Capítulo 16 - Desbotada
Acordei horas depois. Ou dias. Eu já não conseguia mais acompanhar o passar do tempo corretamente. A dor ainda estava no meu peito, embora agora fosse muito menor e menos aguda.
Minha avó estava no lugar de Ralik, sentada na mesma cadeira.
Assim que abri os olhos, ela colocou a mão sobre minha cabeça. Como se estivesse verificando minha temperatura.
Percebi que seus olhos verdes estavam brilhando, então ela não deveria estar apenas avaliando meu físico, mas também o uso da minha energia prismática.
— Não use seu prisma. Eu já estou fazendo o tratamento em você. — Ela me aconselhou, ainda com sua mão suave sobre minha testa.
É engraçado pensar que aquela é uma mão calejada, com centenas de anos de treinamento no manejo da espada e de outras armas. Os calos de uma mulher que viveu uma vida mais longa do que se pode imaginar e que enfrentou todas as adversidades da vida.
E aquela mão, na minha testa, era muito confortável e macia. Não macia do tipo aveludada, mas do tipo reconfortante.
— Qualquer um teria Desbotado se tivesse usado tanta energia quanto você usou. — Minha avó me avisou. — Não sei como seu prisma não se partiu, mas chegou bem perto disso.
Assenti, como se eu já tivesse entendido aquilo.
Desbotar era quando nosso prisma, a parte do nosso corpo responsável em converter a energia em energia prismática para podermos usar as cores, se torna cinzento e não permite mais a liberação. Nem mesmo as cores primárias se formam mais e ficamos iguais aos humanos: sem qualquer acesso a magia.
Sua expressão de preocupação se suavizou e ela pareceu mais tranquila.
—
Eu fiz como ordenado: não usei minha energia prismática pelos próximos dias. O meu corpo precisava de movimento e não tinha muito que o mesmo o Vermelho pudesse fazer para remediar isso.
Com a ajuda de uma fisioterapeuta, não demorou mais do que uma semana para eu já ter voltado a andar. E outras duas semanas se passaram com velocidade enquanto eu recuperava as demais capacidades.
O Vermelho era útil nesses momentos. O corpo se cansa, se machuca e se recupera. A energia prismática acelera o processo de recuperação, então eu posso continuar me esforçando um pouco mais. Era como se eu tivesse condensado três meses de fisioterapeuta em apenas três semanas.
E eu continuei sem usar minha própria energia, como orientado pela minha avó. Quem me auxiliava com o Vermelho era a própria avó Ellen ou a assistência médica que eu estava recebendo.
Danibor estava em estado crítico, internado e recebendo tratamento médico. Graças ao auxílio de Ralik, que havia impedido que os danos aumentassem ainda mais, o general tinha a chance de se recuperar daquilo e ficar vivo novamente.
Ralik passava quase todos os dias para ver como eu estava, embora ele tenha diminuído o ritmo depois que eu comecei a melhorar. Como se já não precisasse mais de tanta preocupação de sua parte.
Baplin e Barkot estavam ali comigo pela primeira vez.
Encostados na minha árvore.
— Isso é para você. Presente por ter se recuperado. — Ele me entregou uma folha anotada.
Cada um dos professores da academia parecia ter tirado um tempinho para desejarem que eu melhorasse com celeridade.
E ainda sim mandaram, cada um deles, um trabalho para fazer enquanto eu não conseguisse retornar. Para manter a mente ocupada, eles disseram.
— Acho que eu vou dobrar e passar para o próximo. — Respondi, devolvendo o bilhete.
Que ele fez o favor de não pegar.
Guardei no bolso.
— Como as coisas estão? — Perguntei.
— Bem… Complexas. — Baplin deu de ombros. Barkot, em cima de um dos ombros, deu uma balançadinha. — Acham que o general não deve mais voltar ao cargo e pediram para sua avó ficar e assumir até que alguém seja designado.
Isso explicava as poucas vezes que eu a via nos últimos tempos. E seu estresse constante. Ela odiava essa responsabilidade.
— E as crianças que você resgatou?
— Não estão lá muito bem… A maioria viu os pais morrendo na frente deles… Isso porque ainda parece que eles levaram os que não demonstraram resistência. Sabe-se lá para onde.
Fazia sentido. Não tínhamos visto tantos corpos enquanto estávamos na ilha, então eles deviam estar em outro lugar.
— Nenhuma notícia boa? — Me encostei na árvore e deslizei até chegar no chão.
— Hm… — Baplin pareceu pensar por um instante. — Um professor falou que você foi incompetente em não retornar imediatamente quando foi ordenado.
— E como ele sabe disso? E essa é uma notícia boa?
— Está no relatório da missão. Foi um dos oficiais que estava no barco que fez o relatório, ele estava ouvindo nossas conversas pelo comunicador.
— E aí? Isso era uma boa notícia? — Foi a minha vez de dar de ombros, desanimada.
— Não, eu já ia chegar lá. Aí o Ralik desafiou um professor para luta e ganhou dele. Foi muito bonito de se ver. Essa é a parte boa da notícia.
Era a segunda vez que ele entrava em um duelo por algo relacionado a mim? Ou era apenas a segunda vez que eu sabia os motivos do duelo? Quantas vezes mais isso já aconteceu antes e eu não estava sabendo?
— Achei que você ia ficar feliz com isso. — Baplin falou, me despertando dos devaneios.
Percebi que eu provavelmente estava fazendo alguma careta, com a testa enrugada e o cenho franzido.
— Não gosto que os outros lutem minhas lutas por mim.
Baplin balançou a cabeça, como se entendesse aquele ponto.
— Bom, seria daora se a Gakina lutasse as minhas por mim. Certeza de que ninguém mais ia me desafiar.
Ele se levantou, batendo as mãos na calça para limpar onde poderia estar sujo e acenou, se despedindo.
Enquanto Baplin se retirava, passou por minha avó Ellen que estava vindo em minha direção. Ela o cumprimentou com um sorriso e ele fez uma reverência gigantesca. Mesmo de longe, quase o ouvi gaguejar.
— Esse menino é estranho. — Ela disse quando finalmente parou ao meu lado.
— Acho que ele é o fã número um da senhora.
Ela deu uma risada, achando graça daquilo enquanto tocava na árvore com a mão direita, espalmando sobre o tronco.
— E aí? Vamos continuar com o treinamento?
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