Capítulo 8 - O Grito...
POV: HELENA IVYRA.
Assim que levantei com os dois livros que pretendia devolver às prateleiras, abri minha bolsa, procurei rapidamente e achei o papel com a anotação que fizera mais cedo, com o nome: Fundamentos do Princípio da Crença.
– Certo, fica no final do corredor C, por ser um compilado, provavelmente deve estar nas prateleiras de cima. – disse em voz alta, enquanto andava para a parte de trás da biblioteca no canto esquerdo.
O clima lá fora se mantinha numa tarde nublada, mas que agora mostra uma temperatura quente, mas nada insuportável, algo bem tranquilo, bem típico de fevereiro.
Assim que cheguei no corredor, comecei a olhar os livros com mais calma e percebi a grande quantidade de livros misturados: ficção junto com literatura, ciências junto com autoajuda, parecia uma grande desorganização.
As pessoas normalmente nunca devolviam os livros aos seus lugares originais.
– Creio que Rose tenha que organizar isso com frequência, o que deve ser bem chato, eu acho… — comentei em voz baixa.
Observei um papel colado com fita em uma das estantes, escrito: Seção de Coletâneas, Compilados ou Documentos Antigos. Decidi parar para ler os títulos com mais calma e atenção.
“Vai que acho uma leitura complementar interessante, né…”
Percebi que o acervo dessa parte era até bem completo para uma pequena biblioteca.
Hoje em dia, as pessoas preferiam usar mais os e-readers ou ler digitalmente, o que tornava o acervo físico algo bem específico, e até de certa forma, algo restrito a um público mais velho. Normalmente, dificultava o acesso a alguns tipos de livros em regiões menos populosas.
Então, ver uma pequena biblioteca com tantos livros era algo bem legal, diga-se de passagem!
Esses livros mais antigos sempre tinham um cheiro mofado e uma coloração amarelada. Talvez isso me ajudasse a encontrar esse livro…
Rose dissera que a coletânea acabara de vir da restauração, então a condição devia ser uma boa forma de distinguir.
Num toque de mágica… assim que pensei nisso, encontrei um livro bem grosso, como se fosse um calhamaço, com um símbolo estranho em sua lombada e sem título aparente… Negócio estranho.
Ao me esticar para pegá-lo, percebi que sua grossura grande enganava. Afinal, o peso era leve, na real, até demais…
Puxei-o com mais força, e senti um travamento horizontal…
Clack
Um tipo de gatilho ou alavanca fora ativado. Vi os livros ao lado esmaecerem levemente e, num breve momento depois, desaparecerem como se nunca tivessem estado ali.
– Algum tipo de encantamento ilusório? Aqui? – exclamei, assustada. Tentei me lembrar qual fora a última vez que vi algo assim, mas não consegui. Nunca aconteceu, na verdade.
Me estiquei para ver o que havia no compartimento agora aberto, onde os livros sumiram, e vi uma espécie de antigo papiro. Um papel ou pergaminho aparentemente guardado há bastante tempo.
Ponderei se devia mostrar isso à Rose ou apenas deixá-lo ali. Mas minha curiosidade levou a melhor de mim. E o peguei.
Ao tocá-lo, senti uma textura estranha, não era um tipo de papel qualquer, sua gramatura era mais grossa, e chegava a lembrar algum tipo de pele ou tecido grosso. A coloração era estranha, uma espécie de marrom, com manchas amareladas aqui e ali.
E algumas marcas de… tinta? Sangue? Difícil saber, e certamente não era a melhor coisa de se pensar.
Logo que o peguei com as duas mãos para averiguar melhor o que estava escrito, senti uma onda de energia sair do papel e se espalhar pelas minhas mãos e pulsos, o que causou um estranho formigamento.
Minha cabeça girou brevemente, e vi minha visão desfocada, como se estivesse com uma miopia forte por alguns segundos.
Depois de alguns momentos, minha visão voltou à normalidade. E comecei a perceber alguns detalhes melhor no papiro. Alguns símbolos. Na verdade, eram letras meio estranhas…
Pera aí… Não tinha como esquecer esses caras aqui.
Alfabeto Grego.
– Quem diria que esses últimos meses estudando geometria me ajudariam a traduzir algo. – disse, dando uma risada curta.
Passei a mão por cima do papiro levemente para tirar a poeira.
“Nossa… essa foi a frase mais nerd possível que já disse.”
Voltei minha atenção ao papiro em minhas mãos e percebi que retirar a poeira, revelou outros símbolos estranhos.
Parecia uma espécie de retalho de várias escritas e alfabetos.
Mesmo com os símbolos estranhos, parecia que uma coisa se formava na minha mente… Uma palavra? Não. Algo mais parecido com um nome…
Era como se eu soubesse falar esse idioma, mas tivesse uma crise bilíngue no meio, sabe?
Quando você pensa numa palavra no seu idioma materno, e a palavra não vem de jeito nenhum no seu segundo idioma. Era algo semelhante.
Conforme analisava o texto, tentei juntar as ideias perdidas. Mas… Algo absurdo aconteceu diante de meus olhos…
Senti novamente um formigamento, só que dessa vez, apenas no pulso esquerdo. Uma marca literária se formava.
– Quê? Como diachos isso é possível? – exclamei, e levei a mão ao pulso para conferir se era real.
E o pior. Era real.
Que estranho… Marcas só deveriam surgir quando compreendíamos ou líamos uma obra por completo. Às vezes, nem mesmo ler um livro inteiro garantia uma marca.
“Certo, vamos ver se lembro das aulas sobre esse aspecto. Se não me engano, é algo como…”
Outra memória das aulas da Prof. Maria veio a mente.
“É preciso revisar, refletir, absorver tudo de forma profunda, a ponto de o conhecimento se conectar com a energia mágica do usuário. Só assim uma marca nasce.”
Mas, se isso era o certo…
Como esse texto gerou uma marca se eu mal passei os olhos sobre ele?
Me concentrei mais no documento e encontrei outro trecho que parecia formar mais uma palavra abstrata em minha mente… até que…
Senti minha visão se esvaindo rápido. Até que tudo escureceu. Percebi meu foco viajar do cenário ao meu redor para algo como uma memória nova ou uma espécie de recordação? Não sabia…
Voltei a enxergar, mas senti um calor estranho ao meu redor. Uma urgência súbita, como se estivesse cercada por fogo. O ambiente ao redor mudara.
Observei estantes à minha direita. Mas não eram como as da biblioteca comum.
Eram antigas, feitas de madeira rudimentar, com cortes imprecisos, mas incrivelmente detalhadas.
Vi ornamentos bronzeados e placas com símbolos estranhos marcando diferentes seções. No topo, havia peles de animais com marcas feitas com carvão ou pigmentos simples.
No lugar de livros, havia papiros. Milhares de folhas, rolos e pergaminhos espalhados.
Quando tentei focar em um dos papéis… minha visão escureceu de novo.
Em um piscar de olhos, as estantes antes firmes, fortes e ricamente trabalhadas agora estavam em chamas.
Labaredas serpenteavam o ambiente, correndo o lugar de ponta a ponta, era como se fosse um vírus ruindo tudo em seu caminho. Um predador esfomeado, e aqueles papéis eram a sua caça.
Olhei para o corredor à frente.
Tudo se tingiu de vermelho. Meu olhar se fixou em uma placa chamuscada, onde mal conseguia distinguir todos os símbolos. Mas um sussurro ecoou em meu ouvido:
“Ah-leg-ZAN-dree-ah”
Minha visão esmaeceu novamente…
Quando voltei a mim, estava de volta à estante da biblioteca, com o compartimento aberto diante de mim e o papiro em minha mão.
— Mas que porra foi essa que acabou de acontecer? — perguntei, assustada, tentando entender o que acabara de acontecer.
Coloquei minha atenção no papiro, mas seja pela dor de cabeça ou sensação de desconforto, não consegui focar.
Me apoiei na estante atrás de mim para não perder o equilíbrio. Ainda atordoada, demorei um pouco para me localizar novamente, até que senti um forte aroma de enxofre ao meu redor…
Pensei ser coisa da minha cabeça, mas, até que…
Ouvi um barulho seco de madeira se partindo. Olhei para a origem do som.
Um homem voava contra uma parede exposta, derrubando várias estantes no caminho.
Uma gosma verde-escura se espalhava no chão.
Esse homem vestia um sobretudo escuro.
POV: NOAH WILLIAMS.
“Ai ai… aqui estou eu, numa pequena biblioteca de uma cidade aleatória… e ainda vou ter que lutar contra essa sardinha. Que porre.”
Olho ao meu redor, e percebo que quebrei algumas estantes no meio do caminho após ter jogado H para o outro lado da sala.
“Achei que meu trabalho era para ser de tradutor ou suporte. Maldito contrato… acho que aqui eles chamam de isso de CLT ou algo assim?”
Um ruído agudo e forte ecoa do outro lado da sala. É o encantamento eco-sonar de H.
Sorte a minha que já ativei uma barreira de proteção sensorial. Dessa vez, não vai funcionar como na última em Budapeste.
— Certo… acho que consegui irritar ele de vez — concluo, lembrando de outras vezes em que fiz algo semelhante.
Espalho meus sentidos pelo ambiente. Detecto quatro assinaturas mágicas: três adolescentes.
Uma com energia levemente elevada para a idade, duas dentro do normal.
E o suspeito H, com sua energia mágica monstruosa…
– Preciso segurar esse maldito até a cavalaria chegar… — murmuro, arregaçando levemente as mangas. — Se eu rasgar isso de novo, o pessoal do QG vai me matar… O lado bom é que não preciso derrotá-lo. Só manter essa praga ocupada. – afirmo para mim mesmo, conforme recordo dos últimos meses de caçada.
Escuto um barulho de concreto se rachando, percebo que H já parece ter se recuperado do golpe. Sua forte energia começa a circular pelo ambiente.
“Hmpf… Espero que terminemos hoje com essa perseguição de gato e rato.”
Duas das adolescentes parecem desacordadas… talvez pelo cheiro forte de enxofre, talvez pela energia absurda que H está emitindo. Tanto faz. A outra parece estar mais ao fundo.
Preciso evitar que ela se aproxime dele ou ela pode virar refém.
Preciso tirá-las daqui o mais rápido possível.
— Certo, Noah… é hora de esticar um pouco as pernas…
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