Índice de Capítulo

    Certamente havia uma criatura entre nós, nos rodeando, esperando o momento certo para atacar, como um urubu que espera sua carcaça. Aos poucos, mais e mais criaturas começavam a aparecer, juntas, exalando uma presença tenebrosa.

    — Não vamo ter um dia de paz, não é? — perguntei em um suspiro, me preparando para mais uma luta.

    — Pensei que a tal “temporada de monstros” tinha acabado há uns meses… — Akira comentou.

    — A gente não tem tempo pra isso, temos que achar de onde esses bichos estão vindo — tirando algumas folhas em branco de sua bolsa, Noelle nos apressou.

    Rapidamente, as criaturas começavam a chegar cada vez mais perto de nós, saltando das árvores todas de uma vez. No meu campo de visão, pude contar cerca de uns 5 monstros, todos de espécies diferentes.

    Um deles, o primeiro a saltar, era grande com uma pelagem espessa e branca, parecia uma mistura de um urso com um gorila e em sua cabeça, dois chifres de gelo índigo se estendiam para os lados. Ao longo do seu peito e braços, fragmentos de cristal cresciam entre tufos de pelo, exalando um brilho sobrenatural. A sua musculatura maciça tornava o ar frio, e com seus braços longos e pernas curtas, aterrizou no chão com um golpe poderoso na lama.

    — Eu tenho quase certeza que você não deveria estar aqui… — eu olhei para o lado, vendo meus companheiros com monstros tão estranhos quanto os meus.

    — É, com certeza estamos no lugar certo.

    Inúmeras feras nos atacavam com uma força surreal, ao menos para as nossas expectativas, elas claramente não estavam em seus devidos habitats, além de apresentarem características incomuns. Lidar com eles não era uma grande dificuldade, apesar de vários aguentarem meus golpes, eles sempre voltavam, como se não sentissem a sua própria dor.

    — Isso não vai levar a lugar algum! — Noelle jogou as folhas para o ar, as espalhando entre nós — Corte das Múltiplas Garras Trovejantes! — Gritou, fazendo os papéis brilharem em um tom azul.

    A partir de cada folha, um corte era projetado em direção aos monstros, acertando vários deles ao mesmo tempo. Seus corpos caíam no chão, não sei se mortos, porem, feridos demais para se levantar.

    — Saki! — eu virei ao ver Akira gritando meu nome e saltando em minha direção com uma bola de fogo em suas mãos.

     Ao incendiar meus punhos com suas chamas, ele girou, acertando suas costas nas minhas. Os monstros remanescentes disparavam em nossa direção, ferozes, como se estivessem possuídos pelo ódio.

    — Não consegue fazer nada sem mim, não é? — disse com um sorriso debochado no rosto.

    — É você que vive enchendo meu saco! — retruquei.

    “CLAP!” em um poderoso bater de palmas, projetei uma intensa onda de fogo para frente, queimando e repelindo os monstros que avançavam. Atrás de mim, Akira disparava uma imensa labareda, os torrando.

    — Isso foi dramático — a voz de Anzu soou, vendo todo o pântano em chamas.

    — Mas eficiente — respondi, passando por cima dos corpos queimados — Akira, dá pra apagar isso?

    — Claro — erguendo seu punho, e atraindo todo o fogo para si.

    Rapidamente, Noelle começou a vasculhar entre os corpos caídos no chão, procurando alguma forma de encontrar sua origem. Minutos se passaram sem resultado algum, até o som de algo caindo suavemente na lama do pântano chamar nossa atenção.

    Minha amiga saltou sem pensar duas vezes, disparando em alta velocidade.

    — Noelle? Espera! — Akira e eu começamos a persegui-la, mas ela era rápida demais.

    Entre as árvores e plantas, eu via um pequeno vulto na sua frente, um borrão, mais ou menos do tamanho de dois palmos, escapando das garras da bruxa.

    A imagem da criatura, ainda que embaçada, começava a se formar na minha cabeça, mas antes que eu pudesse ter uma visão clara da sua aparência, ela se enfiou em um pequeno buraco em uma muralha de pedras.

    Noelle atacou a parede, na tentativa de agarrá-lo, mas falhou.

    — Merda! — xingou aos ventos.

    — O que era aquilo?

    Eu me aproximava com cautela, cuidadosa quanto ao seu temperamento. Enquanto isso, Akira observava os arredores, procurando por pistas de onde a criatura se enfiou.

    — Eu não sei! — exclamou desapontada — parecia um monstro bem pequeno, mas ele não se comportava como um…

    — Acha que pode ter alguma coisa a ver com Ego?

    — É possível que sim. Lembra de quando vimos ele em Antares?

    — Quando ele apareceu na festa? É, eu me lembro.

    — Ele disse que o fim do mundo estava próximo, desde então, isso vinha a minha mente algumas vezes — ela cerrava seus punhos, indignada — mas, só recentemente, comecei a suspeitar de que talvez ele esteja por trás disso.

    — É, pode ser, mas por qual motivo ele iria nos avisar sobre? E se tivéssemos saído ou não de Antares, o mundo ainda assim acabaria.

    — Eu… Eu… Eu não sei.

    Em todos esses anos junto a minha melhor amiga, eu nunca havia a visto daquele jeito. Sua mente parecia estar uma bagunça, a Noelle inteligente e esperta que eu conhecia estava sendo tomada por uma onda intensa de raiva que embaçava seus pensamentos. Meu coração estava aflito, preocupado, eu queria fazer algo para ajudá-la.

    — Precisa se acalmar, Noelle.

    — Eu estou calma! — apesar de sua expressão, de fato, tranquila, tudo que eu podia ver no fundo de seus olhos era a sua fúria, contida por um triz e a consumindo por dentro.

    — Aí gente — Akira chamou — acho que encontrei alguma coisa.

    Akira deslizava suas mãos por um muro de pedra e musgo, não muito diferente dos outros nas ruínas ali perto. Apesar da estrutura despedrada e abandonada, aquele muro possuía um pequeno furo, uma pequena circunferência atípica.

    — O que é isso? — questionei, fechando um dos meus olhos para concentrar minha visão.

    — Parece que tem alguma coisa no fundo — Akira me empurrou levemente para o lado — deixa eu tentar.

    Percebendo que sua arma possuía um tamanho semelhante, ele deslizou o bastão através do túnel, percorrendo cerca de um metro. Parando repentinamente, ele me olhou confuso.

    — O que foi?

    — Tem alguma coisa me parando — disse, forçando ainda mais para entrar — ou desacelerando, não sei bem ao certo.

    — Espera, tira isso daí.

    Voltando seu cajado, um líquido viscoso, denso como algum tipo de seiva ou cola, escorria de sua ponta.

    — É a primeira vez que eu vejo um rejunte assim.

    — Isso não é rejunte! — Noelle se aproximou, analisando um pouco mais de perto — Mas também não sei o que poderia ser.

    Algo naquilo parecia familiar, me passava uma sensação semelhante com qual sentia ao manipular a mana, mas ainda assim, não se parecia com a mana natural que corria pelo mundo.

    — É como se fosse um tipo de seiva, porém, mais densa — ela pegava com suas próprias mãos, tateando cuidadosamente. Em poucos segundos, eu consegui ouvir o estalo que fez sobre a mente de Noelle ao se lembrar — Eu sei o que é! — exclamou com choque.

    — Tá, e o que a gente faz com isso?

    — Precisa aquecer. Aparentemente, isso era usado em Raven para proteger lugares importantes. A seiva só vai derreter em uma temperatura específica, então poucas pessoas conseguem passar por esse sistema.

    — Não me parece muito seguro, não precisaria só esquentar o suficiente? — perguntei.

    — Não ouviu o que eu disse?

    — Foi mal, foi mal! — me rendi rapidamente.

    Não podia culpá-la pela sua agressividade, mas confesso que estava começando a me irritar.

    Akira tentou alcançar o fundo do buraco mais uma vez, até seu bastão começar a afundar lentamente na seiva.

    — Só aquecer, não é?

    — Isso!

    Pequenas fagulhas começaram a surgir, percorrendo do seu corpo até o cajado. A temperatura ao nosso redor aumentava, ao ponto do suor começar a escorrer pelo meu rosto em questão de segundos.

    — Consegui! — ele exclamou ao avançar um pouco mais — Não, pera! — ele parou de repente.

    — Tem que manter a temperatura ou vai ficar preso!

    — Droga! — voltando a se concentrar, Akira voltou a temperatura necessária.

    Ele continuava lentamente, entre curtas pausas ao aumentar ou diminuir demais a temperatura.

    — Anda logo! Isso aqui tá virando uma sauna! — eu o apressei.

    — Isso é mais difícil do que pensa! — parando mais uma vez.

    — Precisa de um enorme controle da mana, ele não vai conseguir! — Noelle comentou, preocupada.

    — Tenha um pouco de fé, ele é burro, mas sabe o que faz — tentei a consolar.

    — EU NÃO SEI MAIS O QUE FAZER! — gritou exausto.

    “Click!” Algo finalmente soou.

    A estrutura de pedras ao nosso redor começou a se mover, como se tivessem vida, se aglomerando e formando uma base de pedras e musgos no chão. Assim que nos aproximamos, a base circular se abriu em um formato espiral, o ar sombrio e tenebroso era convidativo, ela pedia para que entrássemos.

    — Não dá pra voltar agora, não é? — ofegante, Akira reclamou.

    — Não tem a menor chance — Noelle deu o primeiro passo a frente

    Nós descíamos uma série de degraus por cerca de 3 minutos que nos levou a um corredor escuro. Felizmente, Akira já carregava acima de seu ombro uma esfera de fogo, iluminando boa parte do caminho a frente.

    As tochas apagadas nas paredes faziam parecer com que aquele lugar já havia sido abandonado há muito tempo. Uma corrente de ar frio correu de repente, apesar da chama na mão de Akira, o clima gélido assolou o corredor.

    — Bravo! Bravo! Você foi perfeito! — uma voz familiar disse em meio a escuridão 

    Ao soar de duas palmas, as luzes se acenderam, revelando uma espécie de laboratório. Havia grandes cilindros nas paredes, cada um deles com criaturas imersas em um líquido translúcido, adormecidas com tubos enfiados em seus narizes.

    Camas brancas, e manchadas de sangue denunciavam o tipo de coisa que acontecia naquele lugar, mas elas não eram a única coisa que me diziam aquilo.

    Bem a nossa frente, atravessando a parede, Ego aparecia com um sorriso. Ele segurava em sua mão, a criatura que estávamos perseguindo, a aprisionando firmemente.

    — Ego… — Noelle rangia seus dentes enfurecidos, quase saltando em seu pescoço.

    O pequeno monstro tentava se soltar de qualquer forma, porém, estranhamente inclinando sua cabeça para a esquerda. Eu olhei para a minha direita, vendo um monstro humanoide flutuando em um dos cilindros.

    — Já faz muito tempo, não é?

    — O que é tudo isso? Esses monstros… o que você fez? — questionei, impondo minha pressão com um grito.

    — Não gostou? — sem se abalar, disse com um sorriso — Pensei que tivesse se divertido quando derrotou aquele filhote de dragão.

    Eu me lembrava rapidamente de uma luta há anos atrás quando saímos de Antares, mesmo que Noelle tivesse questionado sua existência naquele momento, sua origem nunca passou pela minha cabeça.

    — Não me surpreende você ter sido banido de Raven. Pessoas estão morrendo por sua causa!

    — Ah, então um passarinho te contou o que aconteceu? — provocou, olhando no fundo dos olhos de Noelle.

    — Se estiver com Galliard, é melhor que o entregue antes que rasgue você ao meio! — o ameaçou enfurecida.

    — Eu recomendo que você mantenha a calma. Se danificar algum dos meus experimentos vai dar um bom prejuízo.

    — Vai ser mais do que um bom prejuízo se você não começar a responder nossas perguntas!

    — Se não vão se acalmar, talvez seja melhor eu chamá-los só por segurança…

    Erguendo sua mão livre, duas fendas se abriram ao lado de Ego, fendas que me causaram um arrepio, não pela frieza abismal que emanava de uma delas, mas sim por serem idênticas às fendas que Galliard costumava criar.

    Da sua esquerda, pondo um salto preto para fora, uma mulher alta de cabelos pretos e rosto fino se apresentava. Ela usava um traje apertado de látex, com um decote chamativo nos seios e balançava seus cabelos soltos com elegância.

    Do outro lado, de onde vinha uma onda fria repentina, alguém que eu jamais imaginaria emergia do portal. Desde a última vez que o vi, eu já desconfiava de seu caráter, mas ainda assim, não pude evitar minha surpresa ao ver Frost, com um sorriso maligno, acenar para mim.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota