Capítulo 8: Deutoronômio 28: 28.

A área está isolada. Os helicópteros cortam o vento enquanto os policiais do sétimo andar lutam para afastar curiosos. Alguns civis observam, impressionados. Parece que uma das bestas de um zoológico virtual criou vida e estraçalhou os pobres coitados.
Todos os oficiais se afastam quando um carro Kuromi para. Eles sabem o que isso significa. Eles se entreolham, principalmente os novatos que entraram na força pensando que iriam lutar para fazer a diferença. Um corredor de saudação se abre para Julio, o fundador dos Olmecas passar.
Com o rosto inexpressivo, ele caminha até os corpos. Três jovens membros da gangue que entraram para tentar fugir da violência das ruas. Três vidas tiradas. Proteger os seus é o trabalho dele como o líder dos Olmecas. É o cara que os jovens olham querendo ser, o pai de muitos que nunca tiveram um homem para tomar conta deles. Ainda assim, três deles perderam a vida.
A chuva artificial começa a cair e a molhar o terno caro de Julio Martínez. Um subordinado não perde tempo para puxar um guarda-chuva e proteger o chefe da água. Julio lentamente levanta a cabeça e então bate os olhos nos projetos duplos onde um dia morou, amou e mudou de vida. Sheila.
Sheila…
É então que começa a se lembrar…
— Ela ainda estava viva nessa época. Linda, mesmo fodida de cansaço.
Julio acende um cigarro enquanto Sheila da Costa começa a falar sobre estrelas de cinema que caíram no esquecimento. Uma das mãos alisa o cabelo dela enquanto a televisão chia tentando recuperar o sinal.
— Não achava ela tão linda. Eu sentia mais tesão nas irmãs Kunigami.
— Você é um idiota — Sheila bufa. — Homens.
A conversa deles é interrompida por um barulho seco de tiro. Os dois se entreolham.
— Se você ouviu… — Julio começa.
— Não é para você. — Sheila completa.
Juntos, os dois dão uma risada.
Sheila se levanta, saindo do cafuné de Julio e vai em direção a cozinha. Julio nem se importa, está mais concentrado na televisão. Um apito se inicia no chiado e então… a imagem se recupera. O âncora do canal de notícias diz sobre um grande assalto que ocorreu há dois dias no bairro de Reserva da Costa. Julio pisca e então grita.
— Sheila! Tão falando do teu golpe na televisão!
Sheila da Costa larga a pequena barra de chocolate artificial que está comendo e parte correndo para a sala. Ela pula de alegria enquanto o âncora espalha a notícia.
— Uma ladra conseguiu invadir e roubar milhares de NeoReais em um roubo na Reserva da Costa. Testemunhas dizem que ela seduziu os guardas e depois levou tudo dos apartamentos. Bem, tem que ser alguém bem gostosa, né? A mulher ainda não foi identificada e conhecendo a polícia, nem vai.
— Ele tá falando de mim, porra! — A mulher pula de alegria. — E ouviu? Ele me chamou de gostosa!
— Ele tá delirando. — Julio responde.
— Tá com ciúme, gatinho?
— Nenhum pouco.
— É?
Sheila se aproxima de Julio e se joga em cima dele. Ele recebe a mulher por cima e aproxima a face do rosto dela.
— Tá na hora de comemorar que você tá famosa.
Ela balança a cabeça concordando e então pressiona os lábios contra os dele. Ela aproveita o momento. Cada toque acende algo no corpo dela. Sente cada parte. O calor dele se encontrando com o dela e se unificando…
Algumas horas se passam e os dois estão relaxados na cama. Sheila dorme enquanto Julio encara o teto, pensativo. Sozinho. A companheira conseguiu fazer algo que ninguém tinha feito no submundo. Roubou o bairro mais rico de toda Copa City, mas… onde ele entra nisso tudo?
Ela é foda. Os dois são dois zé ninguéns que moram em um dos projetos de habitação da cidade, só que, ainda assim, ela meteu um golpe de gênio. Porra. Ele nunca conseguiria fazer isso. Será mesmo que merece ficar do lado de alguém com tanto potencial?
Ele vira a cabeça para o lado e lá está ela. Dormindo com um leve sorriso como um pequeno anjo. É questão de tempo dela despontar e deixar ele para trás. Julio sente um aperto no coração. É. Todo o sono dele foi embora…
A manhã chega cobrindo todo o quarto deles com imensa felicidade. Cada ponto de luz reflete na pele deles e dentro do cômodo vindo junto com o calor. Sheila se move lentamente e então se espreguiça. Aos poucos a mulher vai se arrastando para cima do amado.
— Tá acordado?
— É, acordei há alguns minutos. — Ele mente.
Os dois novamente são interrompidos por uma chuva de tiros perto dos projetos. Dessa vez é mais intensa e escutam um barulho poderoso, como se uma bomba tivesse explodido. Ambos não perdem tempo para se levantar e começar a se arrumar. Colocam as armas na cintura e começam a imaginar o que está acontecendo.
Julio olha de cantinho pela janela e vê uma equipe da polícia. Merda. Será que tão aqui por causa de Sheila? Não tem como já terem descoberto que ela roubou a Reserva. Ele fica pensativo, mas se fosse para pegar ela, já teriam pegado. Provavelmente é por conta das facções em guerra pela cidade. O banho de sangue tá cada vez mais presente e não é segredo que têm vários gansos aqui nos projetos…
Os policiais carregando corpos para fora do prédio responde a dúvida da dupla.
Julio não sabe, mas aquela imagem vai voltar a assombrar ele por anos. O sangue, a polícia, a pressa. Nada disso some de verdade.
— Caralho. Essas gangues tão cada vez mais descontroladas.
— E a polícia não perdoa ninguém. Acho melhor ficarmos fora de vista por hoje, Sheila.
— Por quê?
— Você é um dos maiores alvos da cidade desde o roubo, mesmo que eles não saibam quem você é… melhor evitar sair.
— E deixar que qualquer vagabunda por aí roube os créditos? Nós vamos para o Kioske agora. Os figurões da cidade precisam saber quem é a carne nova no pedaço.
Julio fica quieto. Ele bufa e então cede.
Ninguém percebe quando os dois entram no Kioske. Um bar localizado no centro da cidade que reúne todo tipo de “empreendedor.” Bandidos da pior espécie. É um ótimo lugar para arrumar um trampo que paga bem, mas o risco é sempre enorme. Os figurões da cidade sempre estão aqui oferecendo do bom e do melhor. Se quiser se tornar uma lenda viva da cidade, tem que passar por aqui, melhor, tem que crescer aqui. Hoje ninguém liga para os dois passando pela porta e subindo as escadas do lugar, mas pode ter certeza que vão. É isso o que Sheila pensa. A mulher sabe que nasceu para brilhar e vai tomar isso a força se necessário, ou usando o seu charme, como fez no trabalho na Reserva.
Os dois se sentam no bar do lugar, se espremem para achar um lugar no meio de inúmeras pessoas que ousam sonhar em crescer na cidade, mas acham o lugar perfeito para os dois. Um jovem barman percebe a presença do casal e não consegue segurar o sorriso. Ele se aproxima com passos rápidos e apressados.
— E aí, futuras lendas — O jovem empregado da casa diz animado. — Qual foi o trampo da vez?
Sheila fica em silêncio, apenas olha para ele com um sorriso no canto dos lábios. Carlos Alberto… O adolescente que começou a trabalhar nesse lugar impuro em busca de ouvir histórias e estar no meio do submundo sem sujar as mãos. Eles podem ter quase a mesma idade, mas o garoto é apenas um garoto. Sheila já saiu dessa etapa da vida. Ele só entrou para ouvir boas histórias e poder ganhar inspiração como escritor? O menino logo vai ouvir o que dá dinheiro de verdade…
— Reserva da Costa… — Sheila sussurra, o suficiente para Carlos ouvir. Julio vira o rosto para o outro lado.
Carlos Alberto fica pálido, começa a tremer e a olhar assustado para a mulher. Ela se diverte com a reação dele.
— F-foi você…? — indaga Carlos assustado.
— Humrum.
O menino dá um grito e cai para trás. Como uma reação de instinto, todos do bar olham para saber o motivo disso. Todos sabem que sempre quando algo mítico acontece Carlos Alberto dá um grito. Mas CAIR PARA TRÁS? O que será que tenha rolado, deve valer o espanto do garoto.
Os olhares se concentram diretamente em Sheila e ela sente cada um deles penetrando sua alma. Tá na hora mostrar o motivo do desmaio do garoto. Sheila se levanta e então sobe na bancada do bar, Julio continua com o rosto virado.
— Querem saber o motivo dele tá dormindo? Fui EU que fiz aquele roubo na Reserva da Costa! — Sheila exclama. — E anotem o meu nome: Sheila da Costa. Vocês têm uma nova concorrente que logo vai tomar todo o trabalho de vocês! Agora aproveitem. A próxima rodada é por minha conta!
A multidão de maltrapilhos no bar levantam o copo de suas cervejas e saúdam a mulher. A maioria está impressionado com ela ter conseguido fazer um trabalho tão foda sendo tão jovem. Uma parte duvida da história da menina.
Julio e Sheila enchem a cara durante horas, aproveitando e gastando o dinheiro que ganharam com um dos maiores roubos da história de Copa City. O momento é proveitoso, Julio observa a namorada com orgulho. Ela merece. Ele pensa, mas dentro dele fica um sentimento estranho.
Nesse momento ela está na mesa com três outros homens, conversando e rindo com eles. De uma ninguém entrando pela porta da frente, ela logo se tornou o centro das atenções do lugar e… isso é mesmo legal? Julio se sente mal com isso. O coração dele arde de ódio quando uma das pessoas que está sentada com ela levemente encosta na mão dela. Ele apenas observa de longe com ódio no olhar.
Na hora de ir embora, já tarde da noite. Os dois saem quase que carregados do Kioeske quando uma voz grossa interrompe eles.
— Garota.
Sheila, mal conseguindo se manter de pé, se vira para ver quem é e então treme toda quando reconhece.
— Volta aqui amanhã. Tenho trabalho para você.
Julio não acredita. Sheila fica eufórica enquanto a oportunidade da vida dela acabou de ser apresentada pelo próprio Queen. Simplesmente uma das lendas vivas de Copa City. Ela se vira para Julio com alegria no ar, que responde só com um sorriso tímido.
Um trabalho só para ela?
Depois de deixar a namorada em casa, Julio volta para casa. Já são quase três da manhã, a essa altura do campeonato ele ainda se sente meio mal. Ele mora no apartamento ao lado do de Sheila e passa mais tempo no lar dela no que no dele, problemas com a família e tudo mais. Mais privacidade também.
Nessa noite, o nome de Sheila da Costa entrou no imaginário do submundo de Copa City, já é a forma perfeita de encerrar a noite. Ao cair na cama, ele ouve passos vindo na sua direção. Rápidos, com pressa. Ele se surpreende ao ver a mãe. Com marcas de choro bem cravadas abaixo dos olhos, uma respiração ofegante. A sobriedade volta a força para o corpo do jovem.
— Julio! Uns bandidos levaram seu irmão á força para o alto do morro! Vão matar ele!
É um soco no meio do estômago do rapaz, que precisa fazer algo.
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