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    Dante observava da ponta do Nokia, os olhos semicerrados por entre a bruma gélida. A ponte de gelo ainda mantinha a ilusão, ocultando sua frota e abafando o som das ondas. Mas era a reação do inimigo que ele queria ver.

    E ele viu.

    A princípio, apenas um estremecer sutil. Como uma maré leve que prenuncia o vendaval. Bastardo ainda falava com altivez, zombando, rindo das ruínas que deixou — mas a voz dele, antes firme, parecia hesitar entre uma palavra e outra, como se algo se aproximasse sem que pudesse controlar.

    Foi quando o Glossário correu, tropeçando no próprio manto, o rosto pálido como se tivesse visto um fantasma saindo do mar.

    — É o velho. — ele gritou. — Essa é a voz do maldito do Dante.

    Aquelas palavras ecoaram como um trovão abafado entre os mastros.

    Dante notou o recuo sutil de um dos capitães ao lado de Bastardo. Um franzir de olhos. A inclinação instintiva da cabeça, como se buscassem abrigo de um raio que ainda não caíra.

    Agora sabem, pensou.

    Ele deu um passo à frente, a bota estalando sobre a madeira gélida. A bruma começava a se dissipar conforme os primeiros contornos da frota invisível surgiam atrás do Nokia. Quinze navios ao todo. Não era uma armada completa — mas o suficiente para lembrar ao mundo quem ele era.

    Dante não precisava dizer nada. As armas ocultas nos flancos do Nokia já estavam armadas. Os canhões revestidos, o casco reforçado por Duncan, tudo esperando seu sinal. Mas mais do que força, ele queria presença.

    Presença era poder.

    Bastardo se virou lentamente para os seus. Gladius, distante, observava aquilo em silêncio. Banners e Cayan estavam imóveis. E Hindoe… aquele bastardo estava sorrindo, sem dar a entender se era nervosismo ou entusiasmo.

    Foi então que Bastardo falou, pela primeira vez sem escárnio:

    — Ele… veio.

    Houve um silêncio no convés.

    E então, a tentativa de retomar o controle:

    — Só mais um cadáver que ainda não aceitou o destino. — Bastardo ergueu a voz, tentando convencer mais a si mesmo do que os outros. — Que venha. Vou enterrá-lo como enterrei os outros.

    Mas Dante já via nas expressões ao longe, até mesmo nos olhos de Gladius, que aquilo era teatro. Não era só medo, era reconhecimento. Era o choque de estar novamente diante de um homem que ele não pôde matar.

    — Atirar! — a palavra escapou dos lábios de Dante como uma sentença.

    Não precisou repeti-la.

    O rugido dos canhões partiu quase em sincronia, engolindo o silêncio com uma sequência ensurdecedora de explosões. As portinholas do Nokia escancararam como bocas famintas e cuspiram fogo contra os navios de Bastardo. Ao mesmo tempo, as sombras atrás do Nokia emergiram por completo — quinze embarcações, rompendo a névoa como predadores libertos da jaula.

    Dante permaneceu imóvel na proa, os olhos fixos no impacto.

    A primeira salva atingiu o flanco esquerdo da frota inimiga. Madeira estilhaçou, mastros se inclinaram como joelhos dobrando diante de uma força maior. Um dos navios menores — o Húmbria — explodiu antes mesmo de tentar manobrar. As chamas se espalharam rapidamente pela vela principal, pintando o céu de laranja sob o cinza do inverno.

    Dante inspirou. Ainda frio. Ainda centrado.

    Era assim que ele liderava.

    Do outro lado, Bastardo reagia. Era difícil ouvir seus gritos, mas dava para ver os braços se movendo com agressividade. Ele ainda tentava coordenar contra-ataques, ordenar os capitães a se reagrupar. Só que o estrago já estava feito. O impacto não era só físico — era mental.

    — Recuem os da segunda linha — Dante murmurou.

    A frota de Dante se movia como um corpo só. A frente abria espaço, os navios da retaguarda avançavam por entre os vãos criados com precisão de veteranos. Eles sabiam o que estavam fazendo. Sabiam que estavam sendo vistos, pela primeira vez, como monstros no horizonte.

    E então veio o segundo estrondo.

    Mas dessa vez, não era deles.

    Dante estreitou os olhos. Um clarão dourado rompeu o céu ao longe — algo que não fazia parte do arsenal comum. Ele sentiu antes de ver: uma energia estranha vibrando no ar, como se o mundo tivesse prendido a respiração.

    — Pedra Solar… — murmurou Duncan, com raiva.

    Dante trincou o maxilar.

    Bastardo estava reagindo com o poder de uma esfera que nem mesmo ele sabia lidar.

    Ele deu um passo para trás. Olhou para o convés abaixo, onde a Vanguarda aguardava. Trahaus. Nekop. Guaca e Miatamo. E, mais ao fundo, Egiss, já com a lança nas mãos. As dezenas dos que se jogariam a frente, como sempre. E atrás, nas outras embarcações,

    — Avancem, mas não entrem no alcance da energia. Quero que ele pense que vamos forçar uma vitória rápida. — Dante falou baixo, mas firme. — Se ele usar essa pedra, é porque está perdendo. E quando alguém luta para não cair, é quando deixa a guarda aberta.

    Ele encarou o clarão dourado à distância. As nuvens estavam começando a se romper ao redor do poder. Como uma ferida sendo exposta ao ar.

    Dante não piscou.

    — Vamos ver se ele aprendeu alguma coisa desde a última vez que tentou me matar.

    Bastardo soltou um berro, revelando mais do que seu medo, mas uma raiva transbordante enquato apontava para os navios.

    — Ataquem com força total. Não quero nenhum desses desgraçados vivos. Nem que temos que afundar toda essa prisão, mandem eles pro inferno.

    Os navios giraram juntos, mesmo que não houve vento por conta da estranha habilidade que um dos soldados usaram. Dante não esperava que durasse mais já que a cartada do Bastado para humilhar Gladius fosse ter aqueles soldados na palma de sua mão.

    Era esse o tipo de homem que ele era. Não duvidava mais dos aspectos que ele utilizava.

    — Não espere pela gente — ouviu de Duncan em suas costas. — Somos muitos para ele confrontar sozinho. Conhecendo ele, vai se enfiar em Onkotho. Se quer pará-lo, então, vai ter que seguir o mesmo caminho.

    — E você confia em mim pra trazer o que pediu? — Dante o fitou de lado.

    — Se minha intuição fosse tão ruim quanto falam, eu já estaria morto faz tempo. — Duncan não exibiu nenhuma arrogância. — Confio em quem tenho que confiar para me manter vivo. Agora, se me der licença, eu tenho alguns navios para derrubar.

    O velho saiu caminhando aos gritos:

    — Ouçam minha voz, seus vermes. Hoje, nós estamos contra um dos piores, se não o pior dos homens. Então, querem discurso bonito? Vivam pra ouvirem amanhã. Não quero suas vozes silenciadas, então, continuem gritando, e derrubem quantos puderem.

    Dante passou os olhos novamente nos navios inimigos e viu Bastardo e Glossário atrás de alguns homens que forjavam caminho. Um deles, Dante reconheceu na mesma hora, era Cloud. Estava com as raízes esticadas para frente, até onde Tamires criou a ponte de gelo.

    Não parecia que estavam desesperados. Os navios começaram a atirar para cima, forçando esferas luminosas a caírem na direção deles. Pelo brilho, eram somente aglomerados de energia, assim como seus canhões atiravam.

    E aos poucos, caindo, ouviu o ruído que eles faziam ao cortar o ar.

    — Ah, se eu estivesse no mundo espelhado. — Dante lamentava com um suspiro. — Reduzido a ter que caçar ratos… de novo.

    E riu.

    — Que graça teria, não é? — As boas memórias das disputa que teve no passado ficavam no passado. — Trahaus.

    A mulher se movimentou até o seu lado, fitando os navios e os disparos que vinham em sua direção.

    — Quero aquela mulher que modelou a ponte de gelo.

    — Entendi. Não posso prometer que ela vai estar viva.

    Dante riu e ela respondeu da mesma forma.

    — Vamos ver até onde eles podem correr.

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