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    Meus ossos… não estão apenas quebrados. Eles foram estilhaçados, reduzidos a pequenos fragmentos que se espalharam dentro do meu corpo como cacos de vidro. Cada movimento, por menor que seja, envia ondas de dor que percorrem minha espinha como eletricidade. Minhas costelas se movem de forma errada quando respiro, como se algo dentro de mim estivesse fora de lugar — e está.

    Minha mente tenta resistir, tenta se manter consciente, mas os pensamentos se embaralham. As palavras perdem sentido. O mundo ao meu redor se desfaz em manchas. Minha visão está completamente embaçada, tudo gira, tudo pulsa. Eu mal consigo distinguir o chão do céu. Cada piscada é um esforço hercúleo, e o simples ato de respirar parece um castigo.

    Sinto que o próximo suspiro… será o último.


    Meu corpo atravessa o que restou de várias árvores enormes, com os troncos partidos pela força absurda das correntes que me arrastam. Galhos e folhas cortam minha pele enquanto sou jogado contra o solo com brutalidade. Sinto minha carne rasgar. Os espinhos se cravam. A terra está fria e dura, como se zombasse de mim por ainda estar vivo.

    Sou arrastado pela floresta como se fosse um saco de ossos quebrados. O barulho das correntes se arrastando pelo chão acompanha o som abafado dos meus gemidos de dor. Deixo atrás de mim um rastro de sangue, largo e profundo, marcando minha trajetória de sofrimento.

    Talvez, no futuro, esse rastro sirva como aviso. Um lembrete para que ninguém mais ouse atravessar esse lugar amaldiçoado.

    Bato a cabeça em pedras afiadas durante o trajeto. Mas já não sinto nada. Nem dor, nem choque. Meus sentidos estão embotados. Tudo parece distante. Frio. Silencioso.

    O único sentimento que me resta… é pena.

    Pena de mim mesmo.

    Pena de ter acreditado que era especial. Que era o protagonista desta história. Que tinha algum tipo de destino grandioso. Que conseguiria proteger alguém. Que poderia ser forte.

    Mas eu sou só um verme.

    Um fracasso.

    Um lixo que nem sequer conseguiu se defender de correntes.


    Kael me treinou todos os dias. Me destruiu para me reconstruir. Me quebrou até que eu aprendesse a suportar qualquer dor. Ele dizia que eu precisava ser forte. Que eu precisava aguentar.

    Mas no fim…

    No fim, todo aquele sofrimento não serviu de nada.

    Eu sou um fracasso.

    Meu corpo está destroçado. Meus músculos estão rasgados. Minhas articulações deslocadas. Sinto costelas perfurando meus órgãos a cada respiração. Meu sangue escorre sem parar, formando poças quentes sob mim.

    Estar vivo não é uma bênção. É uma tortura.

    Sinto que estou sendo punido. Que algum deus sádico está me obrigando a continuar respirando só pra que eu sofra mais um pouco.

    Eu queria me curar.

    Queria me concentrar.

    Mas minha mente está nublada demais. Não consigo invocar mana. Não consigo sequer lembrar como. Não há espaço para esperança aqui. Só há agonia.

    — Me mata logo… — penso.

    Por favor… Deus… acaba com isso… eu imploro.


    As correntes me puxam mais uma vez. Agora, com uma direção clara.

    Sou arrastado até ela. A mulher.

    Aquela criatura demoníaca de antes, que parece ter emergido de um pesadelo. Seus olhos brilham com uma excitação doentia, como se meu sofrimento fosse sua fonte de prazer. Ela me observa com um sorriso sádico nos lábios enquanto me ergue pelas correntes, pendurando-me de cabeça para baixo como um animal prestes a ser abatido.

    O sangue corre pela minha testa e escorre por meus cabelos, entrando em meus olhos, queimando minha visão.

    — Olha só… você tá vivo. Ahaha… — ela ri com escárnio, uma risada aguda e macabra que ecoa na floresta como um trovão distorcido.

    Ela se aproxima lentamente, colocando a mão na minha boca. Suas unhas, longas e afiadas como garras, se cravam nos cantos dos meus lábios, rasgando minha pele. Sinto o gosto metálico do meu próprio sangue escorrer pela garganta.

    — Se você me implorar por piedade… eu deixo você viver… — ela sussurra, puxando minha cabeça para perto do seu rosto. Seu hálito é quente e doce… mas podre, como carne apodrecida.

    E então, ela me solta.

    Caio como uma pedra, meu corpo já sem forças para gritar.


    As lágrimas escorrem, mas não por medo.

    É raiva.

    É humilhação.

    É o ódio de ser fraco demais para fazer qualquer coisa.

    — V-vai… p-pra c-casa… do c-c…ralho… — consigo dizer, gaguejando, engasgando com o sangue e as lágrimas misturados em minha garganta.

    Ela para.

    Seus olhos brilham de novo. Mas não de raiva — de excitação.

    — Então você escolheu morrer… Que pena… — ela diz, fingindo tristeza enquanto acaricia meu rosto como se eu fosse uma criança.

    — Tem várias formas de matar alguém… mas eu gosto mesmo… é de fazer ela sofrer. Gosto de quebrar a alma, não só o corpo. Gosto de ver os olhos se apagando, ver a última centelha de esperança se extinguindo. E aí, quando tudo o que resta é uma casca vazia… eu finalizo. Simples. Limpo. Sem emoção. Você ainda vai gritar muito antes de partir…

    Ela sorri.

    E então começa a rir. Uma risada que gela meu sangue.

    — Hahahahahaha…


    Então é assim que tudo termina?

    Esse é o fim da minha história?

    Sempre imaginei que, se eu morresse neste mundo, seria de maneira grandiosa. Como um herói. Como alguém que salvou vidas, que fez a diferença, que caiu em batalha com honra.

    Ou talvez como um nobre qualquer… que ao menos ajudou algumas pessoas antes de partir.

    Mas aqui estou eu… caído, coberto de sangue e poeira… prestes a morrer pelas mãos de uma lunática psicopata.

    Que fim ridículo.


    — Ah… ahahh… — uma risada escapa por entre meus dentes quebrados.

    Mesmo com o sangue me afogando, mesmo com a dor latejando em cada centímetro do meu corpo, mesmo engasgando com minha própria saliva e os pedaços de dente que dançam na minha língua… eu rio.

    Uma risada fraca, rouca, sufocada… mas genuína.

    Sinto a garganta queimar. Um espasmo me faz tossir ainda mais sangue, mas isso não me impede. Pelo contrário… eu torço o corpo, retorcido e ensanguentado, apenas para dar vazão à risada.

    — Aahahaha… hahah… ha…!


    Como não rir agora?

    É hilário.

    Cômico.

    Trágico.

    Como eu, um merda qualquer, um idiota com sonhos idiotas, pude achar por um segundo que seria forte? Que seria alguém? Que poderia se tornar algo além da lama de onde veio?

    Como um lixo pode sonhar em brilhar?

    As pessoas não mudam.

    E eu sou a prova viva — ou quase morta — disso.

    Sou o mesmo fracassado de antes. Apenas com roupas diferentes, com um nome novo e com ossos a mais quebrados. A essência nunca mudou. Sempre fui um inútil. Apenas fantasiei ser algo a mais.

    E isso… isso é tão absurdo que me faz rir mais ainda.


    — HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA—!
    Minha risada explode como um grito de desespero disfarçado de loucura.

    Minhas entranhas doem. Meus pulmões queimam. Meus olhos sangram.

    Mas eu rio.

    Porque a dor, a morte, a humilhação… tudo isso perdeu o peso. Só sobrou o vazio.

    E o vazio é engraçado.

    Muito engraçado.

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