Capítulo 75: A Peça Toma Forma
O quadro ainda exibia a palavra “Peça” em letras grandes, mas cercada por rabiscos de ideias — “romance”, “batalha”, “mistério”, “comédia” e outros — escritos em cores diferentes, como se a sala inteira tivesse deixado ali suas marcas.
O barulho de vozes discutindo enchia a sala, misturado ao som de cadeiras sendo arrastadas e papéis sendo amassados.
Yuki, posicionada à frente da turma com um marcador na mão, tentava impor alguma ordem ao caos, enquanto Kazuki se apoiava descontraidamente no canto do quadro, observando tudo com aquele sorriso calmo de quem parecia secretamente se divertir com a confusão.
— Certo, pessoal! — Yuki bateu duas palmas firmes, fazendo o barulho cessar por alguns instantes. — Já temos todas as sugestões. Agora é hora de votar e decidir qual peça vamos apresentar.
Os alunos começaram a se ajeitar nas cadeiras, algumas mochilas caindo no chão, vozes ainda sussurrando sugestões de última hora.
— Quem quer fazer uma peça de romance, como a “Branca de Neve”? — perguntou Yuki, escrevendo o título no quadro com uma letra cuidadosa.
Dezenas de mãos se ergueram no mesmo instante, acompanhadas por sussurros animados, a maioria vindos de garotas.
— E uma batalha épica…? — ela continuou.
Alguns garotos, incluindo Seiji e Akira, levantaram a mão, mas com menos empolgação — e em menor número.
— Mistério? — tentou, lançando um olhar encorajador pela sala.
Poucas mãos tímidas se ergueram, hesitantes.
— E por fim, uma comédia… — Yuki olhou pela sala, mas quase ninguém tinha levantado a mão.
A essa altura, a decisão de qual peça seria escolhida era óbvia.
Kazuki já fazia a contagem mental, marcando os resultados com traços rápidos ao lado de cada sugestão. Em poucos segundos, ele se virou com um leve riso.
— A peça de romance ganha com folga — anunciou, rindo baixo enquanto alguns já murmuravam. — Decidido! Agora…
Kazuki se dirigiu a um pequeno recipiente que tinha alguns papéis para cada gênero. Ele estendeu a mão, pegou um papel e o leu no mesmo instante.
— Faremos “Branca de Neve”!
A sala reagiu com um misto de palmas empolgadas e resmungos desanimados. Algumas meninas comemoraram com gritinhos animados, enquanto parte dos garotos cruzava os braços, visivelmente contrariados.
Olhei para Seiji, que soltou um suspiro dramático e se afundou ainda mais na cadeira.
— Um romance… — murmurou ele, quase sussurrando. — Não tem nem uma espada pra eu brilhar…
— Hm? Você não tava animado para ser o protagonista? — perguntei, levantando uma sobrancelha.
Ele me lançou um olhar azedo.
— Isso era antes de saber que ia ser uma história melosa! — ele bufou, virando o rosto. — Não vou ficar fazendo papel de um bobão apaixonado!
Soltei uma risada baixa, enquanto balançava a cabeça. Yuki, sem perder o ritmo, retomou a organização.
— Certo. Agora que a peça foi decidida, vamos para o próximo passo: escolher os protagonistas da peça.
— Algum voluntário para o papel da Branca de Neve? — completou Kazuki, olhando para a turma.
Por um segundo, a sala ficou em silêncio, quebrado apenas por alguns cochichos baixos. Até que uma voz do fundo se ergueu, clara e decidida:
— Yuki! A Yuki tem que ser a Branca de Neve!
— É, ela combina direitinho! — uma concordou, assentindo com entusiasmo.
— Exatamente! Não tem outra opção possível! — outra disse, acenando a cabeça.
Quase todos pareciam concordar que Yuki seria a melhor escolha para aquele papel.
— Eu? Mas… não sei se consigo… — Ela hesitou, os olhos correndo pela sala enquanto mexia no marcador como se ele pudesse dar uma resposta.
— Você é perfeita pra isso! — interrompeu uma aluna, batendo na mesa. — Ninguém vai fazer melhor!
Não consegui evitar um pequeno sorriso. Ela realmente era dedicada em tudo o que fazia, com certeza ela faria um ótimo trabalho — e, sendo sincero, ninguém ali parecia mais apropriado pro papel senão ela.
— Alguém mais se oferece para fazer o papel da protagonista? — Kazuki perguntou, olhando para a turma.
Houve um breve silêncio, até que alguém levantou a voz.
— Acho que ninguém mais quer fazer esse papel, e ele combina perfeitamente com a Yuki.
Depois de mais algumas vozes e sorrisos de incentivo, Yuki suspirou, rendida, e um sorriso tímido apareceu no rosto dela.
— Tudo bem… eu aceito — disse, corando de leve enquanto escrevia o próprio nome no quadro.
— E o príncipe? Alguém? — perguntou Kazuki, cruzando os braços com um olhar divertido. A sala voltou ao caos no mesmo instante.
— O Kazuki! — gritou uma garota, apontando pra ele. — Ele tem cara de príncipe!
— Isso, ele vai ser o melhor príncipe da história! — outro apoiou.
Kazuki levantou as mãos, ainda rindo.
— Ei, ei, eu sou o vice-representante da turma, lembram? Se a Yuki vai interpretar a Branca de Neve, alguém tem que coordenar a peça. Não dá pra fazer os dois ao mesmo tempo!
— …Então quem vai ser o príncipe? — perguntou uma das alunas, franzindo a testa enquanto olhava ao redor da sala.
Os olhares começaram a se mover automaticamente em direção aos garotos. Seiji afundou na cadeira rapidamente, puxando o caderno até cobrir parte do rosto.
— Nem pensem em mim — murmurou. — Já falei que tô fora dessa.
Akira, ainda meio ressentido com a derrota do Maid Café, apenas balançou a cabeça.
— Também tô fora… Não levo jeito pra esse tipo de papel.
Um a um, os outros garotos começaram a recusar com risos nervosos ou apenas gestos discretos. Não demorou muito até que eu sentisse os olhares da turma se voltarem para mim. Por um instante, um nó desconfortável apertou meu estômago.
Não tinha como eu subir num palco e fingir ser um príncipe apaixonado — não com todo mundo olhando.
E principalmente com Yuki sendo a Branca de Neve… Sem chance mesmo.
— Desculpa, também não consigo — murmurei, levantando as mãos como se pudesse afastar a ideia.
O clima ficou incerto por um momento, a sala em silêncio enquanto os olhares vagavam, perdidos, até que uma voz inesperada surgiu.
— Então… que tal a Sasaki?
Todos se viraram na direção de Yumi, que apontava para uma garota alta, de cabelos curtos, sentada perto da janela. Sasaki abaixou a cabeça, mas logo levantou o olhar, surpresa.
— Eu…? — ela disse, com a voz tranquila, mas um pouco curiosa.
— Oh! Você é alta, tem aquele ar confiante e misterioso… — comentou uma aluna, rindo. — Perfeita pra ser o príncipe!
— Ei, espera aí… a Sasaki é uma garota — observou um garoto, meio confuso.
— E daí? — rebateu Yumi, com um sorriso. — É só atuação! A gente dá um jeito.
A sala caiu na risada, com palmas e incentivos vindo de todos os lados. Sasaki coçou a nuca, um pouco sem jeito, mas não parecia tão incomodada.
— Ah, hm… tá bom. Eu aceito o papel de príncipe… — respondeu, por fim, com um sorriso torto no rosto.
— Sério?! — gritou um garoto, enquanto a sala explodia em risadas ainda mais altas que antes.
— Então tá decidido! — anunciou Kazuki, batendo o marcador no quadro antes de escrever os nomes com letras firmes: “Sasaki – Príncipe” ao lado de “Yuki – Branca de Neve”. — Agora, vamos distribuir o resto dos papéis!
A conversa reacendeu instantaneamente. A sala voltou a se agitar, e Yuki retomou frente, tentando canalizar o entusiasmo geral em direção à organização.
— Certo… vamos começar com o roteiro. Alguém pode se comprometer a escrever?
— O Clube de Literatura pode cuidar disso — disse Rintarou, erguendo a mão com naturalidade.
— Sim, deixa com a gente — completei, sentindo um leve alívio ao me adiantar. Escrever o roteiro parecia bem mais tranquilo do que atuar.
E, com sorte, também me manteria longe do trabalho de carregar madeira ou pintar painéis. Um plano perfeito…
— Ótimo — respondeu Yuki, anotando nossos nomes no canto do quadro.
Kazuki retomou o assunto.
— E os figurinos? Alguém se habilita?
— Pode deixar comigo! — Aiko se levantou com confiança, os olhos brilhando. — Vou pedir ajuda pro pessoal do Clube de Costura. Eles vão adorar um desafio!
— Boa! — disse Yuki, escrevendo “Aiko – Figurinos” com um sorriso satisfeito. — Agora só falta…
— Cenários, adereços e os cartazes! — gritou um garoto antes mesmo que ela terminasse.
— Vamos fazer um castelo de verdade! — disse ele, já empolgado, enquanto se levantava da cadeira.
— E uma maçã envenenada gigante! — acrescentou uma aluna entre risos, batendo palmas com entusiasmo.
A empolgação contagiou a sala num piscar de olhos. Ideias cruzavam o ar de um canto ao outro, papéis sendo rabiscados, vozes se sobrepondo de formas animadas.
Foi então que Seiji, até então encostado na cadeira e aparentemente desinteressado, ergueu a cabeça com um olhar mais atento.
— Tá, se é pra fazer um castelo, eu ajudo — disse ele, um brilho voltando aos olhos. — Mas ainda acho que uma espada ia cair bem… Espera, o príncipe vai ter uma espada?
Ri baixo, observando a animação contagiar a turma inteira. Até Akira — que de alguma forma, ainda resmungava pelo Maid Café — já se envolvia, levemente empolgado com a ideia de criar um adereço incrível, tipo um espelho mágico que iria rir da Rainha Má.
Olhei para fora. O céu estava limpo, o sol subia devagar, iluminando tudo com uma luz quente.
Branca de Neve… Yuki no papel principal, Sasaki como príncipe, nós escrevendo o roteiro, Aiko cuidando dos figurinos, os outros focados nos adereços, cenários e cartazes…
Ah… iria dar trabalho. Muito trabalho mesmo.
Mas, naquele instante, cercado pelo som das vozes entusiasmadas, rabiscos de ideias sendo passados de mesa em mesa e planos tomando forma no quadro, era impossível não se sentir animado
— Certo! Então, mãos à obra! — disse Kazuki, erguendo o marcador, incentivando ainda mais a turma.
A resposta foi imediata: vozes juntas cheias de energia, risadas, cadeiras se arrastando, cadernos se abrindo, e um novo tipo de agitação enchendo a sala — não mais o caos de antes, mas o tipo de energia que surge quando todo mundo está caminhando na mesma direção.
Peguei meu caderno, sentindo o peso… agradável da responsabilidade nos dedos — e algo mais, talvez uma faísca de animação que crescia vendo a turma se unir assim.
O Festival Escolar começava a ganhar forma diante dos meus olhos.
E, se tudo desse certo, a gente não só faria algo memorável como eu também estaria um passo mais perto da minha próxima história.
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