracional, afinal?
Glartak fechou os olhos por um instante, tentando afastar os pensamentos. Mas eles vinham como flechas afiadas, tiros certeiros e cruéis. Lembrou-se dos goblins da caverna — pequenos, instintivos, irracionais. Mas talvez… talvez ele não fosse diferente, não naquele momento.
Seu corpo doía, mas agora era a mente que pesava mais. A fome começava a se insinuar, fraca, distante, mas Glartak sabia que logo se tornaria um rugido. Precisava se mover. Precisava decidir. Se ficasse ali, iria morrer devagar.
Com esforço, apoiou-se nas paredes internas da árvore oca e se levantou. Seu braço esquerdo parecia morto, pendendo ao lado do corpo. O direito ainda funcionava, mas era como ter perdido metade de sua força. Deu dois passos e caiu de joelhos, cuspindo sangue.
Glartak engoliu em seco. O gosto de sangue ainda na garganta, a dor constante latejando no corpo. Mas não estava pronto para morrer. Não ainda. A morte viria um dia, mas não ali, não sozinho e derrotado.
Então, como um animal ferido tentando voltar à caça, ele se arrastou para fora da árvore oca, buscando algo. Comida. Água. Restos. Qualquer coisa que o mantivesse vivo mais um dia. Um dia a mais era tudo o que precisava para se levantar de verdade.
E ali, observando o céu entre as árvores, ele prometeu:
— Se eu sobreviver… vou mudar..
Porque lutar como um monstro não era mais suficiente. Para sobreviver… ele teria que pensar como um predador.
Como um rei.
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