— A morte? Isso é… é…

    Ele quase não sabia se aquilo era bom ou ruim. Sério, só ouvir já dava arrepios. Mas, por algum motivo, se sentia forte demais.

    — É uma tragédia. Ou… um milagre.

    — Milagre?

    — Sim — fez uma pose dramática, mão no queixo — Devo te julgar como um futuro guardião. Mesmo que, sabe, ainda ache que vai continuar sendo só um egoísta… ou covarde!

    — De novo com essa cantilena? Gr…

    Eles se encararam como se estivessem numa competição de quem aguenta mais a paciência do outro.

    — Enfim… Agora entendi onde você errou…

    — Hã? Errei?

    Era difícil acompanhar o que ele queria dizer ou transparecer.

    — Seu Eco, olha só que surpresa, se manifesta de três jeitos. Primeiro, como um pulso; depois, vira uma ferida que então só cresce até consumir tudo…

    — Que diabos isso tem a ver?

    Cruzou os braços, impaciente.

    — Que existem três fraquezas, claro. Deduções desse gênio aqui — apontou pra si com um sorrisinho tão convencido que dava vontade de dar um tapinha, só pra equilibrar a humildade — Só de ver seu ataque, tá? Primeiro: ele precisa de espaço, uma certa distância pra pegar impulso, e deixa rastro. Invisível? Talvez. Indetectável? Nem tanto. Segundo: dependendo do tamanho e da energia, começa como uma feridinha infecciosa. Lenta… dá até tempo de revidar antes de virar um estrago completo. E terceiro: a gente não faz ideia se isso tem limite ou não! A muralha era forte, mas era só matéria morta. Sem alma, sem energia, sem reação. Um pedaço de parede não grita nem revida. Entende agora?

    — Não… ehr… e por que preciso saber de tudo isso mesmo?

    — Porque se eu tô te treinando, é pra encarar o que tem de pior nesse mundo. Aquilo ali era só um sussurro. É tipo o estagiário das trevas. Mas existem uns troços por aí… tão fortes quanto o senhor Elyah. Flagelos, avatares do caos, reis das sombras e todo esse elenco de causar pesadelos.

    — Mais fortes? Ehr… então é morte certa pra mim, né?

    — Não e sim! — suspirou, revirando os olhos — Vai depender. Tem um milhão de variáveis. Até uns anos atrás, eu era igualzinho a você. Quer saber como fui promovido?

    — Deixou o currículo no RH?

    — Ha-ha. Não, eu venci um desses. Na raça. O segredo? Estar alinhado com o seu Eco, alcançar o refrão. Isso define o quanto você vai ser útil, ou descartável.

    — Refrão? Essa porra é música agora?

    — É. Quando o que você sente, pensa e grita pro universo finalmente combina, como uma música que não desafina. Aí sua Aura explode. É aquela sensação de “agora foi”, como adrenalina. E, com sorte, você até invoca um instrumento…

    — Tipo o violão do Elyah?

    — Exatamente. Aquilo lá não é só um instrumento musical. É a extensão do Eco dele. O mestre atingiu o segundo nível: no seu dialeto o instrumento começa a trocar ideia com o dono. Tipo uma segunda mente. Só que menos dramática… e, convenhamos, bem mais racional.

    — Cacete… refrão, instrumento, intenção, expressão… o que mais falta pra aprender? Já tô zonzo de tanta informação…

    Igual o leitor dessa jossa.

    Suspirou e se jogou no chão, dramaticamente derrotado pela própria ignorância.

    Asael cruzou os braços, impassível.

    — Só falta mais uma liçãozinha, por ora. Um detalhe pífio, quase irrelevante… mas que muda absolutamente tudo.

    — Ah, ótimo. Manda logo antes que minha cabeça exploda.

    — A letra da música. Pode ser interpretada em até cinco níveis. O primeiro? A técnica só afeta você mesmo. Um efeito egoísta e barato, quase relaxante. O segundo? Só atinge o oponente. Tipo sua técnica: gasta pouco, faz um estrago honesto. O terceiro? Você e ele, ao mesmo tempo. Aqui já começa a virar novela. Gasto maior, efeito incerto na maioria dos casos.

    — Parece minha vida…

    — Engraçadinho…

    Quase deu dois passos pra trás… e sinceramente, pensou seriamente em desistir.

    — Enfim, o quarto? O ambiente. Pode não parecer, mas afetar o cenário ao redor às vezes salva sua pele, ou piora tudo, depende. E o quinto? Ah… o quinto é o caos, atinge tudo e todos no alcance da emissão. Alto custo, alto impacto. Tipo soltar uma bomba…

    — Tá… isso não é difícil…

    — Será? — Arqueou uma sobrancelha, com aquele sorriso de quem tá prestes a desmontar sua confiança inteira — Sua mente consegue administrar essas afirmações todas? Porque, sabe… a letra não afeta da mesma forma que a expressão, né?

    — Ahn? — Claramente pronto pra dar tela azul.

    — A letra é imutável. Fixa, absoluta, inegociável. Já a expressão? Essa muda. Depende de quem tá percebendo. Ou melhor, interpretando. Cada um entorta do seu jeito.

    — Mas e a ideia original?

    — Ah… essa só você tem. É a faísca. O ponto de partida. O resto do mundo tá só tentando decifrar seu enigma mal escrito. Ninguém nunca entende exatamente igual. E, cá entre nós, às vezes nem você entende.

    — …Tá, isso complicou.

    — Bem-vindo ao meu mundo! Tudo é complicado… até voar aqui…

    — Ué… não é só querer?

    — Não é só isso. Se você tiver triste, esquece. Sua melodia pesa, o ar vira chumbo… humanos não voam aqui com o coração quebrado.

    — Pera… então eu podia ter morrido?

    Seus olhos se arregalaram.

    — Poderia…

    — MALDITO LOIRO!

    — Elyah é um irresponsável. Me perdoe, céus do Intermédio, mas ele nunca foi exatamente o símbolo da maturidade. Só de pensar que quase começou outra guerra por sua causa… Você faria isso?

    — Pensando aqui… não! Mas que cara doido.

    — É, mas não vamos ser fatalistas demais. Enquanto Elohim estiver em pé, podemos fazer a merda que quisermos sem apagar a existência inteira.

    — Como assim? O cara do trono lá?

    Sua mente coçou mais que a língua de uma velha fofoqueira.

    — Ele é tão forte assim?

    — Elohim é o fragmento neutro de Elar, o Criador. Enquanto os Deuses e os Nove Reis Sombrios são partes quebradas, ele é o conjunto inteiro. Injusto? Com certeza. Necessário? Totalmente.

    — E por que ele não desce a mão nesses caras?

    — Porque ele é neutro. Está além. Elohim não olha o presente. Ele vive no futuro. Não tem corpo, não precisa de alma, não dá pra entender. Ele simplesmente… é.

    — Que brisa…

    — Sim. Então nem tenta entender. Só aceita. Suas ações… estão além da nossa compreensão. Só não pisa demais na bola. O Conselho tem seus limites… e são eles que exigem julgamentos.

    — Certo, certo! — se levantou, esticando os braços como quem sai de um sofá — É só não encher o saco dos velhos, né? Se forem como no meu mundo, só o cara ter a pele um pouco mais torradinha já dá cadeia. Mas aqui não tem isso, né?

    — Como assim?

    — Cor de pele, pô. Aqui não tem racismo, Zé?

    — Zé? Denovo isso? Ehr… não me chame assim novamente. Mas não, não julgamos pela cor da pele. Julgamos pela alma. Se sua alma é escura, você é digno de pena… ou desprezo.

    — Cacete… racismo de alma? Seloko. E o que significa ter uma alma “mais escura”?

    — Pecados. Crimes. Ações que corrompem sua essência.

    — Ahhh… tá bom, vai… até que é justo. Estranhamente, mas justo.

    — Enfim… agora podemos comer. E amanhã, começamos os treinos físicos. O bastante pra te tornar forte sem depender tanto da sua expressão. Certo?

    — Finalmente! Certo! Certíssimo! — os olhos até brilharam, como criança ouvindo “pizza”.

    — Vai rolar uma comida de verdade, então? Tipo… arroz, carne, alguma fritura?

    — Salada de Lagarta Douraviva. A maior e mais deliciosa especiaria deste mundo!

    — Que?

    — Lagarta?

    — Cê tá de sacanagem comigo, né?

    Não estava. Infelizmente.

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