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    A luz do fim da tarde tocava o convés superior do Nokia, tingindo de laranja os rostos tensos dos capitães reunidos. Nero estava de pé diante da mesa improvisada, feita com partes de madeira recuperadas da prisão em ruínas. O vento soprava forte, mas não o suficiente para dissipar o peso da conversa.

    — Vocês viram o estado dele? — Nero perguntou, com a voz mais baixa do que o habitual. Não tinha ficado nervoso fazia alguns dias, mas sua atenção era para os homens diante dele.

    Miatamo coçou a barba escura, os olhos ocultos sob a mão que tapava o sol.

    — Dante nunca foi do tipo que caía fácil. Nem contra aquela infinidade de soldados. Se o Bastardo conseguiu deixar ele nesse estado, então temos que levar em consideração que estamos em um problema maior do que achávamos.

    — É pior do que isso. — Nekop cruzou os braços, ele tinha tomado o manto marrom limpo, mantendo o semblante caído — Não só ele sobreviveu ao ataque, como parece que ficou ainda mais forte. Se Bastardo retornar, ele vai querer a cabeça de todos nós juntos.

    Foi Porto quem bufou e deu um soco na borda da mesa.

    — Estamos brincando de guerra contra alguém que disse que queria ser Deus. Gladius disse isso. Bastardo já está muito acima da gente. Precisamos parar de fingir que ainda temos controle.

    Nero, de cabeça baixa, ergueu lentamente o olhar.

    — Ainda temos o controle. Só que ele é frágil. Como uma linha em alto-mar. Qualquer movimento brusco, e ela se rompe. Mas enquanto estivermos alinhados… ainda podemos puxar. Vocês estiveram com aquele velho no Mundo Espelhado e viram do que ele é capaz. Confiam nele tanto quanto confiavam em Bulianto, e eu vi o que ele podia fazer. Reunir Duncan e todos os outros navios não foi sorte. Ele quem fez isso tudo, então, não podemos simplesmente descartar qualquer possibilidade de que Dante é alguém diferente… ou semelhante ao Bastardo.

    Silêncio.

    Jack foi o primeiro a se mover, recostando-se contra o parapeito do convés, observando o mar que se estendia como um espelho quebrado.

    — E o que você sugere, Nero? Um ataque total? A gente nem sabe onde o Bastardo está.

    — Sabemos. — Nero deslizou um pequeno mapa pela mesa. — Ou pelo menos, sabemos onde ele esteve. Ele passou pelas ruínas de Onkotho e pelas crateras da Ilha Ardente. Pegou o que restou da frota dos Litorâneos. Agora, o que restou do que restava serve a ele.

    — E se ele estiver indo para a capital? — perguntou Miatamo, afiado. — Se a próxima jogada for contra a Ilha Central?

    — Ele não vai tão cedo — respondeu Nekop. — Ainda não. Se o Bastardo quer acabar com os símbolos, então Dante vai ser o alvo deles.

    — E quem é esse outro símbolo? — perguntou Porto.

    — Gladius — respondeu Nero, firme. — Ou, pelo menos, era pra ser. Mas está tão quebrado quanto Dante. Nosso eixo desmoronou. Isso muda tudo.

    Nekop virou-se devagar, olhos semicerrados.

    — Você acha que ele vai atacar o Norte, Nero?

    Nero assentiu.

    — Acho que ele vai atrás da Rainha. E depois? Depois ele vai querer o resto. As fronteiras. Os arquivos. A Torre da Chama. O Arquivo Abissal. Tudo.

    — E o Glossário? — perguntou Eggis, franzindo o cenho. — Eu vi que ele entrou em Onkotho, mas saiu quase que na mesma velocidade.

    Nero respirou fundo. A voz saiu fria

    . — O Glossário é como um fantasma. Se move, mas nunca aparece. Ele estava na prisão antes de tudo ruir. Duncan disse que falou com ele, e parece que conseguiu o que queria.. E agora… desapareceu com uma das pedras.

    — Ele sempre jogou dos dois lados. Esteve conversando com o Kamitase e com o Bastardo.

    — Não — respondeu Nero. — Está jogando por ele mesmo. E isso nos deixa com dois inimigos. O Bastardo. E o que devia nos guiar.

    Um trovão distante interrompeu momentaneamente a conversa. As nuvens no horizonte pareciam engolir o pôr do sol, tingindo o céu de vermelho escuro.

    — E Dante? — Miatamo perguntou, com um rosto franzido. — Ele vai se recuperar?

    — Pomodoro diz que sim. Mas a energia acumulada no corpo dele está corrompida. Ele foi exposto demais. — Nero olhou de relance para o convés inferior. — Mesmo se acordar… talvez nunca mais seja o mesmo.

    Então ele se tornou o que tanto odiava. Um símbolo quebrado.

    — Não — Nekop rebateu, calmo. — Dante é um guerreiro. E guerreiros voltam. Sempre voltam.

    Nero fez um gesto com a mão, indicando que o assunto encerrava por ali. Mas os olhos dele mostravam que havia mais a ser dito. Muito mais.

    — Em dois dias vamos zarpar — anunciou. — Precisamos reforçar a aliança com a Rainha do Norte. Se ela nos der abrigo, poderemos montar defesas. Reunir os feridos. E tentar entender a extensão do dano.

    Guaca descruzou os braços.

    — E se ela recusar?

    — Então jogaremos com o que temos. — Nero apertou os punhos, não querendo descobrir da pior maneira o motivo da Rainha do Norte ser tão drástica. — Mas não vamos esperar. Da próxima vez que o Bastardo aparecer, não teremos tempo para reagir.

    O grupo começou a dispersar, cada capitão carregando para longe sua carga de dúvida e temor. Quando só restavam Nero e Nekop no convés, o guerreiro de mantos dourados se aproximou.

    — Seu discurso hoje foi bonito. Nós precisamos planejar mais. Mas, o que está pensando sobre isso tudo? Sabe que o navio não pode ficar parado em terra.

    Nero ficou em silêncio por um instante, observando o mar. Depois, falou com uma convicção que parecia antiga, enraizada.

    — Bastardo vai querer voltar. E nós vamos ter que lidar com isso de uma maneira ou de outra. Eu quero acreditar que temos que nos armar mais, fazer mais alianças. Se todo o boato de que ele se fundiu a essa Energia Cósmica, então, nós vamos ter que lidar com outro tipo de pessoa. Outro tipo de criatura.

    Nekop sorriu, fraco.

    — E eu achando que Bulianto tinha mais problemas. Agora, a gente é inimigo de um Deus? Que loucura.

    — Não precisa ficar preocupado. — Nero tinha fé em sua própria convicção. – Vamos resolver isso de alguma forma.

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