Capítulo 16- Olhos Demais para Ver
A dor latejante em sua mente era enlouquecedora — parecia um coral infernal de crianças demoníacas gritando direto em seu cérebro.
Por um segundo, Laab ouviu aquele som silencioso e agudo mais uma vez. Era o mesmo ruído que precedera o ataque demoníaco em nova osíris.
Ele se forçou a olhar para a criatura novamente.
Agora, conseguia ver com mais clareza: ela usava uma túnica vermelha manchada por fluidos secos e escuros. Seu cérebro era exposto, grotesco, tão grande quanto uma criança de quatro anos.
Centenas de olhos estavam costurados na massa encefálica pulsante, e cada vez que piscavam, liberavam uma secreção amarelada e fétida, como se fosse pus.
Cada piscar daqueles olhos provocava em Laab uma nova onda de dor latejante. Era como se cada globo ocular sugasse pedaços de sua sanidade.
Ele também percebeu outra coisa: o corpo da criatura era esquelético, quase mumificado — os ossos projetavam-se sob a pele fina e acinzentada, como se não tivesse se alimentado em séculos.
Laab se perguntava como aquele corpo tão frágil conseguia sustentar algo tão monstruosamente grande sobre os ombros.
O demônio se aproximou de Jito, que estava ajoelhado à frente de Laab. Ele parecia não ter sido tão afetado pelo ataque mental do ser de inúmeros olhos, mas, ainda assim, permanecia paralisado, incapaz de reagir enquanto a criatura avançava.
E então, algo grotesco aconteceu.
O cérebro da criatura se abriu ao meio, revelando um orifício pulsante no centro — e dentro dele, mais olhos. Era como se o interior daquele cérebro fosse uma colmeia viva de globos oculares.
A criatura não possuía um cérebro comum. Ela era feita de olhos — por dentro e por fora.
De dentro daquela massa viva emergiu algo ainda mais perturbador: uma língua ou tentáculo, fina como um cordão umbilical, escorregadia e úmida. Ela serpenteou pelo ar até entrar direto na boca de Jito.
Jito estremeceu. Seus olhos se encheram de lágrimas, e um tremor involuntário percorreu seu corpo.
Laab sentiu, de repente, sua dor de cabeça diminuir. Talvez o monstro estivesse focado agora apenas em Jito.
Aproveitando esse momento, ele se arrastou até seu companheiro. Cada movimento era uma tortura — seus músculos gritavam, e sua mente cambaleava como se carregasse uma montanha nas costas.
Com esforço, estalou os dedos e conjurou o Gládio de Sombras. A lâmina surgiu em sua mão como um sussurro da escuridão.
Com um grito rouco e desesperado, Laab se ergueu, sentindo as pernas tremerem, e desferiu um golpe horizontal da direita para a esquerda, mirando o corpo do inimigo.
O Gládio de Sombras cortou o cérebro do demônio em um golpe preciso e brutal.
A criatura caiu para trás, seus membros esqueléticos tremendo enquanto o cérebro dividido pulsava uma última vez. No mesmo instante, um vento estranho — quase como um suspiro — percorreu o corredor, e Laab sentiu uma breve onda de alívio varrer seu corpo.
Sem perder tempo, ele agarrou o tentáculo que ainda ligava Jito à criatura. Mas antes que pudesse puxá-lo por completo, um som absolutamente inumano ecoou do corpo moribundo do demônio.
Era como um lamento final. Um último ataque.
O som não parecia vir de nenhum lugar — era como se nascesse dentro da cabeça de Laab.
Ele caiu no chão, levando as mãos aos ouvidos, e soltou um grito desesperado e brutal. Seus olhos lacrimejavam, e ele começou a morder os próprios lábios, tentando afastar a dor insana que se alastrava dos tímpanos até o centro de seu cérebro.
Era como se estivessem enfiando uma caixa de som em seus ouvidos, esmagando-a até atingir sua mente. Cada frequência do som se transformava em agulhas invisíveis, cravando-se em seu crânio.
A dor não era apenas física — era uma invasão. Como se a própria essência daquele ser estivesse tentando deixar uma marca permanente dentro de sua alma.
— Olhos…
— Precisamos de mais olhos… assim poderemos enxergar além do véu de mentiras.
A voz era humana, mas impregnada de fanatismo. Ressoava como um lamento distante e gélido, sussurrando diretamente em seus ouvidos.
— Precisamos saber e ver as verdades além da compreensão humana… E para conseguirmos ver… precisamos de mais olhos.
A voz cessou por um momento.
Então, uma risada maníaca irrompeu, ecoando em sua mente com um tom quase alegre.
— Hahaha… Chega a ser irônico que a resposta estava literalmente… hahaha… em nossa cara.
Laab permaneceu mergulhado na dor, sem saber se haviam se passado minutos ou séculos. O tempo havia se dissolvido em agonia.
A dor, lentamente, foi diminuindo. Gratificantemente. Mas mesmo depois que cessou por completo, Laab ainda estremecia ao se lembrar.
Ele estava deitado no chão, encolhido, abraçando os próprios joelhos com força. Seus lábios estavam rasgados, com buracos deixados pelos próprios dentes. A garganta seca ardia de tanto gritar. Seus olhos, ainda marejados, tremiam com resquícios de um terror que não sabia nomear.
Havia silêncio agora. Mas não paz. Apenas o som de seu coração descompassado… e a lembrança daquela voz.
Laab se sentou com dificuldade e viu Jito, completamente pálido.
Seus olhos âmbar — antes carregados de humor e nobreza — agora estavam vazios, como se tudo nele tivesse sido drenado. Ao lado dele, havia uma poça de vômito cheia de olhos, exalando um cheiro azedo e insuportável.
— Quanto tempo se passou? — Laab olhou para jito parou por alguns instantes e completou a pergunta: — Você está bem?
“Parece que aquele tentáculo da criatura estava injetando olhos em Jito… talvez tentando transformá-lo em uma daquelas coisas.”
“Precisamos de mais olhos… assim poderemos enxergar além do véu de mentiras…”
Laab olhou para o demônio que havia acabado de matar.
“Então ele queria enxergar além do véu de mentiras… Mas o que é esse véu de mentiras?”
Sua mente se enchia de perguntas sem respostas.
— Estou bem… eu acho… — Jito respondeu, tentando recuperar o controle da própria respiração. Quando se virou e viu o próprio vômito, repleto de olhos, estremeceu de nojo e medo. — Acho que se passaram apenas alguns minutos…
Nesse momento, Laab começou a ouvir novamente aquele som — o mesmo som silencioso e agudo de antes. Era como um presságio inevitável… de dor e morte.
Seu corpo inteiro se arrepiou.
— Vamos embora. Agora! — disse ele, com firmeza e urgência na voz.
Jito lançou-lhe um olhar confuso, mas ao ver a expressão séria e determinada no rosto de Laab, assentiu em silêncio e se forçou a levantar.
Os dois reuniram rapidamente o que tinham, tentando manter a calma. Mas a cada passo que davam, o ambiente parecia se fechar mais ao redor deles.
Estavam cercados por livros.
Livros e mais livros.
Não importava para onde olhassem — tudo era estantes que se estendiam para sempre, como se estivessem presos em um labirinto infinito de conhecimento esquecido.
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