POV: HELENA IVYRA.

    Antes que o ataque de H me acertasse, tive tempo de perceber que aquela voz profunda pertencia a ele. Provavelmente, era fruto do encantamento que ele proferira. Afinal…

    Muitos encantamentos exigem um gatilho vocal para serem invocados.

    Porém, existia um tipo que funcionava quase passivamente: os Análogos e Espirituais. Como eu sabia disso?

    Bom… sorte a minha. Eu tinha um deles.

    — Correntes da Liberdade Marginal: Espectro Bala! – proferi.

    Ativei meu encantamento no pulso da mão direita e senti a marca brilhar em azul.

    Inserindo energia, convoquei o Espectro.

    Vi um vulto formado por lenços vermelhos em brasa, envolto por várias correntes, algumas quebradas, outras intactas.

    O Espectro Bala voou em direção às minhas costas, soltando parte de suas correntes e prendendo-as na âncora que H usava contra mim.

    Conectei meu fluxo de energia ao Espectro Bala por meio da marca, ganhando acesso rápido à sua visão. Visualizei-me de costas e vi que H teve sua âncora presa por correntes, tentando se soltar como podia do bloqueio temporário que Bala criara.

    Assim que retornei à minha visão normal, senti minha energia fluir para dois encantamentos ao mesmo tempo.

    — Espectro Gato, crie vossas ilusões! — pensei, ao convocar o segundo espectro.

    Da palma da minha mão esquerda, uma névoa azul-escura se formou. De dentro dela, olhos felinos brilharam em amarelo queimado.

    Assim que surgiu, o espectro espalhou-se pelo meu corpo, e duas conexões se formaram com duplicatas que surgiram ao meu lado. Duas cópias idênticas como um espelho.

    Elas avançaram contra H imediatamente.

    Virei-me para enfrentá-lo.

    — Tesselação Axiomática! — proclamei, formando duas manoplas em minhas mãos e dois escudos à frente das minhas duplicatas.

    No instante em que ouvi novamente aquela voz profunda, soube que não sairia dali tão facilmente. Ao menos, não sem lutar.

    Lá estávamos nós, numa quarta-feira aleatória, enfrentando um homem estranho dentro de uma biblioteca. Que baita reviravolta, hein, Helena? Pois bem, que assim fosse.

    — Se ele acha que me derrotaria com um só golpe… Seja por arrogância ou por me subestimar, daria a ele uma bela dor de cabeça — pensei, enquanto avançava em sua direção.



    Alguns momentos antes…



    POV: NOAH WILLIAMS.

    Assim que vi H usar um encantamento forte e desconhecido, fiquei em alerta. Era a primeira vez que ele lançava aquele em específico..

    “Droga…”

    Notei que a garota estava alguns metros atrás de mim.

    Quando H avançou, ativei meu encantamento de chamas e lancei uma labareda alta entre nós. 

    Isso quebrou sua investida por um momento.

    Contornei a chama para atacá-lo e o vi formar a guarda. Chutei na altura do estômago, pelo lado direito, tentando desequilibrá-lo. Mas foi em vão. Ele bloqueou o golpe e contra-atacou com uma onda daquela gosma verde, vinda da mão esquerda.

    Girei para o lado, desviando da gosma. Ele preparou um chute, mas aproveitei o embalo do giro e usei mais QP na marca do meu pulso esquerdo. 

    Incendi meu pé e tentei desferir um chute circular.

    Ele não teve tempo de reagir, apenas cruzou os braços para se defender. Quando acertei o golpe…

    O homem diante de mim desapareceu numa gosma preta e se desmanchou.

    Estendi meus sentidos ao redor. Sua energia surgiu atrás da garota.

    Era tarde demais para alcançá-lo.

    Até que vi um tipo de espírito sair das costas da garota e prender a arma de H, impedindo o ataque.

    Em seguida, duplicatas dela avançaram contra ele, acompanhadas de escudos para defesa.

    — Ela impediu o ataque e ainda contra-atacou? Nada mal… — disse, contemplando a habilidade da garota..

    Voltei meu foco para H.

    Concentrei-me em sua energia e corri em sua direção. Ele trocava golpes com as duplicatas antes de destruí-las e avançar para atingir a garota.

    Ela usou um escudo, que se desfez ao ser atingido.

    Cheguei entre eles. Logo, ativei um fluxo de energia para o meu pulso direito.

    — Ruptura Semântica! — proferi, inibindo um pouco do efeito do Sussurro das Margens naquela área.

    Ao alternar a convocação verbal do encantamento, podia distorcê-los conforme minha vontade.

    Com isso, o feitiço de H foi levemente corrompido.

    Em retaliação, ele usou sua movimentação pelas sombras e recuou até o outro lado da biblioteca.

    Foquei em acompanhá-lo, até ficarmos frente a frente novamente.



    POV: HELENA IVYRA.

    — Acho que você precisa escolher melhor seus alvos, meu caro H. A senhorita deve ter pegado leve contigo, pelo visto — disse Noah, com sua habitual cautela.

    — Maldito país de merda. Quem, em sã consciência, deixaria putas terem acesso a isso? — rosnou H, tomado de raiva.

    Enquanto me recuperava da troca de golpes, ouvi novamente a voz mental de Noah:

    “Preciso que proteja as garotas e vá em direção à escada, consigo as pro…”

    A frase foi interrompida quando H o atacou de novo com a âncora em mãos.

    Noah usou um encantamento de chamas, evocando labaredas nas mãos. Golpeou o chão repetidas vezes para desacelerar H, mas não adiantou. Ele se aproximou rapidamente e iniciou uma sequência intensa de golpes.

    Noah foi obrigado a liberar mais chamas para revidar as investidas de H.

    Graças a isso, um incêndio começou a se formar no ambiente.

    As estantes de madeira serviram como guia para o fogo que já começava a se espalhar, embora ainda fosse difícil discerni-lo por causa da aura negra que limitava a visão.

    Percebi, então, que a energia de H sofreu uma alteração.

    Duas assinaturas se formaram separadas, uma lutava contra Noah, a outra avançava por trás dele.

    E preparava-se para atacá-lo pelas costas!

    — Correntes da Liberdade Marginal: Espectro Professor, projete sabedoria nesse tolo! — convoquei o terceiro espectro.

    Um maço de folhas de papel se uniu, formando um pequeno vulto.

    Com olhos verde-claro, ele emitiu uma onda sonora que desorientou o clone de H.

    Tempo suficiente para que Noah percebesse e lançasse uma forte labareda, separando os dois Hs.

    O clone foi queimado, e o verdadeiro recuou alguns passos.

    Logo em seguida, ouvi a voz mental de Noah, com urgência:

    “Saia daqui! AGORA!”

    Vi Noah aumentar drasticamente o uso de QPs. E então, ele invocou:

    — Fogo da Liberdade! — gritou, fortalecendo as chamas ao redor e avançando sobre H com velocidade impressionante.

    Ativei a Tesselação Axiomática mais uma vez, formando manoplas, e me dirigi às garotas.

    O cheiro de enxofre e monóxido de carbono do incêndio já dificultava a respiração.

    Por isso, criei um construto em forma de máscara sobre minha boca.

    Passei pelas cadeiras derrubadas, pulando uma pequena estante de nicho que agora estava quebrada.

    Consegui chegar às garotas, caídas ao lado de uma mesa no centro do andar. Avaliei o ambiente. Noah e H trocavam golpes na penumbra, iluminados apenas pelas labaredas que riscavam o ar.

    As duas pareciam apenas desacordadas. Coloquei-as lado a lado e tentei invocar um construto retangular sob elas para carregá-las para fora.

    Entretanto…

    No momento em que inseri energia mágica nas manoplas para formar a plataforma, senti a energia ser sugada para um encantamento novo, aquele do papiro.

    E um novo flash esmaeceu minha mente naquele instante.

    As palavras deram início à narração de algo que parecia ser um… conto? Profecia?

    Naquele tempo, eu não conseguia discernir.

    “Ali, surgiu o primeiro de todos”
    “O primeiro a proteger, nossa dádiva dominadora…”
    “Um livro que emana poder milenar.”
    “Conhecido por muitos, temido pelos tolos,
    sempre associado ao lugar da Biblioteca.”

    “Quando portado por um leitor em uma biblioteca, permite convocar um altar e usar a Marca Literária de seu escritor original.”

    “Assim nasceu a Aura do Silêncio Bibliotecar.”

    “Tal conexão se fortalece conforme mais altares são convocados em diferentes templos.”

    “Ativa-se também o poder passivo: O Grito, quando… (desconhecido)”

    A descrição foi interrompida por uma estranha fonética que me deixou confusa.

    Vi ao meu lado um construto surgir. Um altar?

    Não. Era algo como um atril grande e rudimentar, feito de algo semelhante a quartzo polido.

    Era translúcido, mas refletia a luz das labaredas ao redor com uma suavidade cristalina, como se canaliza e purificasse o caos que tomava conta do ambiente.

    Seus contornos eram angulosos e antigos, lembrando a arquitetura de ruínas esquecidas que só conhecíamos por registros ocultos.

    Cada linha do altar parecia entalhada com símbolos arcanos que pulsavam, mesmo que vagamente, em azul pálido.

    Fitei o altar. Sobre ele, repousava um livro. A capa era grossa e escura, feita de um couro que não se assemelhava a nada que eu conhecesse, algo entre mineral e orgânico.

    Tinha um brilho sutil, como se absorvesse a luz ao invés de refleti-la. O mais estranho, no entanto, era o fato de que o livro não possuía páginas.

    Estava aberto, mas vazio, o interior completamente oco, como se fosse apenas um receptáculo à espera de algo.

    Até que…

    Uma folha de papel energética surgiu diante de mim, flutuando no ar com uma leveza quase solene. Ela não tremia nem oscilava com o vento, como se o espaço ao seu redor tivesse sido congelado para acomodá-la.

    Reconheci aquela folha. Era uma cópia do papiro. O mesmo que havia originado o encantamento anterior.

    A textura mágica dela parecia pulsar em sintonia com a energia do altar. Um brilho dourado traçava as palavras que dançavam sobre sua superfície, reescrevendo-se sozinhas, como se relembrassem a própria origem.

    Ela se anexou ao livro.

    Ao tocar a capa, foi como se o livro despertasse de um sono profundo. Uma luz intensa se espalhou a partir do ponto de contato, percorrendo as bordas da capa, invadindo o altar e se derramando pelo chão como um líquido de pura energia.

    O encantamento foi ativado.

    Uma poderosa onda de energia envolveu o ambiente ao redor.

    Não com violência, mas com firmeza. Como uma maré que se impunha silenciosamente sobre tudo o que tocava. Senti o impacto no peito, como se uma nova frequência tivesse substituído a antiga. Meus pulmões se expandiram com mais facilidade.

    A opressão da aura negra começou a se dissipar em minha percepção, ainda presente, mas mais fraca, mais… vulnerável.

    Senti-me mais leve.

    Meus pensamentos, antes dispersos por causa do calor, do medo, da correria, clarearam.

    Era como se cada batida do meu coração estivesse sincronizada com aquele altar. Meu fluxo mágico se estabilizou.

    A dor nos músculos suavizou. Até o calor sufocante do incêndio pareceu recuar por um breve momento, permitindo-me respirar com mais profundidade.

    Era como se… tudo estivesse entrando em ordem ao meu redor.

    Mas o mais estranho ainda estava por vir.

    Tudo ali começou a se energizar, o fluxo de energia se encheu com mais QPs, e minha mente pareceu clarear por alguns momentos.

    Percebi as assinaturas das garotas se tornarem mais vívidas e, ao fundo, senti Noah ter sua energia revitalizada.

    O encantamento que fora ativado era benéfico para todos.

    Ou melhor… quase todos.

    O encantamento se comportou de forma diferente quando influenciou H.

    Senti a energia emitida por ele enfraquecer… não, estava lutando contra o controle dele.

    Ela estava praticamente… queimando-o de dentro para fora.

    Estava rejeitando-o de alguma forma.



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