Capítulo 214: Foi assim que ele fez? [2]
“Haaa… Haa…”
Kaelion sentiu seu fôlego retornar. Tudo veio de uma vez, abruptamente. A sensação era difícil de descrever, como se alguém tivesse socado seu peito.
Pinga. Pinga…!
Sem perceber, suor escorria pelo seu rosto enquanto ele olhava ao redor.
O barulho retornou, e, antes que percebesse, um cadete de cabelos pretos e olhos cinza estava diante dele.
Ele parecia estar dizendo algo, mas Kaelion não conseguia ouvir direito.
Não, na verdade…
Ele não conseguia ouvir nada.
Além do zumbido constante em seu ouvido e o som de seus próprios pensamentos, não havia mais nada.
‘Quem…?’
Kaelion lembrava de tê-lo visto antes.
Na verdade, ele provavelmente sabia quem era.
Era só que…
‘Eu não consigo…’
Tudo em que conseguia pensar era no cadete que vira momentos antes nas arquibancadas.
Seu corpo continuava a tremer.
Uma sensação incontrolável, quase primitiva, cavou seu caminho em sua mente, tornando difícil pensar direito.
“Onde…?”
“Onde o quê?”
Kaelion piscou e olhou para o cadete de olhos cinza.
Finalmente, ele conseguia ouvir novamente.
E foi então que ele se lembrou do cadete à sua frente.
‘Leon, era esse o nome…?’
Sim… ele poderia saber.
“Aquele… cadete. Cabelo longo, preto. Primeiro ano. Bonito…?”
“Uh?”
Kaelion podia sentir Leon olhando para ele com a testa franzida.
“Do que você está falando?”
“….Você realmente não sabe?”
“Sabe o quê?”
O franzir de Leon parecia se aprofundar, e Kaelion retirou todo o mana que estava canalizando no ar.
*’Então ele não sabe…’*
A mudança repentina em sua atitude confundiu Leon, que parecia incapaz de entender o que estava acontecendo.
Kaelion, por outro lado, se virou e voltou para os assentos.
“Já chega.”
“Uh…?!”
Tanto Leon quanto todos os outros presentes olharam para Kaelion em choque.
Não era ele quem havia desafiado todos a lutarem juntos?
O que havia acontecido com a mudança repentina de atitude?
Leon deu um passo à frente e segurou seu ombro.
“Espere, o que—”
Mas ele parou no momento em que viu a expressão de Kaelion.
Seu rosto estava pálido, a ponto de parecer doente. Seus ombros também tremiam, e seus olhos pareciam desfocados.
Ele era uma pessoa completamente diferente de alguns momentos atrás.
“M-mas o que…?!”
Leon olhou para a cena atordoado.
Não era por causa de seu estado, mas mais como…
‘Onde eu já vi isso antes?’
Porque ele sentia que já tinha visto uma reação assim antes. E não demorou muito para Leon descobrir.
Aquela cena que ele já tinha visto.
….Era nenhum outro senão ele mesmo.
“Ah.”
Ele soltou o ombro de Kaelion.
No momento em que o fez, Kaelion voltou sem dizer uma palavra.
“…..”
Leon encarou suas costas em silêncio.
Virando-se, ele voltou para onde os outros estavam sentados. Em particular, ele podia sentir o olhar de Aoife sobre ele.
Parecia perfurar seu peito.
Com apenas um olhar, ele sabia o que ela queria dizer, e apertou os lábios.
“…Ele não quer mais lutar. Não.”
Leon parou, voltando sua atenção para Kaelion, que estava sentado novamente.
Ele estava cercado pelos outros cadetes, mas parecia estar em seu próprio mundo.
Foi então que Leon finalmente falou novamente.
“Ele não consegue mais lutar. Não no estado em que está.”
“Não no estado em que está?”
Foi Kiera quem falou, franzindo a testa enquanto mastigava um palito de alcaçuz.
Era algo que ela começara a fazer recentemente. Aparentemente, ajudava com seu vício.
“Eca, eu odeio isso.”
Mas ela também parecia odiar ao mesmo tempo.
Leon acenou com a cabeça e respirou fundo.
“Eu acho que…”
Ele pausou, sentindo seu peito ficar pesado.
“….Julien voltou.”
Tak—
O palito de alcaçuz1 caiu da boca de Kiera enquanto o ambiente ao redor ficou em silêncio.
Leon não precisava olhar para saber que tipo de expressões estavam fazendo.
Mas ele não podia se preocupar com isso.
Vendo o estado de Kaelion, ele engoliu em seco.
‘Quando…?’
Quando ele fez aquilo?
***
“Eu sou um Dragão poderoso!!!”
Uma voz alta ecoou no ar. Ela reverberou por todo o cômodo, cobrindo cada centímetro.
O que veio depois foi um,
“Miao~”
“…..Gato estúpido.”
Coruja-Poderosa ficou em cima da mesa de madeira enquanto encarava friamente o gato preto rugindo abaixo.
“O que você me chamou!?”
“…..Gato estúpido.”
“Eu vou te matar!”
Pulando em cima da mesa, o gato tentou atacar a coruja. Infelizmente, foi uma tentativa inútil.
Batendo as asas, Coruja-Poderosa flutuou no ar e atacou com o bico, acertando o topo da cabeça do gato.
“Miao!!!”
O gato se encolheu, segurando a cabeça.
Olhando para cima, ele xingou.
“Coruja maldita!”
“Eu sou uma árvore.”
“….E eu sou um dragão!”
“Heh.”
“Maldita Coruja!!!!”
O gato pulou no ar e tentou golpear Coruja-Poderosa, mas foi inútil, pois ela evitou facilmente o ataque e contra-atacou.
“Miao…!”
Estrondo—!
Caindo no chão, o gato ficou deitado por alguns segundos antes de olhar para cima com indignação.
“Você…! Se eu não estivesse nessa forma estúpida.”
“….Mas você está.”
Coruja-Poderosa voltou para a mesa enquanto encarava o gato com desdém. Seu olhar parecia dizer: ‘Você? Um Dragão?’
“Conheça seu lugar, gato.”
“Eu…!”
“Parem. Fiquem quietos.”
Foi uma certa voz que os impediu de continuar a brigar.
No momento em que a voz soou, os dois pararam de falar, e o gato voltou para o chão antes de andar mansamente em direção à figura sentada no meio, de olhos fechados.
Em suas mãos, havia um cubo preto que continuamente mudava de forma.
“Aquele… humano.”
A atitude do gato era um contraste gritante com como ele era com a coruja.
Era muito mais submisso, e toda a arrogância anterior havia desaparecido.
“Sobre meu nome…”
“Você não gosta?”
“Ah, isso.”
O gato não precisava terminar a frase para deixar sua intenção clara.
Sim.
Ele não gostava de seu nome.
“Que pena.”
Julien disse friamente enquanto o cubo em sua mão continuava a mudar de forma.
“….!”
“Não vou mudar seu nome. Vou pensar nisso depois que você se arrepender do que fez. Estou nesse estado por sua causa, Pedregulho.”
“Humano!!!”
O gato gritou em desespero. Virando a cabeça, dois olhos vermelhos penetrantes encontraram seu olhar, e o gato viu o canto do bico da Coruja-Poderosa se curvar em um sorriso zombeteiro.
“Maldita Coruja!!!”
O gato atacou a coruja mais uma vez.
Observando a interação de lado, Julien baixou a cabeça para olhar sua mão, levemente coberta por uma camada de mana.
“Morra, coruja!”
“Eu sou uma árvore.”
“Akh…!”
No fundo, ele podia ouvir o som de Coruja-Poderosa e Pedregulho brigando.
Pedregulho era o Dragão de Pedra.
….Depois da experiência terrível, ele conseguiu subjugar o Dragão de Pedra e forçá-lo a se submeter.
As memórias de Julien sobre o tempo que passou no mundo da vontade estavam em branco.
Para sua própria segurança, ele teve que selar todas as memórias do evento.
Toda vez que era levado de volta àquela época, ele começava a perder a sanidade.
Ele estava… a um fio de distância da insanidade.
Não, talvez ele já tivesse enlouquecido.
Mas como ele saberia?
Muitas vezes, pessoas mentalmente doentes nem sabem que estão.
Ele poderia muito bem já ter perdido a sanidade.
Não que isso importasse particularmente para Julien.
Ele já era louco desde o início.
“Hehehe.”
Uma risada escapou de seus lábios.
Rapidamente, ele cobriu a boca.
Pinga…!
E foi então que uma lágrima caiu. Olhando para a lágrima que manchou o chão de madeira, Julien franziu a testa e seu peito começou a ferver.
Ele sentiu a raiva surgir de dentro dele.
“Se acalme.”
Foi uma certa voz que o tirou daquele estado, e ele sentiu um toque frio em seu ombro.
Só então suas emoções se acalmaram, e ele fechou os olhos.
“Obrigado.”
“Mhm.”
Delilah passou por ele e sentou-se na cadeira do quarto.
“Pare de flutuar, sua coruja! Miao~”
“Koo!”
Olhando para o espetáculo ao lado, Delilah voltou sua atenção para Julien.
“Fico impressionada toda vez que vejo. Quem diria que havia tal uso para os ossos?”
Julien permaneceu em silêncio.
Havia mais de uma semana desde que ele acordara do pesadelo, e não conseguiu esconder Coruja-Poderosa e o Dragão de Delilah, que tinha olhos afiados.
No final, ele contou tudo a ela. É claro que omitiu algumas coisas, mas agora ela sabia o que eles eram.
Dito isso, ele sabia que ela não estava ali para admirar os dois.
E, como esperado, ela foi direto ao ponto.
“Por que você fez isso?”
“…..Porque eu quis.”
Julien não desviou da pergunta e respondeu imediatamente.
Delilah havia ordenado que ele não interferisse na luta ou encontrasse os outros cadetes.
Havia dois motivos principais para essa ordem.
Primeiro, Delilah não achava sua mente estável o suficiente para interações humanas.
Ele estava extremamente sensível a emoções em seu estado atual. Bastava um gatilho para que ele fosse engolido por aquela emoção.
….Era por isso que ele não podia ver ninguém.
Mas esse não era o único motivo pelo qual Delilah não o deixava sair.
O Julien atual.
Ele era perigoso.
Perigoso demais para ser solto.
Até Delilah sentia isso, e ela era muito mais forte que ele.
O Julien atual, embora estivesse significativamente atrás dos outros cadetes de elite em termos de tier, já que não houve aumentos significativos lá, era muito mais perigoso que qualquer outro cadete.
Delilah não sabia o que aconteceu durante os meses em que ele ficou preso lutando contra a vontade, mas sabia que, se fosse necessário, ele seria capaz de derrotar qualquer um que enfrentasse.
Agora…
Ele realmente personificava o que a Estrela Negra significava.
Poder acima de tudo.
Mas…
Era um poder instável.
Se não controlado adequadamente, Delilah temia que ele quebrasse todos à sua frente.
Por isso, ela teve que limitar sua exposição aos outros cadetes.
Pelo menos até que ele estivesse estável novamente.
Delilah fechou os olhos e respirou fundo.
“A partida de exibição terminou mais cedo por causa de suas ações. Nós ganhamos. Leon conseguiu derrotar os dois melhores cadetes deles sozinho.”
“….Ele conseguiu?”
Julien olhou para cima com um sorriso. Era um sorriso raro, e Delilah achou difícil se acostumar.
O Julien atual era simplesmente muito diferente do Julien que ela conhecia.
Ele era muito mais expressivo, e seu rosto não era mais vazio.
E, no entanto,
Delilah achou muito mais difícil lê-lo.
As mudanças eram chocantes, e Delilah se pegou fazendo a mesma pergunta repetidamente.
‘Até que nível ele chegou com sua Magia Emotiva nos últimos cinco meses, e como ele fez isso?’
Era uma pergunta que Delilah queria saber a resposta.
‘Talvez, eu também possa… Não.’
Mas ela se impedia toda vez.
Fechando os olhos, ela afastou tais pensamentos.
“Prepare-se. Partiremos em alguns dias para Bremner. Nós dois iremos com antecedência.”
Levantando-se, sua figura começou a desaparecer.
“….Lembre-se do que eu disse. Não interaja com os outros até estar completamente curado.”
Essas foram suas últimas palavras antes de partir.
Julien olhou para sua figura desaparecendo com um olhar vazio.
Então, quando ela sumiu completamente, ele ergueu a cabeça para olhar para o teto vazio do quarto.
“Isso… pode ser tarde demais.”
***
- um doce tradicional feito a partir da raiz da planta alcaçuz. É consumido mastigando o palito, que tem sabor doce e um pouco salgado, e é tradicionalmente usado para refrescar o hálito e aliviar desconforto digestivo.[↩]
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