Um menino moreno, de cabelos longos e desarrumados, vestindo roupas velhas e desgastadas, estava sentado em um balanço. Seus olhos estavam fixos no nada, vazios, como se algo dentro dele estivesse faltando.

    Outro garoto, não muito diferente dele, se aproximou e sentou no balanço ao lado. Observou-o por um momento antes de perguntar, com a voz gentil, mas carregada de uma leve tristeza:

    — Por que você não brinca com a gente?

    O menino desviou o olhar e respondeu, com a voz tingida de melancolia e curiosidade:

    — O que é isso?

    — O quê?

    — “Brinca”

    O garoto franziu a testa, intrigado. Como alguém não sabia o que era “brinca”?

    Ele sorriu e se levantou, caminhando para trás do balanço.

    — Isso é se divertir! Segura firme, tá?

    Então, começou a empurrá-lo devagar. No início, os olhos vazios do menino refletiram um medo profundo. Mas logo esse medo se transformou em algo novo — um brilho alegre, puro, infantil.

    Quando o balanço parou, o outro garoto sorriu e perguntou:

    — Qual é o seu nome?

    O menino, que antes parecia um poço vazio, agora parecia ter sido preenchido por algo que nem ele entendia.

    — Eu sou Laab.

    O outro garoto sorriu.

    — Eu sou Omar. Vamos ser amigos?

    A resposta de Laab foi apenas um olhar. Um daqueles olhares que dizem tudo, mesmo quando a boca permanece em silêncio. Pela primeira vez, ele sentiu que não estava sozinho.

    Mas esse instante puro e leve começou a se desfazer, como neblina tocada pelo sol. O som do balanço desapareceu, as vozes sumiram, e o vazio voltou.

    Clac.

    Um ruído seco ecoou em sua mente.

    Clac.

    Outro. Mais alto. Mais perto.

    Laab abriu os olhos com um sobressalto.

    Estava deitado em uma cama de hospital. As paredes brancas, os lençóis frios, o som dos monitores… Tudo parecia esmagadoramente real. Lágrimas escorriam silenciosamente por seu rosto, quentes contra sua pele gelada.

    Ele levou a mão ao peito, como se quisesse segurar algo que estava escapando. O vazio dentro dele parecia ainda maior agora.

    A porta do quarto estava entreaberta, e a luz do corredor fazia sombras dançarem pelo teto.

    Ele tentou lembrar… do rosto do menino… do som da risada… do nome.

    — Omar… — murmurou, a voz falha, quase inaudível.

    Então fechou os olhos novamente, deixando que as lágrimas continuassem a cair, sem saber se aquele sonho era uma lembrança… ou apenas um desejo esquecido.

    “O que aconteceu…?”

    A mente de Laab ainda estava enevoada. Fragmentos desconexos passavam como relâmpagos — o olhar vazio de Omar… o grito de Cibele… o riso distorcido do demônio. Ele se lembrava de ter se jogado na frente dela, de uma dor insuportável nas costelas e depois… escuridão.

    “Mas… como eu sobrevivi…? E Cibele… Cibele está bem?”

    O som da porta se abrindo completamente interrompeu seus pensamentos. Seus olhos se voltaram, ainda turvos, em direção à entrada.

    Uma jovem entrou no quarto.

    Cabelos encaracolados caíam emoldurando seu rosto pálido, marcado por manchas brancas. Usava um vestido preto, simples e elegante, e um curativo escondia parte de sua bochecha. Mesmo assim, havia algo de forte e belo nela — como se tivesse atravessado o inferno… e voltado.

    Quando Cibele viu Laab acordado, seus olhos se arregalaram. A tristeza que carregava no rosto foi rompida por um raio de alívio. Sem conseguir conter as lágrimas, ela correu até ele.

    — Laab…! — sua voz falhou.

    Ela se jogou sobre ele, afundando o rosto em seu peito, apertando-o com força, como se quisesse costurar aquele momento na eternidade.

    Como se dissesse, sem palavras:

    “Eu não posso… perder mais ninguém.”

    Cibele apertou ainda mais forte Laab, até que ele gemeu de dor.

    — Ahn…!

    — Me desculpa! — disse ela, soltando-o rapidamente, com os olhos arregalados e as lágrimas escorrendo sem controle.

    — Você ficou em coma por três dias… — continuou, com a voz trêmula. Ela pausou por um instante, e então suas lágrimas aumentaram, escorrendo ainda mais intensas. Seu belo rosto, antes iluminado pelo alívio de ver Laab acordado, agora carregava uma tristeza profunda, amarga em seu cerne. — Laab… o Omar… ele…

    — Eu sei, Cibele… — Laab a interrompeu, sua voz baixa e pesada.

    Seu rosto escureceu, como se uma sombra pairasse sobre ele.

    Omar estava morto.

    E no fundo, Laab sabia de quem era a culpa. Se o Potestade de Nova Osíris não tivesse permitido a entrada dos demônios na cidade… Omar ainda estaria vivo.

    Ele apertou os lençóis com força e perguntou, com os olhos fixos no teto:

    — O que aconteceu, Cibele? Por que demônios conseguiram entrar no distrito?

    Cibele, sentada ao lado da cama, com os olhos marejados, hesitou. Mas antes que respondesse, Laab estendeu a mão e, com um lenço da mesinha ao lado, enxugou suas lágrimas com cuidado.

    Ela respirou fundo e então respondeu:

    — Todos os Amesh do terceiro estado estão mortos… e a Potestade, Corrente Rubra está gravemente ferida. Em coma.

    “O quê?”

    Um olhar de puro desespero surgiu no rosto de Laab. Ele levou a mão à testa, tentando organizar os pensamentos que se embaralhavam como trovões.

    — Co-como isso aconteceu?

    Cibele baixou os olhos, sua voz mais suave do que nunca.

    — Um demônio de Grau Marques apareceu. A Corrente Rubra e sua coorte lutaram contra ele… ela foi a única sobrevivente.

    Grau Marques.

    Laab sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ele não conseguia sequer imaginar o poder de uma criatura daquele nível. Era inconcebível para alguém tão frágil como ele estimar a verdadeira extensão de tal força.

    “Se a igreja do conhecimento tivesse mandado mais Potestades… talvez Omar estivesse vivo.”

    Laab fechou os olhos, pressionando as pálpebras com força, tentando segurar as lágrimas que ameaçavam cair novamente.

    Algum tempo se passou, e Cibele já havia ido embora. Estava resolvendo os preparativos para o funeral de Omar… deixando Laab sozinho com seus pensamentos.

    Omar estava morto.

    “Por culpa dos Amesh, que eram fracos…”

    “Por culpa da Potestade, que era fraca…”

    ‘”Por culpa da igreja, que era tão incompetente…”

    Esses foram os pensamentos que invadiram a mente de Laab, entorpecida pela raiva e pela dor. Mas, no fundo, ele sabia. Ninguém era verdadeiramente culpado pela morte de Omar.

    “Os Amesh lutaram até o fim para proteger a vida dos cidadãos…”

    “A senhora Corrente Rubra enfrentou o inimigo mesmo após ver seus companheiros caindo, um a um…”

    “Nova Osíris era considerada uma área segura. Não havia demônios de grau elevado por perto. O Governo não teria como prever o surgimento de um Grau Marques…”

    Laab baixou os olhos, e seu rosto escureceu.

    O ódio não desapareceu. Pelo contrário — crescia, mas agora, não era dirigido aos outros.

    Era a si mesmo.

    Seu olhar se fixou na janela ao lado. A luz do fim da tarde projetava seu reflexo no vidro, e naquele espelho silencioso, ele viu apenas fraqueza.

    Ele cerrou os punhos até os nós dos dedos esbranquiçarem. Seus dentes rangeram.

    “Eu matei Omar.”

    Omar morreu porque Laab foi fraco demais para protegê-lo.

    Se tivesse corrido na frente… Se tivesse sido mais rápido… Se tivesse enfrentado o demônio cara a cara, sem hesitar… talvez Omar ainda estivesse vivo.

    Claro, ele estaria morto em seu lugar. Mas isso não importava.

    Laab não queria perder mais ninguém. Nunca mais.

    E para isso, só havia um caminho.

    Poder.

    Muito poder.

    Foi então que Laab ouviu um zumbido.

    Tzzzzrgh…

    O som ficou mais forte, como se um enxame de moscas estivesse se aproximando do quarto.

    O ar pareceu pesar.

    Tzzzzrgh…

    De repente, milhares de moscas negras invadiram o quarto, espalhando uma sensação de nojo, caos e podridão. Elas vinham de todos os cantos — do teto, das frestas, do chão — zunindo como gritos abafados.

    As moscas se juntaram em um único ponto, girando freneticamente, até que, no centro do enxame, uma figura começou a se formar.

    Um homem.

    Aparentava cerca de quarenta anos. Cabelos loiros, curtos e bem penteados. Um cavanhaque alinhado emoldurava o sorriso torcido que carregava. Seu corpo era alto e forte, com um porte elegante, mas… algo nele parecia desajustado. Vestia um grande casaco preto, com uma camisa social cinza por baixo e calças de terno escuras.

    Mas o que mais chamava atenção era o olhar.

    Olhos completamente brancos, como se a íris tivesse sido apagada por alguma verdade impossível. Neles dançavam sensações de engano, horror… e um caos primitivo, difícil de explicar, impossível de ignorar.

    Ele sorriu, um sorriso largo e profano, enquanto falava com uma voz que parecia composta de mil tons — suave, cruel, brincalhona e mentirosa, tudo ao mesmo tempo.

    — Olá. Sabe, achei você extremamente gentil. Então, quando descobri que estava no hospital… decidi fazer uma visita.

    O coração de Laab parou por um instante.

    “Era ele… o cliente de antes do ataque demoníaco!”

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