O escritório estava cheio hoje. Muitos membros do setor de inteligência estavam presentes, preenchendo documentos e averiguando casos, assim como eu.

    Algumas mesas estavam cheias de papéis brancos, como se tivesse nevado sobre elas. Alguns agentes até mesmo digitavam tão rápido que pareciam desesperados, era engraçado.

    Me lembrei da dívida e que eu já havia feito o saque do pagamento da missão.

    — O dinheiro é o suficiente, Kenji? — disse Satoshi.

    Eu já havia recebido o pagamento, mas como fui avisado, o salário daquela missão foi cortado pela metade e ainda faltava muito para o pagamento mensal.

    — Não é… — respondi.

    Contei as notas em minhas mãos, essas quais eu havia feito o saque apenas alguns minutos atrás. Olhei para aquele dinheiro, contei e contei novamente as notas.

    — Droga!

    Que droga, que merda! Amanhã é o dia de pagar ele… Eu preciso do dinheiro. Como vou conseguir o restante?

    — Sinto muito, Kenji. — disse Satoshi.

    Não respondi, apenas respirei ofegante, com raiva.

    — Se acalma, isso não vai resolver nada… Pensa no que fazer, como falar com ele, se há uma forma de conseguir mais dinheiro. — Satoshi sugeriu.

    — Não dá tempo. Eu só preciso me preparar para conversar com ele. — respondi.

    — Ele é tão poderoso assim, Kenji? Não entendo esse medo que sente dele, além da raiva.

    — Ele é forte.

    — Lutamos contra Hanran Senno e fomos capazes de bater de frente. O que esse cara tem de especial? — indagou Satoshi.

    — Estamos no escritório, não é bom falar disso aqui. Vão me ouvir falando sozinho e me chamarem de louco…

    — Acho que você já falou sozinho o suficiente aqui para acharem você meio maluco.

    Olhei para a tela do computador, e então levei minhas mãos até ele. Digitei e registrei meu horário de almoço, então me levantei e saí.

    Caminhei até a zona de lazer da sede dos Inquisidores, um local semelhante à uma praça de alimentação.

    Haviam mesas por aquele grande salão, e os grandes vidros que iam do chão até o teto, formando as paredes daquele andar do prédio, permitiam com que a luz do sol daquela manhã adentrasse o local e o iluminasse.

    Era um lugar lindo, sem dúvidas, e a luz do sol entrando ali o deixava ainda mais bonito. A atmosfera estava leve, e o cheiro suave de café no ar era ótimo.

    — Eu preciso buscar o meu almoço lá embaixo. Pedi por delivery. — falei.

    — Certo. — respondeu Satoshi.

    Desci até a recepção, no andar mais baixo. Falei com a recepcionista que me informou que o pedido havia recém-chego e o entregador foi embora faz pouco tempo. Ela me entregou o pedido, e então subi. Eu já havia pago anteriormente no aplicativo.

    — Está com um cheiro ótimo…

    E realmente estava. O cheiro era ótimo, me trazia bons sentimentos, e me deixava até mesmo mais calmo, e com fome.

    — Deixe-me compartilhar desse sentimento, Kenji.

    Fechei os olhos e adentrei meu espaço mental, e então pude ver Satoshi.

    Ele estava puxando o ar, e provavelmente usou alguma de suas habilidades para sentir o mesmo cheiro que eu.

    O vi sorrir, assim como eu sorri ao sentir esse cheiro ótimo. Deve estar uma delícia.

    — Eu vou compartilhar o paladar também, quero saber se o gosto é tão bom quanto o cheiro. — disse Satoshi.

    — Tudo bem, haha. — respondi, rindo levemente.

    Abri a “embalagem” que escondia a comida que estava ali na mesa.

    O prato era uma bela junção de macarrão, molho branco e queijo. Simples, mas um dos meus pratos preferidos.

    O prato era hipnotizante. Talvez pelo fato de que eu gostava daquela receita, mas também por aquele cheiro incrível.

    Usei o garfo para enrolar o macarrão, então levei até minha boca.

    O gosto era ótimo, enlouquecedor. Aquele macarrão e molho quentes aqueceram meu estômago e corpo como se eu estivesse sentado em frente de uma lareira em uma noite fria, assim como no meu passado.

    Fechei os olhos e vi Satoshi apreciando o gosto do prato no espaço mental, sentindo o meu paladar.

    — Está uma delícia!!! — entoamos juntos, porém Satoshi, apenas em minha mente.

    Continuei comendo, e rapidamente terminei de devorar aquele prato maravilhoso como um beijo celestial.

    — Estava perfeito… — falei.

    — Sim, concordo, Ken… — respondeu Satoshi.

    Se passaram alguns poucos minutos de descanso para o estômago e corpo após comer aquele prato delicioso, porém chegou um momento ruim.

    O clima pesou novamente, e um sentimento ruim veio até meu peito.

    As lembranças ruins invadiram minha mente, porém me controlei e me preparei para contar a Satoshi um pouco da minha história e sobre esse tal homem que devo tanto dinheiro.

    — Ta tudo bem, Ken? — disse Satoshi.

    — Está sim, Satoshi… Só preciso me acalmar um pouco. — respondi.

    — Eu nasci no interior, no leste do país, em uma vila pequena…

    Lembrei do meu passado, do vilarejo, dos moradores e cada espaço marcante daquele lugar que vivi em minhas memórias.

    Eu caminhei por aquela rua de terra lentamente, encarando a figura caída de minha mãe na porta caída da nossa casa.

    Seus cabelos negros desgrenhados se assemelhavam com uma grande aranha. Sua roupa estava suja de lama, assim como um pano de chão. Ela chorava como nunca vi.

    — Mãe, o que aconteceu? — perguntei enquanto me aproximei, confuso.

    — Meu amor… Seu pai. — disse, chorando sem parar.

    Ela se ajoelhou e me abraçou, me agarrando com força e me apertando em seus braços. Apoiou minha cabeça sobre seu ombro.

    Eu sentia suas lágrimas caindo sobre minhas roupas.

    O que está acontecendo?

    — Seu pai se foi, meu anjo…

    — Como assim, mãe? Papai apenas foi trabalhar na plantação, ele logo volta… Não precisa disso, não chora. — falei, ainda sem entender.

    — Não, filho… Seu pai partiu, ele morreu… — disse, chorando ainda mais e soluçando.

    Meu corpo fraquejou, principalmente minhas pernas que me abandonaram, me deixando cair de joelhos no chão, me desvencilhando do abraço de minha mãe naturalmente.

    Encarei a parede por um longo tempo, tentando assimilar aquela situação.

    Só podia ser mentira.

    Após um longo tempo encarando a parede e ouvindo apenas o choro, soluços e tosse rouca de minha mãe, me levantei rapidamente. Corri para fora, rapidamente passando pelas ruas de terra do vilarejo naquela tarde, antes quente, agora fria.

    — Kenji! — minha mãe gritou, tentando me segurar, porém falhando.

    Cheguei até a plantação que meu pai trabalhava, rapidamente corri por todo o lugar, buscando meu pai por ali, sem cessar.

    — Pai! Papai!!! — gritei.

    Eu gritei diversas vezes, porém apenas o silêncio me respondeu.

    Precisava ser mentira.

    Saí do lugar, correndo pelo vilarejo novamente e procurei por meu pai. Perguntei das pessoas, essas que me respondiam com grosseria e deboche, e algumas poucas com pena.

    — Seu pai deve ter ido no bar, garoto! — disse um homem.

    Voltei até minha casa, cansado e com fraqueza em minhas pernas.

    Caí sobre o chão de madeira da minha casa. Ajoelhado, apenas me permiti sentir. Chorei como nunca, diferente de todas as vezes que me machuquei.

    — Sinto muito, Kenji… — disse Satoshi mentalmente.

    — Tudo bem. Continuando… Alguns anos se passaram, e minha mãe sempre chegava exausta de tanto trabalhar. Ninguém queria me contratar, e eu não entendia o motivo por trás disso. Então apenas minha mãe conseguia o dinheiro para casa.

    Vi minha mãe chegar cansada e suja, e ao entrar em casa, se sentou imediatamente.

    Ela tossia muito, sempre que falava.

    — Já faço o… O jantar, filho… — disse, em meio a tosses roucas.

    — Ela estava doente… — disse Satoshi.

    — Sim, estava. — respondi.

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