Capítulo 74: Risos e Rivais
O sinal do intervalo soou alto pelos corredores, liberando uma multidão de alunos das salas. Risadas, passos apressados e vozes misturadas tomaram o ambiente enquanto eu caminhava ao lado de Seiji e Rintarou.
O sol atravessava as janelas altas, espalhando luzes suaves pelo chão, e o cheiro de pão fresco da cantina já tava no ar, se misturando à brisa leve que vinha do pátio.
Continuamos andando, até que Seiji falou:
— Pensando bem, uma peça de teatro não é tão ruim assim, né? — Ele comentou, as mãos entrelaçadas atrás da cabeça enquanto andava com passos largos e relaxados.
— Sim, era a melhor opção — Rintarou concordou, ajustando os óculos. — Melhor do que fazer um Maid Café, pelo menos.
Assenti, mas minha mente se perdeu por um instante. Um Maid Café teria sido um sucesso, sem dúvida. Provavelmente nos colocaria entre os favoritos do Festival.
Mas a ideia de um corredor inteiro cheio de gente olhando para Yuki vestida de empregada… algo nisso me incomodava.
Balancei a cabeça, afastando o pensamento.
— Agora só precisamos decidir qual peça vamos fazer — murmurei, enfiando as mãos nos bolsos. — Mas isso vai ser complicado…
— Nem me fale! — Seiji suspirou, os ombros caindo como se todo o peso do mundo tivesse acabado de cair sobre ele. — Só de imaginar montar cenários, figurinos e todo o resto… já me dá preguiça…
Rintarou esboçou um leve sorriso de canto, mas antes que pudesse dizer algo, uma voz irritada ecoou atrás de nós.
— Ei.
Nós três paramos no mesmo instante, como se um freio invisível tivesse sido puxado.
— Onde vocês pensam que vão?
Antes mesmo de me virar, já sabia de quem era aquela voz cheia de raiva.
Senti uma mão pesada cair sobre meu ombro, e quando olhei para trás, encontrei Akira nos encarando com os olhos estreitos e o rosto vermelho de indignação.
— Malditos! Por que não votaram no Maid Café?! — Ele apertou meu ombro com força e me sacudiu levemente, como se tentasse me fazer enxergar a gravidade da situação. — Perdemos uma chance histórica, seus idiotas! Burros! Animais!
— Ei, ei! Calma aí, Akira! — Levantei as mãos, tentando me soltar, meio rindo, meio sem entender se ele estava realmente bravo ou só sendo meio dramático. — Não dava pra votar nisso..
— Era completamente inviável pra turma — Rintarou interveio, sua voz tranquila, mas firme. — A peça de teatro fazia muito mais sentido.
Akira finalmente soltou meu ombro e cruzou os braços com um suspiro arrastado, como se estivesse carregando o peso de uma grande tragédia.
— Vocês não entendem… O Maid Café era a escolha perfeita! — Ele apontou dramaticamente para o ar, tentando reacender o entusiasmo. — Imaginem só: as garotas de uniforme, filas enormes de gente vindo até a nossa sala… Nós íamos esmagar as outras turmas completamente!
Por um instante, seus olhos brilharam com a empolgação de algo grandioso. Mas logo a realidade bateu, e ele murchou. Os ombros caíram, o corpo quase dobrando como uma planta sem água. Era meio engraçado.
— E agora… nunca vamos ver isso… tudo por culpa de vocês… — murmurou, a voz tão baixa e rouca que quase parecia um choro.
Seiji explodiu em risadas e deu um tapa forte nas costas de Akira, que tropeçou para frente.
— Relaxa, cara! Tá parecendo que perdeu o amor da sua vida! — Seiji zombou, ainda rindo. — Certeza que alguma outra turma vai fazer isso pela gente.
— Não é a mesma coisa, burro… — murmurou uma última vez.
Eu ri baixo, balançando a cabeça enquanto seguíamos pelo corredor. Mas antes que déssemos mais alguns passos, uma voz fraca, arrastada, nos chamou.
— Ei… pessoal…
Virei a cabeça e vi Kaori se aproximando. Seus ombros estavam curvados, os cabelos bagunçados caíam sobre o rosto, e seu andar era lento, como se cada passo exigisse um esforço absurdo.
Acho que não seria exagero dizer que ela parecia um zumbi naquele momento.
— Kaori? — franzi a testa, observando-a se arrastar até mim.
Sem dizer nada, ela parou na minha frente. Seus olhos estavam vermelhos e… úmidos? Então, sem aviso, agarrou minha camisa e afundou o rosto nela, soltando um soluço alto.
— Me ajudem… por favor… — gemeu, a voz abafada contra o meu uniforme.
Meu coração acelerou naquele mesmo instante, minha mente pensando em cada possibilidade do motivo daquilo. O que poderia ter acontecido com ela?
— Ei, espera aí! — Tentei afastá-la, sentindo meu uniforme ficar úmido com uma umidade nada agradável. — O que aconteceu?!
Seiji e Rintarou trocaram olhares confusos, enquanto Akira, ainda meio abatido pela própria derrota, se aproximou curioso.
— O que aconteceu com você? — perguntou ele, coçando a cabeça.
Kaori ergueu o rosto devagar, os soluços cortando suas palavras.
— A minha turma…
— Hm? O que tem eles? Fizeram alguma coisa com você? — perguntei, tentando entender o desespero dela.
Ela fungou alto, esfregando o nariz na minha camisa de novo antes de soltar a bomba.
— Eles… não quiseram… fazer a sala de terror… — Inspirou fundo, o rosto se contorcendo. — Os garotos… venceram a votação… e escolheram… um Maid Café…
Um silêncio pesado caiu sobre nós. Seiji arregalou os olhos, Rintarou ajustou os óculos lentamente, e eu pisquei, tentando processar o que ela tinha acabado de dizer. Até Akira, sempre barulhento, ficou quieto por um instante.
Nos entreolhamos, o único som preenchendo o vazio sendo os soluços abafados de Kaori.
Então, Akira soltou um longo suspiro e balançou a cabeça.
— Ah, que desperdício… Você não combina nem um pouco com um uniforme de empregada…
Seiji assentiu com firmeza, cruzando os braços e balançando a cabeça também.
— É, não rola. Imagina você de saia e laço? Simplesmente impensável.
O choro de Kaori parou no mesmo instante. Seus olhos se estreitaram, o rosto antes vermelho de tristeza, estava queimando de pura indignação.
— O quê?! — ela gritou, soltando minha camisa e apontando para os dois, furiosa. — Vocês estão dizendo que eu não fico bem de uniforme de empregada?!
— Corre! — Seiji gritou, já disparando pelo corredor com um riso alto.
Akira foi atrás, rindo tanto que quase tropeçou nos próprios pés. Kaori tinha se transformado em algum tipo de animal selvagem, partindo pra cima deles com os punhos fechados e gritando algo sobre espancar eles, enquanto as lágrimas ainda brilhavam em seu rosto.
Eu e Rintarou ficamos para trás, observando a perseguição enquanto continuávamos andando calmamente.
— …Isso vai ser difícil de competir — disse ele, a voz seca enquanto observava eles sumirem pelos corredores.
Eu diminuí o passo e assenti.
— É… Um Maid Café vai atrair um monte de gente só pelos uniformes. Não sabemos o que as outras turmas vão fazer, mas a turma da Kaori pode acabar ganhando…
— Então precisamos escolher uma peça boa — Rintarou continuou, o olhar firme. — Algo que realmente impressione.
— Concordo — respondi, sentindo uma determinação crescer no peito. — Mas essa é a parte complicada…
Na manhã seguinte, a luz do sol entrava pelas janelas, iluminando as mesas desalinhadas e os alunos que já discutiam animadamente antes mesmo da aula começar. No quadro, uma única palavra escrita em letras grandes: “Peça”.
E, como esperado, o caos já estava instaurado.
— Um romance! — uma garota exclamou, batendo na carteira com entusiasmo. — Algo doce, com um final feliz!
— Tipo Romeu e Julieta! — outra completou, os olhos brilhando.
— Romeu e Julieta tem final feliz?
— Sem chance! Tem que ser uma batalha épica! — um garoto rebateu, apontando dramaticamente para o ar. — Espadas! Dragões! Explosões! Esse tipo de coisa, saca!?
— Explosões numa peça de teatro…? — uma aluna revirou os olhos, rindo. — Isso não vai acabar bem…
— E um mistério? — sugeriu outra, mais tímida, mas com um brilho empolgado no olhar. — Algo que prenda todo mundo até o último segundo!
Sentei-me no meu lugar, deixando as vozes ao redor se misturarem em uma discussão sem fim.
Yuki tentava, sem muito sucesso, organizar as ideias no quadro, rabiscando rapidamente cada sugestão jogada no ar, enquanto Kazuki incentivava ainda mais o caos, rindo conforme a turma se empolgava. Seiji já gritava que ele tinha que ser o protagonista, e Akira continuava resmungando no canto, ainda inconformado com o roubo do Maid Café pela outra turma.
Olhei pela janela, o céu claro refletindo nos vidros, e esfreguei a testa. Romance, batalhas, mistérios… não importava qual ideia vencesse, organizar tudo seria um verdadeiro desastre.
Mas, lá no fundo, uma parte de mim estava curiosa.
Se fizéssemos certo, podia ser algo incrível.
Algo que valesse todo o esforço colocado.
Suspirei, puxando um caderno e começando a rabiscar algumas ideias. O Festival Escolar estava apenas começando, e o tempo seria nosso maior inimigo.
Ainda assim, de uma coisa eu tinha certeza: O que quer que saísse dali… não seria pouca coisa.
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