POV: HELENA IVYRA.

    Assim que o corpo do homem colidiu com a parede oposta, derrubando estantes e espalhando fragmentos de madeira e poeira pelo ar, percebi que estava desligada de tudo ao meu redor.

    Aqueles flashes, aquelas estranhas memórias… Pareciam que tinham tirado minha atenção por um momento.

    “O que está acontecendo entre eles? Algum tipo de desentendimento?”

    Tentei me concentrar, entender a situação, mas, antes que conseguisse organizar meus pensamentos, o papiro em minha mão vibrou e despejou em minha mente outra onda de informações.

    Era como se ele estivesse reagindo às minhas emoções naquele momento.

    Flashes. Fragmentos. Estilhaços de conhecimento ricocheteavam na minha mente como pedras atiradas em um lago. Ondas se espalhavam em minha consciência.

    “O escritor do papiro… conseguiu deixar vestígios da própria memória aqui dentro…?”

    Fiquei-me perguntando se aquilo era possível, considerando o que sabia.

    As palavras chegaram em sequências desconexas, como uma narração chiada, cheia de interferências. 

    “Nas terras perdidas de Hella, surgiram os primeiros a questionar a divindade…”
    “Das Ideias, os que antecederam o próprio parteiro.”
    “O Arché… a primeira célula da racionalidade…”
    “O primeiro conceito do mundo, um conhecimento forasteiro…”

    “Ao redor deste mundo, há templos ou túmulos… dependendo…”
    “Neles há o…”

    Senti meu cérebro travar por um momento. Abri mais os olhos e vi tudo ao meu redor suspenso por um breve instante.

    A estante à minha frente começou a cair em minha direção, porém sua velocidade era ínfima, na verdade, o mundo parecia ínfimo.

    Percebi meu pulso brilhar num tom… roxo? Não, talvez um azul escuro.

    Independentemente da cor, vi-o brilhar intensamente e senti meus olhos diferentes, como se tivessem adquirido uma capacidade aumentada, mas esse sentimento foi breve. 

    Pois um novo flash completou o que eu havia ouvido antes.

    “ (…) Cognos.”
    “Mil… Ao redor do mundo, estará.”
    “Quando a nevasca chegar.”
    “Apenas o Grito, Às, cessará”. 

    Assim que ouvi essas palavras, fiquei estranhamente calma, como se fossem palavras reconfortantes… quase solenes. 

    Por algum motivo, senti que havia descoberto a resposta para algo… mas ainda não sabia ao certo qual era a pergunta em si. Nesse momento, percebi que a visão desacelerada foi interrompida por um estrondo.

    A estante ao meu lado começou a se partir, e a queda, até então lenta, acelerou em minha direção.

    Sem pensar, pulei para o lado com o papiro em mãos. Larguei-o por um instante e ativei o encantamento:

    – Tesselação Axiomática! – proferi.

    Um escudo hexagonal surgiu entre mim e a estante. Mesmo reforçando-o com energia, ele não conseguiu mantê-lo por muito tempo. Ele se chocou com a estante, e ambos se desmancharam em pedaços.

    Isso me deu tempo suficiente para escapar. As peças do escudo se desfizeram por completo.

    Olhei em volta… e congelei.

    Senti duas presenças mágicas assustadoras.

    À minha esquerda, senti a aura daquele homem estranho de antes. Mas agora ela estava diferente de algum jeito, parecia livre… Como se antes estivesse suprimida.

    Até demais… Sua aura parecia emanar traços que podiam chegar acima de 1400 QPs

     “Como não senti essa força antes…?”

    – Preciso sair daqui. – sussurei horrorizada.

    Porém, entre mim e a saída, estava o outro sujeito, com uma aura levemente menor, mas ainda assustadora.

    – 1000? Não… talvez algo entre 1200 e 1300. – ponderei, tentando formular uma estratégia para escapar sem ser notada.

    Eram forças absurdas. Mesmo que eu conseguisse enfrentar um, o outro me atacaria pelas costas.

    Eles são monstros…

    Sem saber quem era aliado ou inimigo, considerei o pior cenário. Abaixei-me, tentando suprimir minha própria energia. Peguei o papiro novamente e tentei rastejar em direção à escada…

    Mas, antes que conseguisse avançar nem meio metro, o homem caído à esquerda se levantou e emitiu uma forte onda sonora que me atordoou.

    No segundo seguinte, ele se virou em minha direção. Vi seu rosto com mais nitidez: um homem de cerca de 40 anos, alto, de cabelos pretos e longos, lisos, o rosto marcado pelo cansaço e negligência de vários longos anos de maus cuidados. Sua força física, por outro lado… Era evidente. E sua velocidade?

    Demoníaca… Senti isso ao vê-lo encurtar a distância entre nós em milésimos de segundo. Tentei pensar em alguma reação possível, mas antes que conseguisse…

    O outro homem, loiro, vestido com uma roupa verde elegante, apareceu de repente, bloqueando a investida. O impacto causou um estalo no ambiente.

    Ambos se encararam por um segundo, e então, sem perder tempo com palavras.

    Uma chama azul-clara irrompeu das mãos do homem de verde, que as usou numa sequência de ganchos e socos altos. Usando uma postura de boxing, ele o golpeou um atrás do outro;

    Sem desperdiçar tempo. Sem movimentos desnecessários. Era quase instintivo, o jeito como o homem lutava, demonstrava facilidade como alguém lidando com um irmão mais novo malcriado.

    Mas que, na verdade, estava contra um adversário mais forte. Quem era este homem?

    O adversário, apesar de mais forte, carecia da mesma precisão. Sua explosão muscular era mais alta, compensando falta de agilidade ou marcialidade com força bruta. Sua guarda resistia mais e seus ganchos retornavam com uma força que parecia ordenar a gravidade que sucumbisse.

    O homem de verde, agilmente, se moveu antes que os poderosos gancho os acertasse. E em um breve momento, olhou para o chão e seus pés incendiaram a gosma verde, causando uma labareda gigante que os separou em alguns metros.

    O sangue correu acelerado em minhas veias.

    Senti uma forte adrenalina me consumir.

    Como ser humano, senti-me uma presa à espera do fim.

    Lutar contra eles? Definitivamente não era uma opção.

    Preciso sair daqui urgentemente. Agora.

    Vi-os trocarem olhares.

    O homem que estava entre mim e o outro lançou um olhar de canto em minha direção e assentiu levemente com a cabeça. Estava… conferindo algo?

    – Ora, ora… se não é meu caro H. Que mundo pequeno, hein? Budapeste… agora, Sul do Brasil? Lugar incomum, mas aconchegante. – disse o homem de verde, com um sotaque forte que entregava que ele era estrangeiro.

    O homem estranho recuou mais alguns passos, tirou o sobretudo e o jogou na cratera há alguns metros atrás dele, revelando vários compartimentos num suspensório antigo de caça. Em suas mãos, havia luvas pretas espessas.

    As quais, ele retirou enquanto dizia:

    – Noah. Ainda me seguindo, verme? Típico de um lixo pau-mandado. – respondeu com desdém ao homem aparentemente chamado Noah.

    Assim que o fez, ele avançou numa investida com seus braços posicionados em uma guarda-alta.

    – Talvez, Muay-Thai? – ponderei, analisando o estilo marcial do homem.  

    – Sempre esse mau humor. Mas pensando bem, de lixos como você, não espero nada. – retrucou Noah, ativando o encantamento que ampliava a labareda e a tornava mais forte.

    O tal do H atacou com um forte gancho de direita mirando o rosto de Noah, que, em vez de desviar, segurou o golpe. E direcionou-o para o lado e envolveu o braço com chamas fortes.

    Mas H parecia prever isso, e revidou dando uma explosão energética num chute alto com a perna direita, afastando Noah em minha direção. Agora estava a menos de cinco metros.

    – Fala o faz-tudo da SLI. Uma espécie de tapa-buraco daqueles cegos, querendo bancar o herói. – resmungou o homem chamado H, examinando o braço chamuscado em várias partes, mas intacto.

    – Uii… alguém ficou magoado com Budapeste? – provocou Noah, levando o braço ao pescoço, segurando-o de forma desleixada. 

    – Aliás, cadê meus modos, né? A dor da queimadura já passou? – disse, com um leve sorriso irônico de canto de boca.

    – A única dor vai ser a de sujar minha roupa, com seu maldito sangue… – respondeu H, claramente irritado com a provocação.

    – E, é claro… com o sangue daquela putinha atrás de você. – concluiu, apontando em minha direção.

    Meu corpo travou naquele instante. Arregalei os olhos de medo por instinto.

    Mas, então ouvi uma voz estranhamente calma.

    Era a voz de Noah diretamente em minha mente.

    “Consegue se levantar? Me chamo Noah, sou Agente da Polícia Federal. Preciso que confie em mim. Quando eu der o sinal, corra até a escada. Eu vou te dar cobertura. Entendido?”

    Conforme escutei a mensagem, vi Noah voltar a uma posição de guarda de kickboxing. 

    Respondi mentalmente, com um fio de voz…

    “Consigo sim… certo.”

    Meu tom transparecia a desconfiança que eu estava sentido. Mas, mesmo assim, estava decidida a seguir suas instruções.

    Todo esse tempo, ele esteve entre mim e o outro. Talvez, deveria lhe dar um voto de confiança.

    Vi-o se virar novamente para H.

    – Vamos ser cavaleiros por um instante, que tal? Isso é algo que temos que resolver, apenas nós dois. Deixemos a senhorita sair daqui. Certo? – disse, mantendo a postura de combate mais leve, mas ainda cauteloso.

    – Cavaleiros…? Você claramente tem uma visão distorcida de mim. – afirmou H, levando a mão ao queixo, como se estivesse ponderando sobre a oferta. Ou talvez, pensando se poupar minha vida fosse válida. 

    Nesse momento, uma aura negra tomou o ambiente. 

    E uma voz profunda, como o oceano.

    Tão densa quanto a gravidade de um buraco negro ressoou…

    – Escutem, ó pífios seres, ao SUSSURRO DAS MARGENS. – proclamou a profunda voz, como se anunciasse o armagedon.

    As luzes sumiram… o cheiro de enxofre tomou o ar. As sombras tomaram tudo. E então…

    Senti um arrepio no fundo da alma. Não o vi. Não o escutei.

    Mas eu soube.

    O H estava atrás de mim. E em sua mão…

    Uma lâmina?

    Não, uma âncora de energia azulada, já em movimento.

    Meu corpo reagiu do jeito que pôde…

    E ouvi ao mesmo tempo, a voz profunda dizer:

    – Até parece que eu deixaria essa praga sair daqui com um livro!


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