Índice de Capítulo

    Dante os seguiu até um lugar estranhamente reconfortante. Era parecido com as paredes de Kappz, mesmo que lá fossem parede e ali, ferro. Era sentir uma estranha sensação de nostalgia quando passou pela porta e viu um corredor fumacento em silêncio.

    As paredes de aço do arsenal exalavam um cheiro de graxa e óleo queimado. Tron passou o cartão magnético por uma das travas e a porta se abriu com um rangido metálico. Luzes brancas se acenderam em sequência, revelando fileiras e mais fileiras de suportes com armamento: rifles pesados, pistolas de vários calibres, lâminas longas e curtas, escudos reativos, bastões elétricos. Era como entrar no ventre de uma fera feita de guerra.

    Não lembrava Kappz nesse caso, mas o fazia se recordar de histórias que Talia contava para ele que sempre o deixava cheio de vontade de explorar o mundo. Era a tecnologia que faltava na própria Capital.

    — Aqui é onde os Sesar dormem tranquilos — murmurou Tron, abrindo os braços, teatral. — Cada arma registrada, limpa e calibrada. Pode escolher uma, Dante. Só uma.

    — Dinastio já autorizou — completou Rosa, caminhando entre os corredores com familiaridade. — Mas você vai ter que assinar digitalmente. Se quebrar ou perder, pagamos com o próprio sangue… ou com a cabeça, dependendo do humor do Valter.

    Dante concordou ainda dando uma boa observada neles.

    — Esse Valter é sempre assim com os outros?

    — Só com quem ele não gosta — respondeu Tron. — Dinastio e ele tiveram muitas brigas no ano passado. Suprimentos, armas, influência, e também tem o Desejo da Rainha. Eles querem bastante, mas ninguém pode revelar porque querem.

    Dante não tinha entendido essa última parte, mas ouvindo sobre a Rainha… Qual seria? Norte ou Sul?

    Não respondeu de imediato. Seus olhos ainda varriam os corredores. Passou por pistolas com tecnologia que não reconhecia, escopetas com canos gravados com algum tipo de runa que brilhava em vrmelho e até um chicote com pontas energizadas. Mas nada daquilo chamava de fato por ele.

    — Nunca usou arma de fogo? — perguntou Tron, curioso.

    — Já usei — respondeu Dante, lembrando das aulas que recebeu de Marcus em Kappz. — Mas não é com o que eu luto. Sou mais adepto a coisas ainda mais antigas.

    Rosa ergueu uma sobrancelha e o seguiu quando ele dobrou uma curva em direção ao fundo do setor. Lá, separadas das armas de uso comum, estavam as lâminas. Espadas de variados estilos, de corte único ou duplo, algumas com empunhaduras desgastadas, outras com bainhas decoradas com detalhes em prata.

    E então ele viu.

    Era uma espada de lâmina longa, reta, com guarda simples e empunhadura de couro escurecido. Nada de enfeites extravagantes, nada que chamasse a atenção num salão. Mas havia uma presença ali. Silenciosa. Firme. A mesma presença que Dante lembrava quando criança, vendo o pai embainhá-la ao fim de um treino.

    Ele estendeu a mão devagar e tocou o punho com os dedos. A textura era familiar. A memória veio sem esforço: seu pai, com os cabelos molhados de suor, pousando a mão sobre sua cabeça e dizendo que, antes de vencer uma guerra, era preciso saber perder uma luta.

    — Conhecia essa peça? — perguntou Rosa, surpresa.

    — Não essa. Mas… é quase igual à que meu pai usava. — Ele puxou a espada com um único movimento. O som da lâmina deslizando foi limpo e cortante. — Ele dizia que uma espada te ouve. Que você conversa com ela quando segura firme o suficiente.

    Tron sorriu, mas respeitou o silêncio que se seguiu. Dante girou o pulso, fazendo a lâmina cortar o ar com precisão.

    — Seu pai era espadachim? — Rosa perguntou, agora em tom mais baixo.

    — O melhor entre os espadachins. — A levantou por um pequeno intervalo de segundos. O reflexo da lâmina reluzindo seu rosto. A barba mais escura do que uma vez foi, e seu cabelo em uma mescla entre a escuridão e o branco da neve. — Nunca consegui alcançá-lo nisso…

    Uma verdade infundada. Sua força sempre resistiu na capacidade de lutar contra uma força maior.” — Vick ainda tinha um tom humano quando dizia sobre sua trajetória. Dante só não conseguia ver dessa forma.

    Se eu tivesse sido vitorioso contra o Bastardo, possivelmente eu nem estaria aqui tendo que mentir para essas pessoas, pensou em resposta a IA.

    Sua estadia aqui é apenas temporária. Precisa de respostas, onde vai encontrá-las não importa. Seja aqui ou do lado de fora. Precisará enfrentar inimigos em qualquer hipótese.”

    Ele embainhou a arma e virou-se para eles.

    — Essa serve.

    — Tem certeza? — Tron indicou outras com mais recursos: lâminas que se incendiavam, que podiam se retrair e disparar choques. — Há opções mais… modernas.

    — Prefiro sentir o corte. O peso. O que vem comigo não é tecnologia. É memória.

    Rosa assentiu, respeitosa. Tron registrou o número da arma no caderno, e pediu que Dante colocasse a mão no tinteiro e marcasse ali.

    — Então que ela te ouça, Dante. E que seu pai fique satisfeito com o que você fará com ela.

    Ele respondeu com um aceno silencioso.


    A luz amarela do letreiro, no Setor H, piscava com defeito, lançando sombras irregulares sobre as caixas de metal empilhadas. Dinastio olhou para os dois lados antes de bater três vezes na porta enferrujada. Uma pequena abertura deslizou, revelando um par de olhos fundos e desconfiados.

    — Dinastio? Pensei que estivesse em campo.

    — Estarei amanhã. Tenho pouco tempo. Preciso que faça uma varredura discreta.

    A porta se abriu só o suficiente para que ele entrasse. O lugar era apertado, abafado pelo zumbido de algum tipo de equipamento bem no fundo. Algumas telas revelavam um tipo de sinal que Dinastio nunca entendeu muito bem.

    Ele apenas solicitava, e depois pagava. Nunca questionava os métodos.

    — Quem? — perguntou o homem, voltando para a cadeira e acendendo um cigarro curto.

    — O prisioneiro que fugiu mais cedo. Quero saber quem deu entrada com ele, quem assinou a ficha médica, e quem o viu nos últimos três dias. Não precisa se preocupar com guardas, preciso apenas do nome e também de onde veio.

    O homem parou de digitar e olhou para Dinastio com uma sobrancelha erguida.

    — Por que esse em específico?

    — Sendo bem sincero, eu não quero te contar. E porque, se estão procurando essa pessoa com tanto afinco, então, eu preciso saber.

    O operador assentiu lentamente, soprando a fumaça pelo nariz.

    — Volte em duas horas. Se for mesmo como está dizendo… esse prisioneiro não é só outro prisioneiro. Valter esteve procurando Risena, parece que perguntou a mesma coisa. Ele quer só um motivo para ir atrás da Casa Boktano.

    — Valter não me interessa agora. Amanhã saio em missão de reconhecimento e caça ao Norte. Consegue me entregar até lá?

    — Como eu disse: duas horas. — A fumaça torceu o nariz de Dinastio. — Duas horas e terá o que precisa pelo valor correto.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (3 votos)

    Nota