As luzes se apagaram na sala do Comitê de Avaliação de Ameaças Existenciais (CAAEX), localizada na sede central da ONU.
    No silêncio absoluto, um holograma começou a ser exibido.

    A gravação tremia levemente, mas os membros mais importantes da ONU assistiam com atenção total à execução de parlamentares colombianos pelas mãos de Li Wang.
    Três deles tentavam fugir. Ela os eliminava com tiros precisos, frios, como se estivesse em uma simulação militar.

    — Hoje, vocês não irão discursar.
    Não terão advogados.
    Não terão tempo para apagar provas.
    Nem mentir diante das câmeras.
    Hoje, vocês ouvirão. Verão.
    E serão lembrados pelo que são: cúmplices do terror.

    Mais tiros. Gritos. Sangue.

    Fim da gravação.

    Um massacre institucional, transmitido como um espetáculo sem cortes.

    O silêncio durou alguns segundos.
    Então, explodiu o caos.

    Isso é um crime de guerra! — vociferou o representante europeu, batendo na mesa com força. — Uma assassina invadiu um parlamento soberano e executou representantes eleitos! Isso é tirania, é terrorismo estatal!

    O representante da América ergueu as sobrancelhas com ironia.

    — Eleitos, sim. E também comprados. Corrompidos. Cúmplices de um genocídio silencioso.
    O que Li Wang fez foi o que vocês nunca tiveram coragem de fazer: cortar o mal pela raiz.

    — Está justificando execuções? — retrucou o representante europeu, indignado.

    — Estou dizendo que a moralidade muda quando os inocentes morrem aos milhões e ninguém faz nada.

    — Então agora assassinato seletivo é uma nova diplomacia?

    — Não é? — rebateu ele, encarando-a. — Ou só importa quando as vidas envolvidas são de políticos e ricos?

    Murmúrios. Tensão. Olhares cortantes atravessavam a sala.

    — Isso é inaceitável! — bradou a representante da Oceania, os dedos crispados sobre a bancada. — Executar políticos em pleno Congresso é um ataque direto à democracia!
    Essa mulher deveria ter sido eliminada há anos! Culpo a China por permitir que uma aberração como essa tenha nascido!

    O representante asiático não levantou os olhos. Consultava calmamente um tablet.

    — A Ásia respeita a soberania de todos os Estados-membros — respondeu com frieza contida. — Não emitiremos juízo de valor sobre o incidente neste momento. A questão pertence à Colômbia. Comentários prematuros podem comprometer a estabilidade regional.

    — “Estabilidade”? — o diretor de Segurança Global se exaltou. — Uma mulher matou dezenas de políticos em plena luz do dia. Isso é instabilidade mundial! E você quer se abster?

    As discussões eclodiram. Vozes se sobrepunham.
    Mas com o tempo, uma verdade se impôs: Li Wang não era apenas uma agente rebelde.

    Ela era um símbolo.

    — O apoio popular à figura conhecida como “Anjo da Salvação” cresceu 260% nas últimas 48 horas — informou o chefe do Departamento de Inteligência Estratégica. — Principalmente em países com altos índices de corrupção. Há indícios de que civis estão se agrupando e discutindo a criação de um “Exército dos Justos”, inspirado em suas ações.

    O Diretor do CAAEX pigarreou.

    — Se esse vídeo vazar, enfrentaremos revoltas em larga escala. O povo está faminto por justiça, e ela encarna exatamente isso.

    — Por isso devemos enterrá-lo — concluiu a Diretora de Relações Exteriores. — O vídeo será selado e enviado ao Regente do Primeiro Tratado. O incidente será atribuído a uma célula terrorista não-identificada.

    Todos assentiram.

    A unanimidade era rara.

    Mas o medo era maior que as convicções.

    — E quanto a ela? — questionou a representante da Oceania. — Vai continuar livre?

    — Não podemos permitir isso — disse o europeu, os olhos frios como aço. — Ela desafiou a ONU, detém armamento, influência e uma legião de simpatizantes. Ela deve morrer.

    — Ou — murmurou representante da África — ser usada.

    Os olhares se voltaram.

    — Vocês sabem que não temos forças para enfrentar a Apocalypses. Não mais. E vocês sabem o que Li Wang fez com Vireon. Não acham que seria… prudente, mantê-la viva por ora?

    — Um cão raivoso não se doma — retrucou a representante da Oceania.

    — Mas pode ser solto contra outro monstro — completou o africano, com um meio sorriso.

    — Isso não resolve o problema — alertou o Secretário-Geral. — Li Wang continua viva, insubordinada, poderosa… e ainda comanda a unidade Vangeance, em violação aos tratados da ONU.

    — Ela deve ser executada — concluiu o representante Europeu. — Antes que se torne um símbolo.

    — Ela já é um símbolo — respondeu o americano, irônico.

    De um lado, membros que viam em Li Wang uma ameaça incontrolável. Do outro, os que a enxergavam como ferramenta útil contra a Apocalypses. Um meio de lutar sem expor nações já enfraquecidas.

    O Secretário-Geral ergueu as mãos:

    — Votação. Execução ou contenção estratégica.

    Antes que a votação começasse, as portas se abriram com violência.

    Todos se viraram.

    Uma garota de dez anos entrou na sala, caminhando lentamente com uma autoridade desconcertante. Usava um vestido rosa impecável, cabelos perfeitamente penteados e uma expressão de tédio absoluto.

    Atrás dela, três homens: Scott Stewart, Kenji Ryujin e Logan Ekdias.

    A garota olhou em volta com desdém.

    — Interessante — disse, com voz infantil, mas entonação de quem conhece o poder. — Uma reunião de tal magnitude… e não me convidaram.

    Alguns se levantaram automaticamente. Outros franziram a testa.

    — Quem é essa criança? — sussurrou o americano.

    A líder do Departamento de Operações Especiais curvou-se sem hesitar:

    — Senhora… é uma honra tê-la conosco. Pandora.

    O nome caiu como um trovão. Murmúrios se espalharam.

    — Não era cedo demais pra ela aparecer?
    — É realmente… ela?
    — Não pode ser… Ela morreu…

    — E reviveu — disse Logan, sorrindo de canto.

    Todos o encararam, notando que seus braços estavam completamente negros até os cotovelos.

    — Estavam falando de Li Wang, certo? — perguntou Pandora, indo até o centro da mesa. Não pediu licença. Simplesmente tomou o lugar do Secretário-Geral, que cedeu em silêncio.

    — Sim, senhora — respondeu ele, tenso. — Discutíamos seu destino.

    Pandora cruzou as pernas, apoiou o queixo na mão e sorriu.

    “Li Wang… a garota teimosa.” — Pensou Pandora.

    — Ela ainda está viva?

    — Até onde sabemos, sim.

    Pandora levantou os olhos, pensativa, como se evocasse uma memória distante. Um lampejo de ternura passou por seu rosto.

    — Que bom. — Exclamou Pandora, o que deixou todos na sala abismados.

    Alguns se entreolharam, alarmados.

    — Senhora… — começou o europeu, cauteloso. — Ela cometeu crimes contra a humanidade. Precisamos de sua autorização para neutralizá-la.

    Pandora bufou, como quem escuta uma piada ruim.

    — Vocês são tão… previsíveis. Sempre com esse papo de legalidade, enquanto enterram cadáveres em segredo. Li Wang fez o que vocês deveriam ter feito. Só que melhor.
    Ela se virou para a multidão. — Após um breve momento, ela prosseguiu. — Ela não será caçada. Entendido?

    Ninguém respondeu. Ninguém ousou contestar.

    Entendido? — repetiu, mais baixo, com a feição em seu rosto ameaçadora.

    — Sim, senhora Pandora — disseram em uníssono.

    Ela se levantou, ajeitou o vestido e apontou para Scott.

    — A partir de hoje, Scott Stewart é o novo Imperador Militar da ONU. Com autoridade plena sobre todas as operações externas e armadas.

    Scott se manteve ereto, recebendo a nomeação com um simples aceno.

    — Quanto ao substituto de Nathan… — disse Pandora, caminhando lentamente até a saída — Não se preocupem. Eu vou escolher um novo. Quando achar necessário. Até lá, ninguém toca no assunto.

    O representante europeu cerrou os punhos, o maxilar travado. Queria protestar. Queria gritar, mas apenas engoliu a raiva e abaixou a cabeça.

    O americano, do outro lado, soltou uma risada discreta e debochada.

    — E pensar que queriam matar Li Wang. É por isso que perdemos guerras.

    Antes de sair, Pandora lançou um último olhar por sobre o ombro:

    — Continuem reunindo-se, debatendo, votando… fingindo que controlam algo.
    Mas lembrem-se: só estou permitindo isso porque é divertido.

    E então, se foi. O silêncio que restou parecia mais pesado que a guerra que se aproximava.

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