Capítulo 244: Diário [1]

Levei um tempo para juntar completamente minhas memórias. Lembrar do período em que havia perdido todas as minhas memórias foi relativamente fácil de digerir.

Por outro lado, recordar os eventos após eu emergir da Vontade do Dragão foi muito mais desafiador.

As memórias estavam fragmentadas e não eram exatamente agradáveis.

Mas, gradualmente, elas também começaram a fazer sentido.

“Ah, entendo…”

Virei minha cabeça em uma direção específica.

Lá, encontrei dois pares de olhos. Eles me encaravam com expressões complexas, e eu encolhi os ombros.

“Não esperava que as coisas acabassem assim.”

Olhando para minha janela de status, mudei para o registro de missões.

De fato, a missão ainda estava ativa. Eu lembrava vividamente de tê-la recebido logo após entrar na névoa estranha.

Minhas memórias daquela época ainda estavam um pouco confusas, mas lembrava de receber a missão e a visão que a acompanhava.

…Naquela visão, vi todos sentados em fileiras enquanto o Arcebispo se preparava para o ritual de sangue.

Era uma visão sufocante, onde me senti impotente vendo todos perecerem diante dos meus olhos.

Foi também naquela visão que notei alguém ao lado do Arcebispo.

Era Kaelion.

Sim, ele havia traído todos, exatamente como estava fazendo agora.

Eu só estava falando bobagem quando disse que ele fez bem.

…Ele realmente traiu todos, e eu estava enredando ele.

‘Eu agora estou segurando seu ponto fraco.’

Se eu pudesse usar alguém, eu o faria. Como o Coruja-Poderosa, eu planejava empregar qualquer um que pudesse ajudar minha causa.

Então, e se eles tentaram me matar em algum momento… Se fossem úteis para mim, isso não importava.

Isso tornava as coisas mais simples para mim.

…Significava que eu não precisava formar apegos.

“Ei, seu bastardo!”

Uma voz interrompeu meus pensamentos. Voltando, encarei alguém.

Sua expressão parecia uma mistura de emoções, mas a raiva estava definitivamente presente.

“…Não vou te perguntar nada agora, mas isso dói. Você se importa?”

“Ah, certo.”

Olhando ao redor, vi todos presos a seus assentos e cocei a parte de trás da minha cabeça.

“…Quase esqueci.”

Virando para Kaelion, que obedientemente acenou com a cabeça, me movi para ajudar os outros cadetes. Eles olharam para ele, mas a intensidade havia se transformado em confusão.

“Droga, isso dói.”

Kiera gemeu enquanto eu removia os pregos que a mantinham no lugar. Ela fez uma careta, mas além disso não parecia muito incomodada.

“Pronto.”

Sangue manchava o chão onde removi os pregos. Kiera rapidamente canalizou sua mana para estancar qualquer sangramento adicional, mas ela precisaria de cuidados profissionais.

Havia também alguns cadetes com membros faltando. Eu não poderia ajudar nesse aspecto, e a única maneira seria através de algum remédio muito caro que o Império provavelmente forneceria como compensação pela situação.

Ou pelo menos, eu esperava que fosse o caso.

Não tinha muita certeza se eles realmente fariam isso.

“Aff, vá ajudar os outros.”

Kiera disse, esfregando o pescoço enquanto murmurava para si mesma, ‘Droga, isso dói mais do que eu pensava.’

Vendo que eu ainda a olhava, ela ergueu a cabeça e acenou com a mão.

“Pergunto depois.”

“…..”

Acenei sem dizer uma palavra e fui ajudar os outros. Comecei com as pessoas que considerei estar em condição mais crítica. Aqueles com membros faltando ou que estavam à beira da morte.

O sangue havia sido todo tomado pelo Arcebispo, e assim não consegui encontrar uma maneira de ajudá-los.

“Aqui, descanse um pouco.”

Ajudando um cadete do Império Aurora a descer, desviei minha atenção para Aoife.

“…..”

Ela não disse nada enquanto eu a ajudava a tirar os pregos que a prendiam.

“Me avise se doer.”

Ela acenou silenciosamente enquanto eu a ajudava a remover os pregos. Ela nem mesmo estremeceu durante todo o processo, o que foi um pouco surpreendente.

‘Acho que ela deve ter uma alta tolerância à dor.’

“Como princesa, fui treinada desde criança para suportar esse nível de dor. É para que, se eu for torturada, não revele nada.”

“Oh.”

Isso fazia sentido.

Ela era de fato a cadete com maior pontuação no teste de tolerância à dor.

Isso explicava.

“…Você ficou ausente por um bom tempo.”

“É verdade.”

Terminando com sua mão esquerda, ela falou novamente. Desta vez, suas palavras foram muito mais suaves. Era quase como se ela estivesse com medo da minha reação.

“No tempo em que você esteve ausente, me tornei a Estrela Negra.”

Suas palavras me fizeram pausar. Erguendo a cabeça, nossos olhos se encontraram.

“Você finalmente percebeu.”

Aoife falou, seu olhar penetrante.

“Você age como se não se importasse, mas se importa com o título, não é?”

“…Um pouco.”

Isso tornava as coisas muito mais fáceis para mim.

Eu me arrependi de ter perdido o título, mas era compreensível. Eu estive ausente por quase meio ano.

Alguém tinha que preencher o papel enquanto eu estava fora.

Além disso, sua força parecia ter aumentado significativamente.

Ela não era uma má Estrela Negra.

Mas e o Leon? Ele recusou o papel?

Não ficaria surpreso se ele tivesse.

Parecia típico dele.

“Você quer o título de volta?”

A pergunta inesperada de Aoife me pegou desprevenido. Enquanto pausava, nossos olhos se encontraram novamente.

“Se você quiser, posso devolver para você. Eu não ganhei o papel, então você pode ficar com ele. Vou recuperá-lo. Sim, vou recuperá-lo. Não pense demais nisso. Eu ficarei bem.”

‘…Seu tom sugere o contrário.’

Segurei essas palavras e me concentrei em remover os pregos restantes.

“Por que você não está respondendo?”

Apesar de suas perguntas persistentes, continuei a ignorá-la. Ela não estava em seu estado mental correto; emoções estavam nublando seu julgamento.

Eu não poderia culpá-la.

Mas no fundo, sabia que havia verdade em muito do que ela disse.

“Vamos discutir isso depois.”

Depois de remover o prego final, limpei minhas mãos e me preparei para seguir em frente.

“Ei, espere.”

Mas logo antes que eu pudesse sair, Aoife me parou. Virando para ela, encontrei seu olhar.

Ela hesitou, abrindo e fechando a boca várias vezes. A palavra que ela queria dizer nunca realmente saiu de sua boca, que continuou a abrir e fechar como um peixe fora d’água. Teria sido engraçado se minha câmera estivesse aqui.

Mas não estava.

Franzindo a testa, esperei.

“Se você não tem nada a dizer, estou indo.”

“Ah…”

Um som escapou de seus lábios, seguido por palavras.

“…É bom ver você de volta.”

Surpreso, olhei para ela por um breve momento. Então, registrando as palavras que saíram de sua boca, soltei um breve suspiro antes de me virar.

“Hmm.”

Acenei levemente, um pequeno sorriso se formando em meus lábios.

“Obrigado.”

Era bom estar de volta.

Não apenas em termos de memórias, mas por minha sanidade.

Meus problemas…

Todos eles haviam sido resolvidos. As vozes haviam cessado, e minha mente estava clara. Era uma sensação desconhecida, que eu esperava que durasse.

Foi esse sentimento que realmente me fez perceber que eu estava de volta ao normal.

….Isso foi muito libertador.

Mas é claro, agora não era hora de pensar nisso.

‘Devo parar de perder tempo.’

Depois de ajudar Aoife, prossegui para auxiliar os cadetes restantes. Finalmente, cheguei a Leon, que parecia um tanto descontente.

Parando diante dele, trocamos olhares.

Apesar da mordaça em sua boca, seus olhos transmitiam seus pensamentos.

‘Por que demorou tanto?’

Sua expressão parecia dizer.

“…Eu não tenho favoritos.”

‘Ha! Você ajudou todo mundo antes de mim! Se você não tem favoritos, você tem uma vantagem indesejada!’

“Você está imaginando coisas.”

‘Sim, você provavelmente está certo.’

‘Não, não foi o que eu disse.’

“Tsk.”

Fiz um som com a língua.

Ele era hábil em ler minha mente também.

Balançando a cabeça, comecei a remover seus pregos. Foi um processo rápido, e logo ele estava livre. Ele estava em um estado bastante lastimável, mais do que os outros, mas diferente deles, ele não parecia se importar com seu corpo enquanto começava a massagear seus músculos.

“Ukh.”

Ele gemeu de dor várias vezes antes de erguer a cabeça para me olhar. Parecia haver muitas coisas que ele queria me dizer.

“Fala logo.”

Foi só depois que o pressionei a falar que ele finalmente falou.

“Você esteve aqui o tempo todo. Por que não disse nada? Se eu soubesse, não teria…”

Leon pausou, seu rosto se contorcendo.

“Me traído?”

Terminei sua frase, e ele franziu os lábios.

“Eu só—”

“Não, está tudo bem. Não guardo rancor.”

Cortei-o antes que ele pudesse dar desculpas.

Eu definitivamente não guardava rancor pelo que ele fez naquela época quando expôs ‘eu’ na frente de todos.

“Eu não estava no estado mental correto de qualquer maneira. O que você viu era eu, mas não eu ao mesmo tempo. Você está bem.”

“Ah, agora entendi.”

De repente, a compreensão surgiu em Leon.

“Você me deixou por último porque guarda rancor.”

“Você está pensando demais.”

Não era isso, mas infelizmente, Leon parecia convencido de sua análise.

“É, não é!”

“Não, não é.”

“….Não sabia que você era esse tipo de pessoa.”

“Então o que você pensava que eu era?”

“Hmmm.”

Leon franziu a testa antes que, eventualmente, seu rosto se contorcesse.

“Não, você está certo. Você é assim.”

“…..”

Balangando a cabeça, virei as costas para ele e me aproximei do corpo do Arcebispo.

“O que você está fazendo?”

Leon chamou de trás. Olhei para ele antes de responder.

“Hmm, só checando algo.”

Aproximando-me, estudei o corpo transformado por um momento. Não parecia em nada com antes, quase monstruoso.

Havia muitas perguntas para as quais eu queria respostas. Sem hesitar, pressionei minha mão contra seu corpo e ativei minha habilidade.

‘Vamos descobrir seus segredos.’

“…”

Fiquei com a mão no corpo do Arcebispo, esperando por uma resposta. Mas para minha surpresa, minha habilidade não funcionou.

“Uh?”

Confuso, verifiquei meu braço, mas a tatuagem ainda estava lá. Foi confuso, e lutei para esconder minha surpresa. Pude sentir os olhares curiosos daqueles atrás de mim, sussurrando entre si.

‘Por que não está funcionando? Algo está me impedindo… Ah.’

De repente, a compreensão me atingiu quando olhei para um dos frascos no chão.

“O sangue.”

Meu coração acelerou com o súbito insight.

‘O sangue poderia estar me impedindo de ler suas memórias? Espera, poderia também ser a razão pela qual perdi minhas memórias?’

Franzindo os lábios, olhei ao redor antes de rapidamente revistar o corpo do Arcebispo. Eu o examinei todo em busca de algo.

“Julien?”

Virando, senti todos os olhos em mim. Abri a boca, pausando brevemente antes de dizer,

“Fiquem aqui e descansem. Preciso investigar algo.”

“Huh? Onde você vai…?”

“Descansem. Voltarei logo. Não posso prometer que é seguro lá fora.”

Sem esperar por objeções, saí. Enquanto caminhava, meu coração acelerou.

Por alguma razão, tive a forte sensação de que estava prestes a descobrir uma pista relacionada à minha chegada súbita neste mundo.

Os Sete Deuses.

Tinha que estar conectado de alguma forma.