Índice de Capítulo

    A neve continuava a cair, fina e silenciosa… Mas ali, entre o que restava da casa e o campo aberto coberto de branco, o mundo parecia ter parado.

    Don Verk girou levemente o pulso, ajustando a empunhadura da katana. Seus olhos estavam semicerrados, preguiçosos… mas havia algo predatório escondido por trás daquele olhar blasé.

    Então, ele desapareceu.

    Num piscar de olhos, surgiu ao lado da figura encapuzada. O som da investida veio depois — um estalo que quebrou o silêncio da montanha, como um trovão reprimido.

    A figura mal teve tempo de reagir, cruzando sua espada de ponta em loop para aparar o golpe.

    CRASH!

    Mesmo defendendo, a figura foi arremessada como um projétil, deslizando pelo chão congelado. A neve explodiu para os lados, deixando um rastro aberto no terreno. Mas a figura pousou firme, de pé, com os joelhos dobrados, deslizando alguns metros até parar.

    Don franziu o cenho levemente.

    — Como eu imaginei… Os reflexos dele são um problema. — Ele soltou um suspiro, quase como quem se cansa de estar certo o tempo todo.

    Ergueu a katana, encostando a lâmina de leve na lateral da cabeça, em um gesto relaxado e provocador.

    — Me diga… Quem é você? O que fez aqui? Não prefere resolver isso na conversa?

    A figura não respondeu. Apenas se ajeitou em uma posição de combate, os pés firmes no chão, a espada curva apontada na direção de Don, com um leve giro no punho.

    Don entendeu na hora.

    — Hm. Certo… Não diga que eu não tentei. — E então… seu olhar mudou.

    Saiu o desinteresse. Entrou a fera.

    Num instante, o ar tremeu.

    Don avançou de novo — não correndo, mas simplesmente aparecendo à frente da figura. O impacto foi tão intenso que o chão se quebrou embaixo de seus pés e a neve explodiu para trás, como se um canhão de vento tivesse sido disparado.

    Sua katana veio num golpe limpo, direto à garganta.

    Mas a figura, rápida, usou a curvatura de sua própria espada para prender o golpe de Don e redirecioná-lo, girando com maestria. Don foi lançado para trás como uma rajada de vento negro.

    No ar, Don suspirou de novo, agora mais fundo, como se estivesse realmente entediado.

    Deixou o braço que segurava a katana cair mole ao lado do corpo. Seus pés ainda nem haviam tocado o chão quando ele desapareceu mais uma vez.

    Reapareceu no alto, exatamente acima da cabeça da figura, que sequer teve tempo de reagir.

    Mas, num reflexo absurdo, a figura ergueu a espada e girou.

    SHUUUMMM!

    A lâmina fez um movimento circular. A pressão do ar criou um vórtice, um “loop” invisível que explodiu como um redemoinho, jogando Don longe outra vez.

    Don caiu de pé, deslizando alguns metros, e limpou um fio de sangue no canto da boca.

    — Entendi. Sua técnica gira em torno da criação de ataques circulares com pressão de ar… — murmurou, os olhos atentos. — Um estilo genérico, mas perigoso. Sua espada manipula o ar nos cortes. Por isso os ataques se dobram sobre si mesmos… como um loop.

    A figura oscilou. Parecia ter se incomodado com a dedução.

    Don sorriu — pela primeira vez no combate.

    — Interessante.

    E então ele fechou os olhos, ergueu a katana… e sussurrou:

    — Linhas da Última Princesa.

    O mundo parou.

    Literalmente.

    Por um instante, tudo ficou mudo. Nenhum floco de neve caiu. Nenhum vento soprou. Até a luz parecia hesitar.

    E então, o corte aconteceu.

    Não um corte comum — uma reescrita da realidade.

    A lâmina de Don riscou o ar como se desenhasse a cena. Árvores atrás da figura foram cortadas sem que tivessem sido tocadas. A própria figura… se partiu ao meio, do ombro até a cintura.

    Mas antes que o sangue jorrasse, o tempo se corrigiu — o corpo se recompôs como se nunca tivesse sido cortado.

    Mesmo assim, a figura caiu no chão, em choque.

    O golpe não feriu apenas o corpo… mas a mente.

    Don caminhou até ele devagar, cada passo firme como o som de um destino inevitável.

    — O “Linhas da Última Princesa” não é um corte comum. Ele reescreve uma ação na linha temporal do golpe. Eu poderia ter apagado seu coração… mas resolvi não fazer isso.

    A figura tentou se erguer, trêmula, mas o corpo já não respondia.

    De longe, a garota que assistia a tudo tremia mais do que a própria neve ao redor.

    — E-ele disse que eles estavam no mesmo nível…? Isso é… isso é sacanagem! Não é justo!

    Don se agachou. Com cuidado, retirou a máscara da figura. O capuz caiu junto.

    E por baixo… havia uma mulher.

    Seu cabelo preto estava preso em um coque alto, despojado, com alguns fios soltos que moldavam o rosto até a altura do queixo. Os olhos escuros ainda ofegavam, arregalados e assustados — havia algo de selvagem e perdido neles. As sobrancelhas eram finas, bem desenhadas. E nas orelhas, vários piercings brilhavam sob a luz fria do entardecer.

    Don a observou por um momento. Respirou fundo.

    — …Então você é uma humana.

    Após Don ter terminado de contar tudo, Acara gargalhava, o som ecoando pelo salão como uma lâmina envolta em escárnio.

    — Hahahaha… Então é isso? Você capturou uma inimiga?

    Don Verk Nosfea estava encostado na lateral do trono, girando a garrafa devagar, como se ponderasse a existência mais do que os fatos.

    — Depois do confronto, levei ela até minha mansão. Se alguém dos Três Palácios soubesse dela, seria executada no ato. Tentei interrogá-la, mas… ela quase não disse nada. Nem nome, nem causa.

    Acara cruzou os braços. Sua expressão se manteve divertida, mas o olhar era afiado, como uma adaga prestes a cravar.

    — Hum… Quero ver ela depois. Mas enfim — por que me chamou aqui, Don?

    Don ficou em silêncio por um momento. Bebeu um gole. Olhou para o chão, depois ergueu os olhos.

    — Como você deve imaginar… a Vena está atrás do Ken. E eu sei o motivo exato. Ela está procurando pela… Lâmina Gêmea de Silvit. A adaga de Julia.

    O salão gelou.

    O sorriso de Acara desfez-se. Seus olhos arregalaram. Um silêncio denso tomou conta do ambiente — o tipo de silêncio que precede uma tempestade. Um segundo depois, ela sorriu… mas dessa vez era diferente. O sorriso era tenso, cheio de veneno contido.

    — Você quer dizer… que aquele garoto… tem uma das armas da antiga Rank 1 como se fosse um brinquedo de estimação? E você… — ela trincou os dentes — …você escondeu isso por dezesseis anos?

    A aura negra que envolveu Acara engoliu metade do salão.

    Densa. Viva. Selvagem.

    As sombras se contorciam ao redor dela como serpentes famintas. Seu olhar estava prestes a explodir.

    — Don Verk Nosfea… mesmo que seja meu primo de sangue, isso é uma quebra direta nas leis das Camadas. E uma afronta ao nosso clã.

    Don a encarou, sereno como sempre, o olhar cansado mas firme.

    — Eu já imaginava que reagiria assim. Por isso te chamei. Quero que treine o garoto. Vá até a camada 4. Fale com ele. Explique o que está acontecendo. Acredito que ele vai entender melhor vindo de você… a Chefe do Clã da Escuridão.

    Acara rangeu os dentes por um segundo… mas logo sua aura negra se dissipou, como se tivesse recolhido as garras.

    Ela virou de costas, ajeitando o longo manto escuro que usava.

    — Hmph… Se é só isso, então tudo bem. Academia Fjorheim, certo? A escola do velho Johan… Vai ser fácil.

    Don assentiu, levantando da borda do trono enquanto estalava o pescoço.

    — Vá quando o exame de subida de Rank estiver acontecendo. Assim ele estará mais… receptivo.

    Acara começou a caminhar em direção à saída, os passos firmes ecoando no piso transparente.

    — Não se preocupe. Eu já ia fazer isso de qualquer forma.

    Ela desapareceu pelas grandes portas de pedra. O salão ficou em silêncio, exceto pelo leve tilintar da corrente do cálice de Don balançando.

    Foi quando ele ouviu o som de passos leves atrás do trono.

    Sem se virar, murmurou:

    — Então você escutou tudo, né…?

    Do fundo do salão, emergindo das sombras com a leveza de um véu ao vento, Altaira’Zher Asgard — a Rainha de Todas as Camadas.

    Sua presença era como um amanhecer: silenciosa, mas esmagadora.

    Altaira era a imagem viva da realeza. Os longos trajes fluidos — em tons de ouro pálido, carmim profundo e marfim cintilante — ondulavam com elegância, bordados com flores que pareciam ter sido colhidas dos próprios jardins celestiais. Seus cabelos loiros estavam presos num penteado alto e meticuloso, adornado com pequenas flores douradas e folhas finas que balançavam como pendentes reais.

    Mas eram seus olhos verdes, serenos e antigos, que verdadeiramente dominavam a sala. Eles olhavam através das almas — calmos, mas autoritários. Olhos de alguém que viu impérios nascerem e morrerem, e ainda assim permaneceu de pé.

    Uma marca delicada brilhava na testa, o símbolo dos soberanos de Asgard.

    — Don Verk… — disse ela, com a voz serena, quase melancólica, mas carregada de comando — estou surpresa que tenha omitido o assunto do Palácio Esmeralda da Acara.

    Don girou o ombro, sem pressa, bebendo mais um gole antes de responder:

    — Ainda não é o momento. Quero investigar isso sozinho… Por enquanto, só eu. E claro… também envolve seu filho.

    Ela fechou os olhos, a expressão levemente endurecida.

    — É uma blasfêmia tratar o Rei dos Reis como se fosse seu igual.

    Don deu uma risada baixa e debochada, se afastando.

    — Fica de boas, Altaira. O mundo vai mudar muito em breve… E quando mudar, o Sol’zher nem vai se importar com títulos. Entraremos numa era onde rei e servo serão um só.

    Ele saiu pelas portas do trono, a garrafa ainda em mãos, a expressão despreocupada contrastando com o peso de suas palavras.

    Altaira ficou ali, diante do trono vazio.

    Silêncio.

    Ela olhou para o assento real. Tão grande. Tão vazio. Tão… inevitável.

    Fechou os olhos.

    E, sem dizer mais uma palavra, saiu pela porta menor, envolta por suas vestes reais, como o último raio de sol ao fim de uma era.

    Acara saiu do Palácio de Jade com um leve bufar de irritação, ajustando o quimono escuro sobre os ombros. O sol brilhava sobre ela com aquele calor limpo e irritantemente puro. Era como se até o céu julgasse seus passos.

    Sem perder tempo, ela caminhou até o elevador de luz. Assim que entrou, a luz a envolveu, e num instante — zup — seu corpo foi lançado para baixo, atravessando os véus entre as camadas.

    Quando as portas se abriram, o cenário mudou completamente.

    Vanaheim. A segunda camada.

    Se Asgard era a perfeição dourada, Vanaheim era o paraíso natural. Árvores de troncos esguios e folhas douradas balançavam com a brisa suave. Rios límpidos serpenteavam entre as construções feitas em harmonia com a natureza. O céu era de um azul profundo e sereno, com nuvens naturais desfilando lentamente. E o sol branco, diferente dos da camada um, iluminava tudo com uma luz mais crua — mais real.

    Da varanda da Torre de Luz, onde o elevador desembocava, via-se tudo: as casas cobertas de flores vivas, as pontes em arco sobre os rios e, imponente, ao longe, a Catedral do Sol, irradiando presença como se fosse o coração vivo da fé daquela camada.

    Acara desceu entre as pessoas comuns — camponeses, sacerdotes, mercadores — vestindo roupas simples e alegres. Ela destoava. Uma presença sombria no meio do festival da natureza.

    Sem se importar com os olhares curiosos, ela seguiu até os cais e entrou num dos barcos de transporte — longos e elegantes, que deslizavam pelos rios como serpentes de seda. A água era tão cristalina que os peixes e criaturas fluviais nadavam sob o casco como joias vivas.

    Após uma longa travessia pelos canais entrelaçados, finalmente chegou ao norte da camada — onde ficava o seu lar.

    O Palácio de Obsidiana.

    A estrutura era como um grito silencioso contra a beleza natural ao redor: uma fortaleza feita inteiramente de obsidiana polida, refletindo o ambiente distorcido em sua superfície negra como espelho rachado. Colunas torcidas sustentavam o andar superior, e janelas de formas agressivas davam ao lugar uma aura ameaçadora. O teto, completamente espelhado, refletia o céu noturno mesmo durante o dia, como se o palácio recusasse a aceitar a luz solar.

    Acara caminhou pelos jardins sombrios. Árvores negras com folhas grossas e opacas. Flores que exalavam fumaça violeta, envolvendo o ar com uma fragrância doce e misteriosa. Pequenos rios corriam, negros como óleo, mas límpidos o suficiente para se ver o fundo — ou o que rastejava lá dentro.

    Os serviçais cortavam galhos com precisão cirúrgica. Todos se curvavam levemente quando ela passava, mas ninguém ousava falar.

    Ao entrar no saguão, a escuridão foi suavemente substituída por uma luz suave — emitida por cristais etéreos flutuantes, que navegavam lentamente pelo teto como vaga-lumes de outro mundo.

    Duas empregadas se aproximaram imediatamente, tirando com cuidado o quimono de viagem de Acara e colocando sobre seus ombros um roupão de veludo negro com detalhes bordados em vinho. As criadas, todas de olhos violetas profundos e cabelos pretos impecavelmente arrumados, vestiam quimonos pretos com flores vermelhas, o uniforme tradicional da casa da escuridão.

    Antes que pudesse ir para seus aposentos, o som de passos rítmicos e secos ecoou pelo corredor.

    — Toc… toc… toc…

    Acara olhou e então viu a pequena figura se aproximando.

    Cabelos presos em maria-chiquinhas firmes, olhos roxos redondos como botões de ametista. A expressão era séria demais para alguém tão jovem. Ela caminhava com uma muleta, o vestido curto balançando conforme apoiava o peso — a ausência da perna esquerda tornava cada passo um esforço visível, mas orgulhoso.

    — Bem-vinda de volta, mamãe — disse ela, com sua voz sempre sóbria, quase como se estivesse sempre julgando o mundo.

    Acara deu um sorrisinho.

    — Gia… saiu da cama só pra me receber? Que atenciosa da sua parte.

    — Só queria avisar que você tem uma visita importante — disse, virando-se com o mesmo tom impassível de sempre.

    Acara franziu o cenho. Visita?

    Seguiu direto até o salão principal do palácio — uma sala vasta com janelas altas, paredes de pedra negra brilhante e uma mesa de jantar gigantesca feita inteiramente de obsidiana, lisa como vidro. A única pessoa presente era uma criada alta, de olhos azuis e cabelo ciano, parada discretamente ao lado da mesa.

    Mas Acara sentiu antes de ver.

    A presença era pesada. Uma sombra opressiva que parecia se agarrar às paredes.

    — …Olha só — disse ela, com um sorriso torto — o que você quer comigo, hein…? Noctys Vairen.

    Ele estava ali, encostado na parede, meio à penumbra. Os olhos púrpura, especialmente o esquerdo, brilhavam com intensidade maligna — quase como se uma criatura estivesse viva dentro dele. Cabelos negros e ondulados emolduravam o rosto pálido. O sobretudo escuro era adornado com símbolos arcanos antigos, e pequenas criaturas oculares e fragmentos sombrios flutuavam ao seu redor, como parte natural do ar que o cercava.

    — Só vim dar um oi. Não precisa ficar nervosa… — disse com voz arrastada, levantando a mão devagar.

    A manga do casaco desceu, revelando um “8” marcado a ferro em sua pele.

    — Deve mostrar mais respeito a alguém no Rank 8… não acha?

    Sem hesitar, Acara atravessou o espaço e deu um soco certeiro na cabeça dele, fazendo um estalo seco ecoar pelo salão.

    — Cala a boca, idiota.

    Noctys fez uma careta e se encolheu, mas riu logo em seguida, massageando a cabeça.

    — Ai, ai… que violência. Só vim mesmo pra descansar um pouco. Nada demais, prometo.

    Acara o encarou por um instante, olhos semicerrados. O sorriso dela sumiu devagar.

    “Esse lunático… aparecendo aqui do nada… justo agora? Vindo das camadas negativas? Isso não cheira nada bem…”

    A aura ao redor de Noctys se agitou levemente, como se tivesse lido seus pensamentos.

    Acara cruzou os braços, sem abaixar a guarda.

    — Fique o quanto quiser. Mas não pense que eu não estou de olho em você, Noctys.

    Ele apenas sorriu.

    Um sorriso que nunca prometia nada… além de problemas.

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