Capítulo 067 - Administre com folhas!
Capítulo 067 – Administre com folhas!
O Bosque das Folhas Densas era visto como um templo, um forte, erguido pela própria natureza, estendendo-se em uma vastidão tão intocada que se assemelhava a um terreno sagrado.
O emaranhado verde cerrava os visitantes como se fosse um pedaço vivo de um ser que guiava o caminho de formigas com suas mãos. Aquele céu que estava tão azul e límpido acabou coberto por um dossel de folhas.
Árvores altas, arbustos cheios e raízes expostas que cercavam os troncos tão vizinhos um do outro.
Os três caminhavam por entre essas muralhas naturais, o labirinto verde, visto tão magicamente.
Graças ao trabalho regressivo do rei bárbaro, brutal, mas necessário, esculpido à força com o trabalho de dezenas de lenhadores, o trio adentrava pela trilha feita desde a cruzada contra os goblins.
Chiara era uma jovem druida, recém-nomeada como guardiã do Bosque. Avançava à frente dos dois homens com passos acelerados e ansiosos. Seus cabelos eram tingidos com inúmeros extratos de ervas que permitiam que suas madeixas esverdeassem quase como as folhas dos carvalhos.
Ela usava um manto que a cobria quase que completamente, embora adornado com raízes vivas e algumas folhas. Em sua simplicidade, ela carregava muita beleza, era uma mulher serena e observadora.
Sempre fora conhecida por tamanha empatia e senso de ajudar quem precisasse, por conta das vestimentas e da bondade sem precedentes, muitos a chamavam de Mãe Verde.
— Mas como aqui é adorável… Belo… Como é diferente! — dissera a mulher, claramente maravilhada.
As poucas manchas solares que passavam entre as folhas e os troncos espessos iluminavam esquilos, pássaros e outros pequenos seres, gradualmente tentando retornar ao seu lar após a enorme infestação das pequenas criaturas esverdeadas. Que dançavam entre o emaranhado.
O ar estava com uma umidade quase doce, havia diversas fragrâncias silvestres. Chiara poderia crer que diversas flores escondiam-se embaixo daquelas espessas raízes.
A brisa era calma, acolhedora, diferente do ar frio e sorrateiro que esse bosque um dia já teve.
A mulher fitava principalmente as árvores que se entrelaçavam como sentinelas, até os mais precisos especialistas não conseguiam explicar por que o bosque permitia uma proximidade não natural com tanta abundância.
— Esse caminho criado pelo nosso rei foi uma verdadeira mão na roda… — dissera Ivan Láparo.
O astuto patrulheiro velho, de cabelos e barba claros como a neve, com aquele olhar sagaz que se escondia nos óculos de madeira feitos por Gambiarra.
O outro homem que andava com essa dupla era Milo Verde-folha, o druida, que falava contido, andava observando mais a moça do que os arredores, sua barba branca descia até o peito e seu cabelo até o meio das costas.
— Acredita que conseguimos até descobrir um lago nessas imediações? — continuara Láparo — Ele também é muito belo.
— Soube do lago. — Adicionou o Verde-folha. — Límpido, circular e rodeado de árvores que pareciam se curvar diante da sua presença, é praticamente um templo natural. Parece perfeito.
Por mais que fosse considerada demasiada jovem, Chiara foi escolhida como um símbolo de equilíbrio entre os Láparo e os Verde-folha, que tiveram que deixar seus rancores mútuos de lado graças à ordem direta do rei tribal.
Que regia com uma imposição poderosa, os dois clãs que mais brigavam pelo bosque foram obrigados a abdicar do seu controle direto e, em consenso, deveriam designar alguém como zelador, uma escolha que, apesar do peso amargo entre a relação dos dois. Precisava ser um acordo recíproco.
Chiara estava no meio-termo, vista amistosamente tanto por Ivan quanto por Milo, não existiria outra pessoa que pudesse estar tão neutra perante os dois da forma em que essa andarilha druida estava. Logo, daí surgira a grande escolha.
O Conselho dos Nobres odiava que, diferente de Aiden. O maldito Ayel era indobrável.
As vestes do trio roçavam no mato baixo, algumas das raízes tentavam abocanhar o longo manto do Verde-folha, que quando lembrava, puxava para cima da sua canela.
Há cada nova clareira, nova trilha e um novo caminho: era possível ver o brilho nos olhos de Chiara, que se perdia nas belezas que aquele lugar escondia por tanto tempo. O medo, principalmente de não conseguir retornar, afastava todos os possíveis visitantes daquela área.
A jovem continuava a vislumbrar a clareira, a principal, encontrada facilmente pelo rastro do rei.
— Isso parece muito mais um presente para mim do que um trabalho. — Ela elogiava.
Havia ali, roubando um pouco da visão de todos, uma árvore colossal, seu tronco era tão largo quanto uma extensa torre de pedra, suas raízes eram espessas e serpenteavam brutalmente como veios poderosos e antigos.
Talvez sempre estivesse ali, mas os goblins e o corpo do necromante haviam usurpado a atenção.
— Acredito que por conta da facilidade desse trajeto… O provável é que eu me fixe por aqui. Principalmente agora que sei da existência do lago… Aquela árvore ali parece uma boa pedida, se eu conseguir torná-la oca sem a ferir tanto, poderia construir minha casa dentro dela.
Chiara sempre foi muito criativa, ela visualizava a vida na natureza como um luxo que somente poucos poderiam aproveitar, ela não se sentiria confortável de erguer edificações no meio do emaranhado verde, ela acreditava ser muito mais respeitoso aproveitar tudo que o bosque poderia oferecer sem interferência humana.
Ivan sorriu ao escutar o que a moça disse, maneou a cabeça em aprovação.
— Engenhoso, e ainda assim muito belo. Podemos chamar os relicários para tratar da parte mais pesada desse trabalho que você almeja.
— Sempre querendo designar o trabalho árduo para os outros, não é? Láparo? — alfinetara Milo, arqueando a sobrancelha.
O patrulheiro gesticulou com desdém e respondeu bem-humorado:
— Me erra.
O pequeno grupo seguiu adiante, com a Mãe Verde tocando folhas e escutando os sussurros de histórias anteriores, contadas pelos dois homens que a guiavam. A queda dos Láparos perante os goblins foi um ponto de uma discussão. Láparo e Verde-folha não conseguiam adentrar em um consenso sobre os mitos, lendas e eventos passados desse bosque.
A moça ignorou e tentou mudar o tópico.
— Eu poderia utilizar aqui como um local para nós, seres da floresta. Sei que o reino tem uma falta gigantesca de druidas e patrulheiros, não é isso?
— Sim. Não há muitos patrulheiros no reino por conta da falta de acesso às florestas na região. O emaranhado verde havia coberto tudo. — Assentiu Ivan, com muito mais seriedade.
— E com a ascensão do Covil do Escorpião — completara Milo — poucos druidas ainda mantinham a utilidade prática.
Uma centelha poderia ter nascido no meio dos olhos da garota.
— Uma boa administração do Bosque das Folhas Densas pode ocasionar um ambiente que renderia até a criação de uma sede de guilda, para todas as profissões que visam a natureza.
Durante o percurso, eles desviavam-se em pequenas trilhas laterais, andando com um certo cuidado por terrenos que ainda não haviam sido vistos. Enquanto preocupavam em passar as diretrizes desse novo trabalho para a garota, os dois membros do conselho dos nobres volta e meia visualizavam a mesma ajoelhando-se para colher folhas largas ou pequenas flores.
Ela reconhecia seus caráteres curativos.
Milo decidiu auxiliar, com a sua sabedoria ancestral, apontando arbustos que continham diversos frutos.
Bagas avermelhadas e nozes, alguns com pequenas maçãs. A druida agradeceu com muito gosto.
— Um atacado geral, existindo druidas, patrulheiros e xamãs. Bem próximo do que é Nox Arcana para os praticantes de magia. — concluiu Ivan Láparo.
— Exatamente.
Dissera o druida, pegando uma das bagas e levando diretamente à boca.
Ivan também auxiliou, marcando com a sua adaga diversos troncos de árvores frutíferas, para que essas árvores pudessem ser rastreadas e utilizadas em momentos de necessidade. Já que Chiara buscava criar uma pequena comunidade, os recursos precisariam ser administrados imaginando as pessoas que se uniriam à causa da moça dos cabelos tingidos de ervas.
— Gosto da ideia. Poder abraçar os andarilhos que anseiam por algum canto para poder ficar… Mas não se encaixariam na civilização de Sihêon. Posso dar-lhes um lar verde, vivo… sagrado.
— A ideia não é ruim, podemos levá-la adiante. — ponderou o patrulheiro nobre. — O rei Ayel permitiria provavelmente a abertura de uma sede de guilda, mas anexaria a coroa, como sempre faz.
— Isso não significa que ela tenha que aceitar. — retrucou Milo.
— Arriscado, a guilda que não estiver ao lado da coroa estará contra ela. O homem que entregou o bosque para a Chiara será o mesmo que tomará dela. E consequentemente, tirará de nós.
— Ivan, estou começando a achar que a nossa majestade seja somente um cão que ladra, mas não morde.
— Está com vontade de cutucar uma onça com vara curta? Isso é perigoso, Verde-folha. Eu não compactuarei. — rosnou Láparo.
E o homem continuou, voltando a sua atenção para a druida aprendiz:
— Se o rei oferecer anexos, dobre seus joelhos… Ou verá este presente tornar-se a sua maldição.
— Frouxos. — Dissera Milo ao observar que a mulher dos cabelos verdes assentiu calmamente, ambos estavam infectados pela influência tribal na coroa.
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