Eu odeio acordar cedo. Pensei, provavelmente pela quinta vez, desde que acordei. 

    Acordar cedo não é realmente um problema. O sol da manhã é bom, não muito quente e ainda refrescante. Gosto de acordar cedo e ficar no sol, despertando devagar. Já ouvi falar que, quando somos expostos aos raios solares, despertamos mais rapidamente e com mais disposição. Alguma coisa haver com “avisar” ao corpo que o dia já começou. 

    Bom dia, Ell! — Kairin sobrevoou a área aberta, aparecendo ocasionalmente além da copa da árvore. 

    Dia envolve ter um sol no céu. E eu não estou vendo nenhum. — Fiz questão de enviar toda minha frustração e cansaço para ele através do nosso laço. 

    Para minha alegria, ele perdeu um pouco de atitude. Quem tem o direito de acordar feliz esse horário? Deveria ser crime. 

    Meu tio e minha avó estão um pouco mais a frente, conversando sobre algo que não consigo ouvir. A curiosidade me faz querer aguçar meus sentidos, mas lhes dou essa privacidade. Eles parecem ter muita conversa para colocar em dia. Como se Danibor tivesse ficado ausente por muito tempo e finalmente retornado, agora que passou por uma experiência de quase morte. 

    — Como estamos todos aqui, vamos começar. — A avó Ellen falou, aumentando a voz como quem diz que já posso me aproximar sem interromper o momento. 

    — Você firmou a conexão apenas com o pássaro-trovão? O dragão ainda não? — Danibor perguntou quando me aproximei. 

    Seu cabelo grisalho estava bem penteado para trás e seu colete verde escuro sobre uma camisa longa verde claro pareciam mais elegantes do que o comum. A manga direita pendendo ao lado do corpo, um lembre constante do ferimento que não foi possível recuperar. 

    — Sim… — Lembrei que Vic queria que eu fizesse a conexão com ela também. — Eu não sei como foi que eu fiz com o Kairin. 

    — É melhor assim. — Ele continuou. — Nunca vimos alguém com duas conexões ao mesmo tempo e não sabemos como seu corpo reagiria a isso. Seria melhor você aprender a controlar o prisma do pássaro-trovão antes de pensar em lidar com outro. 

    Me incomodava um pouco ele saber o nome dos meus familiares e continuar chamando-os por suas raças. 

    Às vezes ele me chama pelo nome. — Vic falou através do laço. 

    Você não deveria estar dormindo? — Olhei em volta, procurando por ela. Parecia estar muito próxima. 

    Eu não vou ficar de fora.

    Ouvi o farfalhar de suas asas poucos segundos antes dela pousar no espaço aberto, rivalizando com a grande árvore no quintal. Senti que ela parecia um pouco ansiosa, como se continuasse remoendo o fato de ainda não termos uma conexão vital. 

    Não demorei para perceber que minha avó ficaria apenas observando o treinamento hoje, deixando os ensinamentos principais com Danibor. 

    — Você já conhece as cores primárias e é dela que vem nossas habilidades de fortificação. — O general começou. — Hoje eu vou lhe ensinar as cores secundárias. 

    Se ainda existia algum resquício de sono, aquilo serviu para me despertar totalmente. Eu sabia que as cores do prisma que envolvem o uso da nossa energia são divididas em cores primárias e secundárias, mas a Academia deixava claro que servia apenas para formar nossa base para servir ao Reino dos Povos Unidos e que qualquer coisa além da base, deveria ser buscada por fora.

    Eu só não esperava que essa oportunidade fosse surgir antes de me formar. 

    — Vermelho e Azul cria o Roxo. — Era a base da teoria das cores mesmo, então não existia nenhum segredo nesse aspecto. — Vermelho e Amarelo, cria o Laranja. Amarelo e Azul cria o Verde. 

    Conforme ele falava o nome das cores, primárias e secundárias, seu punho levantado brilhava energizado com a cor dita.

    — As cores primárias são a base, então é natural que todos sejam capazes de usar elas sem nenhum tipo de limitação. Fortalecer o corpo, fortalecer a mente e externar a energia não são realmente técnicas.

    Ele se virou de costas e caminhou até minha avó, que lhe entregou um pequeno vaso de planta. Não era muito grande, cabia dentro da palma de uma das mãos. Parecia feito de cerâmica e tinha apenas terra dentro. Ele retornou até mim e colocou no chão entre nós dois. 

    — Primeiro precisamos descobrir qual é sua cor secundária. — O general se sentou com as pernas cruzadas, na característica posição de lótus. 

    Eu o acompanhei, ficando na mesma posição. 

    — Mas eu domino as três primárias… Não quer dizer que posso criar todas as secundárias? — Ainda não tinha entendido aquela parte. Eu escolheria apenas uma delas?

    — Sim e não. 

    Franzi o cenho, claramente não entendendo. Ele era realmente a melhor pessoa para me ensinar isso agora? Com minha avó logo ali atrás? Não que eu fosse julgar suas habilidades como general, eu já sabia que ele era um dos melhores de todo o reino – talvez o melhor. Mas isso faz dele um bom professor? 

    — Tem uma semente aí dentro. Você vai usar o amarelo para energizar ela e dependendo do resultado, vamos descobrir qual é a sua cor secundária. — Aquilo parecia ser explicação o suficiente para ele, já que parou de falar e ficou me aguardando continuar antes de dar mais instruções.

    Dei de ombros, ainda um pouco desconfortável por não ter as respostas que eu queria, mas sabendo que podia simplesmente perguntar à minha avó mais tarde, quando isso acabasse. 

    Fiz o que ele pediu e coloquei a mão no vaso, sentindo a cerâmica porosa com meus dedos. Deixei que o Amarelo surgisse na ponta de meus dedos e a energia fluiu para a terra.

    Por um momento nada aconteceu, mas eu continuei deixando minha energia prismática fluir.

    E então a terra dentro do vaso remexeu, como se algo se movesse lá dentro. Pareceu muito com o movimento de uma cobra espreitando abaixo da terra, o que me fez pensar que eram raízes se formando. 

    Até que subitamente a superfície foi rompida por um pequeno galho que cresceu aproximadamente até alcançar um palmo de altura. Parecia pequeno demais para ser chamado sequer de muda, seu caule mais fino do meu dedo menor. 

    Por algum motivo, eu achei que teria uma árvore lá dentro. Eu estava enganada, era uma flor. 

    Rapidamente suas pétalas se formaram em um rosa profundo, parecendo muito com a flor de hibisco que protege suas sementes como um casulo enquanto ainda não floresceu. Com celeridade, ela começou a desabrochar e, do lado de dentro, onde deveria estar seu tubo estaminal, fui surpreendida por um grupo menor de pétalas igualmente na cor rosa. 

    — Isso é… — Ouvi meu tio falar, embora ainda não prestasse atenção em suas palavras. 

    O que aquela planta queria dizer sobre minha energia prismática? Eu não sabia o que era esse teste da semente e não fazia ideia do que poderia vir a seguir. 

    Com expectativa, encarei mãe e filho que me ensinavam enquanto esperava que eles me respondessem. 

    Minha avó tomou a dianteira, como se desse de ombros e desistisse de fazer meu tio me ensinar aquela parte. Aparentemente ele era muito bom liderando, criando estratégias e lutando uma batalha, mas não era tão bom em explicar coisas simples para uma criança. 

    Não que eu fosse uma criança.

    — A semente poderia se transformar em três coisas: uma mandrágora, se sua energia secundária fosse o laranja. Isso tornaria você alguém capaz de usar o prisma para converter sua energia em objetos físicos. Criar armas e objetos praticamente do zero… 

    Enquanto ela falava, eu desviei o olhar para as pétalas rosas da planta que tinha surgido com o auxílio do meu poder. Uma mandrágora é uma planta que fica enterrada, um tubérculo parecido com um pedaço de gengibre, mas que suas extremidades se parecem com membros de um corpo. Se fosse a mandrágora, eu não veria flor alguma, apenas um tufo de folhas verdes por onde se aperta para puxá-las de dentro da terra. 

    Acompanhando a explicação de minha avó, reconhecendo que aquela não era a minha cor, logo entendi o que ela queria com aquilo: iria explicar todas as cores, deixando a minha para o final. 

    Por isso, quando ela voltou a falar da próxima cor, eu já sabia que também não seria minha.

    — Ela também pode se transformar em um trevo de quatro folhas, representando a cor roxa. Você seria capaz de trabalhar com as leis que regem esse mundo… Cada um desenvolve uma habilidade exclusiva e é a mais rara das cores secundárias. — Minha avó pausou, como se estivesse considerando as próximas palavras. — Seu tio é um desses raros capazes de usar o roxo. Ele atravessa certas distâncias como se fossem mais perto do que realmente são… — Ela olhou para ele, deixando as palavras no ar para que ele mesmo pudesse explicar. 

    Danibor se levantou e caminhou ao lado dela, passando por ela até ficar de frente comigo. 

    — Cada passo que eu dei para chegar até você, deve ter levado um pouco mais de um segundo e eu percorri cerca de trinta centímetros com cada um deles. Eu consigo… Diminuir essa distância. 

    Observo ele se virar novamente para minha avó e dar um único passo na direção dela, então ele desaparece da minha frente e reaparece logo ao lado dela, como se não tivesse feito todo o caminho de volta como para vir até mim. 

    — A cor roxa é a cor das “impossibilidades” que envolvem manipular as leis que regem o universo: inércia, dinâmica, ação e reação, tempo, espaço… É muito abrangente. Eu consigo cortar o espaço entre dois pontos distantes e percorrer ele mais rápido. 

    Sua explicação bateu com minha dúvida durante nossa missão: como ele tinha feito para transportar Ralik e Fenriz para a Lazil se estavam dentro do barco. Aquela deveria ser a resposta. 

    Ele faz um movimento afirmativo com a cabeça, como se estivesse considerando para onde meus pensamentos foram e confirmasse minha suspeita. 

    Já ouvi falar que parte de liderar é saber ler o que se passa na cabeça de seus subordinados, mesmo que de forma indireta. Se for realmente o caso, Danibor sabe exatamente o que está fazendo. 

    — Então eu não sou nem Roxo e nem Laranja… O que me deixa com o Verde, certo? — Pergunto, mexendo as mãos e secando a palma no tecido da calça enquanto tento conter a expectativa e a ansiedade. 

    Não sou muito fã desse método de explicação que deixa o mais importante para o final, apesar de reconhecer a importância por trás de saber o que as outras cores são capazes de fazer. 

    — Certo… Sua semente se transformou em uma espirradeira. É uma planta venenosa, provavelmente uma das mais venenosas do mundo. Ela é a resposta para a cor verde.

    E antes de minha avó continuar a explicação, Danibor retoma as palavras: 

    — Faz tempo que não temos um Veridion que despertou o poder dos olhos e ainda é um usuário do Verde ao mesmo tempo.

    — E o que isso quer dizer?

    — As cores primárias não são habilidades únicas. Apesar de termos especialistas nelas, elas são a base das cores. Fortalecer o corpo, fortalecer a mente e externar a energia. Você usa sua energia prismática com elas e elas respondem como você deseja. — Vejo ele gesticulando com um dos braços e percebo que ele gostaria de estar usando os dois. Quase como um movimento automático. 

    Tento manter qualquer sentimento de pena que eu pudesse ter o mais fundo e escondido dentro de mim. Não porque ele não seja digno de compaixão ou dó, mas consigo apenas imaginar o quão magoado alguém orgulhoso como ele ficaria se notasse. 

    — As cores secundárias são a manifestação de uma técnica. — Danibor volta a falar. — Você não usa nenhuma delas em sua forma base, elas não possuem forma base. Você as usa para converter a energia prismática em algo novo. Em uma manifestação capaz de mudar as leis da realidade, em algo capaz de materializar materiais do zero ou… No seu caso, na conjuração de elementos. 

    “Uma pessoa que usa o verde pode conjurar os elementos da natureza: o fogo, o ar, a água, a terra, o trovão… Até suas variantes: gelo, magma, tempestade o que você puder imaginar. A diferença não é exatamente o poder fazer isso, mas o como fazer. 

    “Eu só posso usar o roxo para viajar entre os espaços que eu quero. Não posso mexer com a gravidade ou fazer qualquer outra coisa diferente, pois essa é a minha Manifestação Prismática. Alguém com o verde geralmente escolhe um elemento e se torna hábil no seu uso, mas apenas nele.” 

    Quando vejo que ele faz uma pausa na sua explicação, o interrompo.

    — Certo… Então eu preciso escolher um elemento para começar a treinar agora? É isso? 

    — Não. — É a vez da minha avó falar. — Com os olhos veridianos, você é capaz de enxergar o fluxo da vida e ele vai te ajudar a ser capaz de controlar mais de um elemento. 

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