Capítulo 71: A Reunião Decisiva
O quarto ainda estava mergulhado nas sombras quando abri os olhos. O despertador sequer havia tocado, mas a sensação de inquietação me despertou antes do horário. Fiquei deitado por alguns segundos, encarando o teto, enquanto minha mente, ainda sonolenta, lentamente se ajustava à realidade do dia.
Era o dia da reunião com Shihei.
Mesmo depois de passar horas polindo o manuscrito, o nervosismo ainda estava lá, teimoso, se recusando a desaparecer. Fechei os olhos e inspirei fundo. Já não havia mais nada a ser feito — o manuscrito estava pronto, os ajustes haviam sido feitos.
Tudo dependia da reunião.
Me levantei, sentindo os músculos levemente tensos, e segui até o banheiro. A água fria contra meu rosto foi suficiente para tirar os restos de sono, e quando ergui o olhar para o espelho, encarei minha própria expressão por um instante.
Ajeitei o cabelo rapidamente e voltei para o quarto, pegando uma roupa qualquer antes de descer para a cozinha.
O aroma familiar de café fresco dominava o ambiente, e o leve barulho das colheres e garfos ecoava enquanto minha mãe e Hana já estavam à mesa.
— Vai sair hoje, Shin? — minha mãe perguntou, levando a xícara de café aos lábios.
— Sim — respondi, pegando uma fatia de pão. — Tenho uma reunião marcada pra daqui a pouco…
— Você anda bem ocupado ultimamente, Shin — Hana comentou, me observando enquanto espalhava manteiga no pão.
— É, um pouco — murmurei, distraído. Minha mente ainda estava presa nos pensamentos da reunião.
O café da manhã passou voando. Assim que terminei, subi novamente para o quarto, pronto para pegar minhas coisas.
Minha mochila estava no canto do quarto, ligeiramente aberta, como se já estivesse esperando por mim. Me aproximei e comecei a guardar o manuscrito — aquele no qual passei a noite anterior trabalhando, melhorando cada detalhe.
Antes de fechar a mochila, meus olhos pousaram em duas folhas dobradas na mesa. Eram anotações que fiz logo depois de finalizar os pedidos de Shihei — ideias soltas, fragmentos de possíveis histórias.
Hesitei por um instante, pensando se deveria ou não levar elas junto comigo. No entanto, antes que pudesse pensar muito naquilo, acabei as colocando na mochila junto ao restante do material. Fechei e joguei a mochila sobre o ombro, enquanto descia as escadas rapidamente.
— Volto mais tarde! — avisei ao passar pela porta.
O ar da manhã era fresco, trazendo uma leve brisa que tornava o início do dia mais agradável. As ruas ainda estavam tranquilas, com poucas pessoas caminhando ou abrindo suas lojas.
Enquanto seguia meu caminho, meus pensamentos vagaram para o dia seguinte. Eu, Seiji e Rintarou sairíamos juntos antes que os trabalhos do Festival Escolar começassem. Depois disso, estaríamos completamente imersos nos preparativos, sem tempo para mais nada.
Mas, antes de pensar mais sobre isso, havia algo mais importante a ser resolvido.
O prédio da Editora Kousei se erguia à minha frente, imponente como sempre. As gigantes portas de vidro refletiam a luz da manhã, dando ao lugar um ar ainda mais profissional do que já tinha. Inspirei fundo antes de atravessá-las, sentindo a familiar sensação de estar pisando em um espaço onde histórias ganhavam vida.
Segui até o balcão da recepção, onde a atendente me reconheceu de imediato.
— Bom dia. Tenho uma reunião com o editor Hajime Shihei.
Ela assentiu e pegou o telefone, fazendo uma breve ligação.
— Pode subir, ele já está esperando por você.
Agradeci com um leve aceno e me dirigi ao elevador. O caminho até a sala de reuniões já não me parecia tão estranho quanto na primeira vez, mas a atmosfera ainda tinha um peso diferente.
Era ali que decisões importantes eram tomadas, onde histórias encontravam seu caminho até os leitores.
Enquanto caminhava pelo corredor, não pude deixar de observar os pôsteres e capas de livros alinhados pelas paredes. Alguns eram de autores renomados… autores que tiveram suas obras adaptadas para animes e filmes, enquanto outros mostravam o famoso título de best-sellers.
Nos corredores, o fluxo de pessoas era constante. Editores passavam apressados, segurando manuscritos e relatórios provavelmente, alguns trocavam ideias de pé, enquanto outros analisavam documentos com expressões concentradas.
O ambiente era vivo, dinâmico. Cada conversa, cada página… contribuía para o processo de criação de algo maior.
Por fim, atravessei a grande entrada para a sala de trabalho principal. O espaço estava repleto de funcionários, todos imersos em discussões sobre projetos, revisando páginas e ajustando detalhes.
E, perto da grande janela que oferecia uma vista linda da cidade, Shihei acenava para mim, indicando o mesmo lugar onde havíamos nos sentado da última vez.
— E aí, Shin! Chegou cedo hoje.
Shihei me recebeu com seu tom casual, mas seu olhar carregava aquela atenção profissional de quem esperava algo importante.
— Bom dia — respondi, me aproximando da mesa. — Não queria chegar atrasado.
Nos sentamos no mesmo lugar da reunião anterior. Sobre a mesa, duas xícaras de café já haviam sido servidas. O aroma forte e familiar se misturava ao ambiente, onde apenas o murmúrio distante dos outros funcionários trabalhava como um som de fundo.
Shihei entrelaçou os dedos sobre a mesa e me observou com um olhar sério.
— Então… finalmente terminou?
Sem hesitar, abri a mochila e tirei o manuscrito revisado. O peso das páginas parecia maior do que realmente era, carregado não apenas pelas palavras, mas pelo esforço dos últimos dias.
— Sim… aqui está.
Entreguei as folhas para ele, que as pegou sem pressa, então, começou a ler, uma por uma.
O silêncio que se instalou rapidamente foi sufocante.
Observei atentamente cada pequena mudança em sua expressão enquanto ele virava as páginas, concentrado. Meu coração batia mais rápido a cada segundo que passava. Minutos se arrastaram enquanto ele analisava cada trecho reescrito, sem demonstrar nenhuma reação clara.
O que ele estava pensando?
Então, após um último olhar para o manuscrito, ele pegou sua xícara de café, tomou um gole e soltou um leve suspiro.
— Bom trabalho, Shin.
Senti um alívio imediato, mas me mantive atento, esperando que ele continuasse.
— Você seguiu bem os conselhos. — Ele folheou novamente algumas páginas. — A diferença é notável. Agora, as decisões dos personagens carregam mais peso, o ritmo está mais equilibrado, e a imersão… — Ele assentiu para si mesmo. — Melhorou bastante.
— Então…
Shihei ergueu o olhar para mim, um brilho animado nos olhos.
— Sim, estou satisfeito. E mais do que isso… estou animado.
Ele apoiou o manuscrito sobre a mesa e me lançou um sorriso discreto.
— Esses trechos definitivamente vão ganhar um espaço de destaque na revista. Isso significa que sua história terá uma grande visibilidade.
Apertei a alça da minha xícara de café, sentindo meu rosto esquentar, e a informação entrar lentamente na minha mente. Meu trabalho iria aparecer para inúmeros leitores. O meu nome… estaria ali.
Esse era o primeiro grande passo.
— Isso quer dizer que… está tudo decidido?
Shihei assentiu, um sorriso discreto surgindo em seu rosto.
— Sim. Seu trabalho será publicado numa edição especial da revista da Editora Kousei. No Natal, quando há um grande número de leitores atentos a novidades.
O peso daquela afirmação me atingiu em cheio. Meu peito se apertou, e por um instante, senti meu rosto corar novamente.
Minha história seria publicada. Não como um rascunho compartilhado entre amigos, não como algo que apenas eu lia e relia pra mim mesmo, mas como uma obra real, impressa, disponível para inúmeras pessoas.
Era uma oportunidade gigantesca e boa — mas também assustadora.
Houve um breve momento de silêncio. Ele girou a xícara de café entre os dedos antes de erguer o olhar para mim novamente.
— Agora que isso está resolvido… já pensou no que conversamos antes?
Pisquei, confuso.
— Hm? O que exatamente?
— Hein? Não é óbvio? Sua próxima obra, oras!
Shihei recostou-se na cadeira, soltando um suspiro quase exagerado.
— Como eu disse antes, Shin… grandes nomes da literatura começaram assim, com uma única história. Mas o que realmente os consolidou foi o que veio depois.
Deixei que suas palavras ecoassem na minha mente por um instante. Na noite anterior, depois de finalizar os refinamentos, algumas ideias haviam surgido. Nada concreto, apenas fragmentos. Mas o suficiente para me fazer pensar que talvez houvesse algo a mais ali.
Mordi o lábio levemente, pensando. Eu tinha algo em mente, sim. E, pela primeira vez, a ideia de escrever uma nova história não parecia um salto tão impossível.
— Pensei sim. Ah, mas ainda não é nada concreto!
Shihei ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.
— É mesmo!? Então me mostre.
Hesitei por um instante antes de abrir a mochila e pegar a folha onde havia anotado algumas ideias soltas. Passei o papel para ele, que o pegou sem pressa e começou a ler.
O silêncio se instalou enquanto seus olhos percorriam cada linha.
— Essa aqui… — ele apontou para uma das ideias. — Não funcionaria muito bem. O público para esse tipo de história é muito nichado.
Passou para a próxima, balançando a cabeça.
— Essa já foi explorada demais. Está completamente saturada, ninguém mais aguenta isso hoje.
Continuei observando enquanto ele analisava cada anotação. Apesar de serem apenas ideias soltas, não pude deixar de ficar um pouco triste com cada rejeição que ele dava.
Ele passou para a última folha. E então, de repente, Shihei parou.
Seus olhos se estreitaram levemente, e sua expressão se tornou mais séria. Ele pareceu reler a linha à sua frente, e, por um momento, ficou completamente imóvel.
Tentei decifrar sua reação, minha ansiedade crescendo a cada segundo. O que fez ele ter aquela reação?
— O que achou? Acha que… — comecei perguntando, quebrando o silêncio.
— Espere um momento… — Shihei inclinou-se para trás na cadeira, olhando na direção de outra mesa. — Ei, Ichiro! Vem aqui um instante!
Um homem que estava analisando alguns documentos ergueu o olhar, visivelmente confuso.
— Que foi, Hajime?
Shihei não respondeu de imediato. Em vez disso, apenas estendeu a folha com minhas anotações. o homem pegou o papel, franzindo a testa enquanto lia a ideia que Shihei havia destacado.
O silêncio durou alguns segundos, minha ansiedade crescendo cada vez mais. Ainda tentava me lembrar de cada ideia na folha final que fizesse com que Shihei tivesse aquela reação.
Então ele murmurou:
— Isso é…
Ele não completou a frase de imediato, o olhar ainda fixo no papel. Shihei riu, cruzando os braços com um ar satisfeito.
— Não é?
Ichiro finalmente ergueu os olhos, fixando o olhar em mim com uma intensidade desconcertante.
— Garoto, foi você que escreveu isso?
Um arrepio gelado percorreu minha espinha, e por um instante, fiquei paralisado. Minha mente correu para tentar entender o que estava acontecendo.
Eu tinha cometido algum erro?
As anotações que fiz eram apenas ideias soltas, nada muito elaborado… Mas era algo tão terrível assim?
— S-sim. Eu sei que não é bom, mas são apenas ideias soltas, então… — gaguejei, ainda tentando processar o que estava acontecendo.
Shihei colocou a folha sobre a mesa e me encarou com um sorriso que se alargava lentamente.
— Shin… se você conseguir expandir essa ideia e desenvolvê-la bem… pode se tornar um fenômeno!
Minha respiração parou por um instante. Um fenômeno?
Não, não, não. Sem chance mesmo. Talvez Shihei estivesse apenas exagerando. Mas ainda assim…
— …Você acha mesmo? — perguntei, tentando controlar a surpresa. — Foi apenas uma ideia solta… nada muito elaborado.
Ele apoiou os cotovelos na mesa, falando com firmeza.
— Não estou exagerando nem um pouco. Essa ideia tem um potencial absurdo! — Ele tomou um gole da xícara de café, e me encarou novamente. — Mas claro, de nada adianta ter uma ideia genial, como essa, e não fazer nada. Tudo depende de como você irá fazer isso.
— Sim, entendi…
Olhei para Shihei, e um sorriso surgiu em seu rosto. Um sorriso gentil.
— Mas… eu confio em você, Shin.
Meu coração disparou com aquelas palavras.
Era apenas uma ideia qualquer, um rascunho sem forma… mas que, de repente, parecia carregar um peso muito maior do que eu imaginava. Eu ainda não conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir.
Shihei se levantou, ainda segurando a folha com minhas anotações, e me encarou com um olhar mais firme.
— Bom, a reunião termina por aqui. Por enquanto, vamos focar na publicação da sua história. Mas quando tiver tempo disponível, desenvolva essa ideia com calma. — Ele sorriu de lado. — Estou realmente ansioso para ver o que você pode trazer na próxima reunião.
Assenti, sentindo o peso daquela responsabilidade, mas, ao mesmo tempo, um orgulho crescente dentro de mim.
— Certo! Eu vou pensar mais sobre isso — respondi, sorrindo.
— Ótimo. — Ele pegou sua xícara de café e se encostou na cadeira. — Nos falamos na próxima reunião. Me envie uma mensagem quando sentir que está pronto.
Nos despedimos com um aperto de mão firme.
Ao sair do prédio da editora, o vento fresco da manhã envolveu meu rosto, carregando o cheiro suave do início de um dia. Parei por um instante, fechando os olhos, e dei um longo suspiro.
Por um momento, tudo parecia mais leve, como se alguém estivesse sussurrando que as coisas estavam indo no caminho certo. Um pequeno sorriso escapou dos meus lábios, quase sem que eu percebesse.
Minha história seria publicada. Não era algo que sequer imaginei, mas no momento, ela estava ali, ao meu alcance.
Mas, mais do que isso, havia algo novo no horizonte — uma ideia que mal começava a tomar forma.
Talvez… uma nova história estivesse prestes a nascer.
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